Esta
semana, assaltou-me a dúvida: se a mulher de um Presidente tem direito ao
título de Primeira Dama, que título terá o marido de uma Presidente?
A
minha questão não é sarcástica nem pretende criar polémica. É uma dúvida de
cariz linguístico e verifiquei que é dúvida para muitos. A verdade é que não
está consignado na língua portuguesa o título a atribuir ao marido de uma Presidente.
Verdade
basilar é que as línguas expressam as culturas que as geram, portanto o natural
é tirarmos daqui a ilação que Portugal não está culturalmente muito à vontade
com senhoras em cargos de poder, embora as ache adoráveis (veja-se a doçura medieval
de “dama”) enquanto acompanhantes de um homem poderoso. Podemos até arranjar
mais exemplos, no campo da Monarquia: a esposa do Rei tem direito a ser Rainha,
mas o esposo da Rainha não passa de Príncipe Consorte enquanto a esposa do
Príncipe é automaticamente Princesa, mas o marido da Princesa não tem direito a
título. No campo diplomático, sofremos do mesmo: a mulher do Embaixador, é
Embaixadora; já o marido da Embaixatriz não passa de marido da Embaixatriz; a
mulher do Cônsul é Consulesa e o marido da Consul é apenas isso, sem título. A
este propósito, não resisto a recordar um episódio em que em certa cerimónia se
lembraram de chamar a Sra Consolada para lhe oferecer um ramo de rosas (há
lapsus linguae maravilhosos!).
Dir-me-ão
que à medida que mais mulheres forem alcançando cargos de poder, o assunto fica
arrumado! Mas talvez demore décadas.
Uma
pequena prospecção por outras línguas e culturas fez-me ver que o assunto não
deixou de ser polémico. Nos EUA, a questão da Sra Clinton poder alcançar o
título de Presidente fez pensar bastante neste assunto
denominativo porque a Sra Clinton era casada com um ex-Presidente, o que levantava
a estranha questão da Casa Branca vir a ser habitada por uma Presidente e um
ex-Presidente. Ora, nos EUA os ex-Presidentes não perdem título e seria
realmente muito invulgar vir a dizer “Here we can see now President Clinton and
former President Clinton waving at the crowd”. A dificuldade desta frase… Até
que se lembraram que as Primeiras Damas ostentam o título de anfitriãs da Casa
Branca para além de Primeiras Damas!... Mas seria demasiado pedir ao ex-Presidente
que fosse anfitrião da Casa Branca, porque a ideia sugeria Bill Clinton de
aventalinho. Parecendo que não, esta questão aparentemente pouco importante foi
amplamente discutida.
Os
franceses também não sabem como designar o marido da Presidente, pelo que foi
uma sorte a Sra Ségolene Royal não chegar lá. Porém, agora temos o ex-marido da
Sra Royal na cadeira e, portanto, o problema ficou resolvido.
Informaram-me
que, na Austrália, a Primeira Ministra Julia Gillard (que não é casada, mas tem
um companheiro) resolveu a questão. O senhor tem o título de First Man, o que
sugere uma coisa bastante mais impositiva do que First Lady.
A religião
não vem ao caso. Não me recordo de título atribuído aos maridos de Margaret
Thatcher (Primeira Ministra protestante), Benazir Bhutto (muçulmana), Indira
Gandhi (hindu) ou Golda Meir (judia).
Portugal
teve uma Sra Primeira Ministra, mas não lhe recordo companheiro. Talvez o
problema linguístico espelhe uma certa incapacidade do homem (e do homem luso
em particular) de estar à vontade com mulheres de ideias firmes. Porém, será
preciso que se recordem que só há “damas” onde há cavalheiros…