... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 21, 2012

Boas aparências


Estamos na época delas, geralmente mascaradas de boas vontades: acções solidárias em praça pública, grandes campanhas de instituições que se dedicam “a aliviar o sofrimento dos mais desfavorecidos” (”pobre” é tabu), recolhas de brinquedos e roupas usadas, a generosidade em escaparate de montra, com focos de luz incidindo para que se torne ainda mais notada.

A caridade de fachada sempre existiu. Mas as novas tecnologias elevaram-na ao seu expoente máximo. Qualquer rede social, como boa ferramenta publicitária, serve também para este novo conceito que se chama “O marketing da generosidade” – se alguém duvida desta noção, basta googlar “generosity marketing strategy” e verificará que muitas empresas utilizam a generosidade como ferramenta de marketing, ensinando que parecer é muito mais importante do que ser.

Se o importante é parecer, nada melhor do que chamar a atenção para a aparência. Os que são realmente bons actores conseguem aparentar um ar bastante interessado nas misérias humanas (malgré o seu absoluto desinteresse até pelos que com eles vivem). Os “social media” são, pois, os canais perfeitos para fazer circular a ideia desta grande construção com pés de barro que é a generosidade falsa. Por cá, temos muitos exemplos, mas quase todos pecam pela óbvia natureza – portanto, deixo aqui um conselho aos nossos falsos generosos (dando-lhes do mesmo remédio): atentem no Facebook de alguns políticos nacionais.

Nestas coisas, o mestre é Paulo Portas. Apesar de Paulo Portas ser pouco amado, nenhum soube dar como ele a impressão de que é o maior e o mais querido. Posts e fotografias cuidadosamente escolhidos dão a impressão de estarmos perante um ser absurdamente dinâmico e trabalhador, porém atento ao pormenor, e ainda amigo de todos - as pessoas são “um bálsamo de força”, ele “agradece as opiniões e conselhos de todos (nós)”, dá graças pelo “apoio e comentários que ainda não li mas vou agora ler”, e outras coisas que colocam qualquer ser, por mais tolinho e longínquo do Ministro (desde que com acesso ao Facebook) um imediato seu correligionário, inchado da sua aparente importância. E isto em todo o país: Portas adora “as ilhas dos Açores”, acha “lindíssimo” o Alentejo, não consegue ficar muito tempo longe do centro – todos estamos lá, todos pertencemos a este largo coração viajante, mas concentrado no que importa. Com tanto elogio generoso e grátis que faz ao mundo, Portas facilmente consegue o que qualquer narcisista procura: que o elogiem de volta. Este senhor, essencialmente snob por todas as razões (incluindo berço mas sobretudo feitio) transmite a ideia de ser um Lula da Silva à portuguesa, fruto e filho da terra, não tardando que alguns sonhem com ele a cantar a Grândola.

As fotografias são outra maravilha. Portas sabe que podia ser mais atraente… Mas tem fotos tão bem tiradas, com um riso tão resplandecente que qualquer um esquece o seu ar habitual e nada indica aquela vida íntima tão murmurada (absolutamente contrária a todos os seus preceitos ultra-cristãos). De resto, para além de rasgados sorrisos, abraços e paisagens, Portas tem fotos “de equipa”, uma equipa que ele também não se cansa de elogiar, ou não fossem os colaboradores outra fonte de ego-trip.

Caros cultivadores da aparência, só se pescam peixes se lhes dermos isco. Mas, já agora, façam a coisa como deve ser. Por sermos pequenos, não somos palco para amadores.

Wednesday, December 19, 2012

"Açores" segundo uma menina que já não existe


Há 30 anos, eu era pequena e os Açores eram completamente diferentes do que são hoje.

De quando era criança, recordo uns Açores muito rurais, onde às vezes passavam cavalos a par dos carros, pois na época esse era o meio de transporte dos lavradores que vinham à cidade tratar de afazeres.

Para todo o lado que fossemos, encontrávamos vacas. Era impossível ir dar um passeio “ao campo” (pomposo nome com se designavam as freguesias) sem ter de parar o carro por causa das vacas no meio da estrada; passava-se ali tanto tempo como num engarrafamento.

As bolachas e rosquilhas feitas em casa eram prática semanal para muitas famílias; outras coziam massa sovada e bolo ou pão de milho e outros torciam alfenim (tudo dependia da ilha onde se tinha nascido). Esses acepipes hoje servidos aos turistas como delícias tradicionais eram coisas corriqueiras.  

O padeiro andava de porta em porta; o leiteiro também. Vinham de manhã, numas motas com caixa larga atrás, e foi assim que aprendi a fazer as primeiras contas. Era uma poluição sonora sem par, o leite era “leite do dia” em saquinhos e o pão só tinha duas variedades – não se conheciam todos estes pães com passas, cereais, sementes e ninguém se preocupava em comer pão integral.

Nas festas com arraiais, era normal comer bombons de açúcar, daqueles que se vendem na rua. Hoje, as mães dizem “credo, que nojo, isso é só porcaria!” e fazem a conta à glicémia.

Havia loicinhas de barro para as crianças, a dita loiça da Vila. Hoje, os artesãos da loiça da Vila desapareceram porque se dermos loicinha de barro às crianças somos acusados de termos fornecido brinquedos não homologados pelas normas da União Europeia. De facto, de acordo com as normas de hoje em dia, ser criança há 30 anos era tão perigoso que é um milagre termos escapado razoavelmente inteiros.

A educação era, sem dúvida, diferente. Pessoalmente, como fui criada pelos meus avós e tive a invulgar sorte de ter a mesma professora e a mesma turma nos 4 anos da Primária, tenho uma lembrança muito viva, alimentada pelas conversas que ainda hoje mantenho com estes colegas quando nos juntamos. Contrariamente aos dias correntes, podíamos não passar de classe se não soubéssemos o suficiente, a professora tinha o direito de nos bater nas mãos com régua e de nos castigar. A escola era uma instituição: trocavam-se roupas, brinquedos e alguns fugiam de famílias onde viviam vidas de fazer corar argumentistas dramáticos.

Na escola, tínhamos de cantar canções religiosas e rezar à imagem da Virgem Maria. Os que não eram católicos estavam dispensados de rezar; mas a influência das outras crianças era tão grande que todos acabávamos por rezar na mesma. Foi um truque que deu resultado pois hoje sei mais sobre o Catolicismo do que muitos católicos.

Na escola primária, decorávamos rios e distritos do nosso país, sendo que nas nossas ilhas não havia rios nem distritos, nem tão pouco zonas de “gado ovino e cavalar” (Baixo Alentejo e Santarém… ainda recordo ter falhado esta pergunta na terceira classe).

Ainda não havia whale-watching. Matar baleias não era crime e ninguém achava que o mar era um parque de diversões. A tourada ainda não era um problema, era só tradição. Ninguém precisava de guia para subir o Pico. Ninguém reciclava o lixo e as fraldas não eram descartáveis.

Os romeiros não suscitavam reportagens de TV; apenas respeito. Relembro um intercâmbio que a Primária do Nordeste de S. Miguel fez connosco e foi como se estivéssemos recebendo uma delegação estrangeira, tão longe essa terra era e tão deslocados estavam de tudo.

As Lagoas das Sete Cidades eram claramente uma verde e outra azul e eram lindíssimas. Hoje, são ambas verdes, plenas de limos, mas continua-se a vender o produto turístico como se nada tivesse mudado. A beleza desapareceu – embora todos finjam que não e até a considerem uma Maravilha de Portugal. O tempo tudo muda mas o ser humano, cegamente teimoso, vai preservando a ideia quando a realidade já morreu.

No Natal, havia laranjas e grãos que germinavam em tigelinhas. O São Nicolau bem depressa passou a Pai Natal. O bacalhau entrou na tradição não sei bem como, porque em minha casa comia-se frango…

Com 5 anos, eu tive infância nestes Açores. Hoje, são outra verdade. O Hospital onde nasci já não existe – é um grande edifício vazio e inútil. As casas onde morei são prédios de apartamentos onde vivem universitários que ignoram que ali havia árvores. Mas, certamente, reciclam o lixo. Certamente, hoje, a vida é melhor nestes Açores. Sucede que, porém, já não são a minha terra nem eu sou essa menina.

Por isso, em certos dias, apetece dizer como Nemésio quando regressou à Terceira e, olhando-a, já não a reconheceu como sua: “Começamos a ser estrangeiros onde nascemos, ou como?!”

Friday, December 7, 2012

Vendas no Templo


Não sei quando é que as Universidades começaram a fazer Open Days e outras campanhas de marketing. A primeira vez que o vi, lecionava numa Universidade da América do Norte e foi espantoso verificar a importância que tal tinha. Até então, eu só tinha estudado e trabalhado em universidades europeias, onde não se cultivava ainda o conceito de mercantilização das instituições do ensino superior.

De lá até então, sinto que o caminho foi feito neste sentido, sobretudo desde Bolonha. Nos Açores, há Professores cujo conhecimento sobre a Academia lato sensu e a experiência pedagógica constituem uma mais valia para se pronunciarem sobre o ensino, pelo que estas linhas não pretendem ser nada mais do que uma opinião (breve gizado em espaço exíguo) de quem lecionou e leciona no Ensino Superior.

As razões pelas quais uma Universidade se torna apetecível podem ser de vária ordem. Mas essas não são, necessariamente, as mesmas razões que fazem dela uma Universidade de qualidade…

Atualmente, há uma tentação para “vender” as Universidades, o que advém do panorama financeiro que atravessamos. Para tal, utilizam-se os mais diversos atrativos, passando a Instituição a ser um produto, em concorrência com outros tantos, que pretende cativar público, ao invés de ser aquilo para que foi criada: um templo de busca do conhecimento (e não “um templo do saber” que seria uma perspetiva estática e arrogantemente fechada a um grupo de – quiçá auto-denominados – escolhidos). Na ideal tentativa de tentar alcançar sempre um patamar científico mais elevado, não se pretenderia que a Universidade fosse impenetrável à comunidade e muito menos murada a qualquer tipo de conhecimento. Mas esses bons propósitos sobre a abertura da Academia ao mundo e aos mundos – magistralmente ficcionalizados numa obra literária de Herman Hesse – acabaram por ser mal interpretados por quem de direito e aí temos que não só se abriram as portas a toda a gente, quase deixando de haver critérios de seleção, como estão as Universidades famintas por alunos, a quem tentam agradar o mais possível.

De local de eleição, a Universidade passou a local vulgarizado. De que vale hoje uma licenciatura? Tirando a óbvia conjuntura da fraca empregabilidade – que, aliás, não tem relação direta com os estudos desde há anos -, a licenciatura não só deixou de ter valor enquanto título académico como passou também a ser um motivo de troça. Todos conhecemos as piadas que se fazem sobre licenciaturas, nomeadamente sobre as que são conseguidas em determinadas Universidades e sobre as de certos dirigentes políticos…

Os mestrados vão pelo mesmo caminho. Desde que o Mestrado de Bolonha passou a ser equivalente à antiga Licenciatura que o Mestrado pré-Bolonha vem perdendo todo o crédito e hoje só o Doutoramento vale algo. Porém, tendo em conta que se podem comprar teses de Doutoramento a professores que, devido à crise nas Universidades, entraram no desemprego precoce, também o Doutoramento é pouco reconhecido.

Perante tudo isto, quo vadis? Não sei, mas como dizia o poeta, “sei que não vou por aí”.