... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, March 29, 2013

As mulheres e as outras



Estou num grupo de trabalho com um homem e seis mulheres. Numa conversa informal que se gerou sobre o modo como nos posicionam profissionalmente, o meu colega disse, de forma casual: “Para mim, a vida é mais fácil. Sou homem: vocês dão-me mais crédito quando falo.” Podem imaginar o coro de protestos de todas, que o chamámos desde machista a intolerante passando por retrógrado e antiquado. Ele sorriu e fez aquele gesto que significa mais ou menos “resmunguem para aí que eu cá sei!”

Mas, se pensarmos bem, ele tem razão. Quando queremos uma opinião, todas pensamos nele. Se temos de fazer equipas, todas preferem fazer equipa com ele. A desculpa é sempre a mesma: mulheres preferem trabalhar com homens (já é pouca sorte haver tão poucos, passe a ironia). Quando é necessária a revisão de um assunto, nada está terminado antes de passar por ele. Apesar do meu colega não ser chefe, ocupa, sem dúvida, a posição de destaque e tem a primazia da escolha e do reconhecimento.

Sem qualquer questão, ele é um excelente profissional. Mas, como o próprio diz, “ser homem ajuda muito para ser reconhecido como tal” e eu acrescento: sobretudo quando se está rodeado de mulheres!
O facto é que as mulheres sofrem de dois malefícios: o primeiro é serem educadas a pensar que os homens são uns heróis e que, sem os homens, elas não são nada. Em todas as histórias infantis, são os homens que salvam a situação e as mulheres esperam ser salvas (vide Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida e até a menina do Capuchinho Vermelho, todas incapazes de se livrarem do infortúnio até aparecer um macho). É por isso que quando calha a uma mulher a suprema desgraça de ser maltratada por um homem, ela surpreende-se e muito: então não era suposto exactamente o contrário?

A mulher é formatada desde a infância para acreditar que os homens são confiáveis, protectores e naturalmente bons. Não há homens maus, a não ser que estejam a ser manobrados por más mulheres (casos do papá da Cinderela e da Branca de Neve, que eram bonzinhos mas tiveram o problema de serem seduzidos por vis serpentes). O segundo mal decorre deste: é que, da mesma forma, a mulher é formatada para acreditar que as restantes mulheres são invejosas, más e só não darão cabo dela se não puderem – vejam as irmãs feias da Cinderela, a fada despeitada da bela Adormecida, a mãe descuidada do Capuchinho e a quantidade de madrastas roídas de ciúmes assassinos. Aliás, há fantásticas histórias, como a de Hansel e Gretel, em que a madrasta, maquiavélica e cruel, decide colocar os meninos na floresta para que morram à fome e o pai, “destroçado de desgosto, cumpre a ordem da infame mulher”, como se não tivesse tino para fazer outra acção de sua própria cabeça. Mais tarde, aceita os filhos de volta, porque a madrasta morreu – seria curioso saber se este idiota os aceitaria noutra condição.

Portanto, o problema das mulheres é competirem inconscientemente umas com as outras para serem a heroína da história. Assim, qualquer mulher que tenha a desgraça de ser bonita ou inteligente ou, suprema desgraça, tenha várias qualidades recebe imediatamente um ranger de dentes das outras mulheres. Sobretudo, se ela for pessoa de arregaçar as mangas e matar ela própria o Lobo Mau. Isso, então, nunca se admite.

Quanto aos homens, bem… Não fiquem a pensar que o facto de endeusarmos o meu colega tem um cariz sexual. Efectivamente, ele é homossexual assumido. Mas, ainda assim, as mulheres endeusam os homens. Porquê? Isso, não sei. Freud explica.

Friday, March 15, 2013

Infantários para Pais, sff!



Gisèle Harrus-Révidi, diretora da área de investigação psicossomática da Universidade Paris VII, escreveu “Pais Imaturos e Crianças Adultos”, obra que nos fala do que a autora chama “o abandono de luxo”. Esse assunto secreto de famílias social e financeiramente bem estabelecidas não vai nunca parar aos Serviços Sociais, até porque falamos de pais que ocupam situações de destaque na comunidade. Estes pais têm filhos porque ter filhos faz parte da visão de sucesso que impera na sociedade e não porque sejam minimamente vocacionados para pater ou mater famílias. Consequentemente, estas “personalidades equívocas, no limite do normal” acabam por praticar uma violência surda sobre os filhos que, por não ser tão espetacular como outros abusos e ser mascarada pelos próprios, passa por não existente.

Révidi refere que, apesar de ser uma profissional muito experiente, só detetou o evidente absurdo da imaturidade dos pais ao ver que havia crianças hipermaduras, com uma mentalidade adulta já na infância. Os filhos, obrigados a crescer antes do tempo, nunca tiveram infância nem adolescência, porque desde sempre habituados a tratar das suas coisas como adultos independentes. Quanto aos pais imaturos, se lhes é sugerido visitar o psicólogo, de imediato assumem que os filhos são desenquadrados, mas eles – narcisistas crónicos - jamais, pois estão sempre bastante satisfeitos com a sua prestação na vida.

Um sintoma habitual a um pai imaturo é que, nunca tendo alcançado a sua autonomia, procura sempre um pai… Na falta dos seus (de quem nunca se separa), atira as suas responsabilidades para o Estado – o que não impede que o critique, mas pode, deste modo, permitir-se que alguém “faça o trabalho de criar os filhos por ele.”

Dos filhos, esperam mimos e satisfação dos seus caprichos. Estes pais vêem o ciclo da vida ao contrário. São os filhos que devem ajudá-los, protegê-los, realizar os seus sonhos, ser um amparo. Não é raro ver meninos de 10 anos a confortar pais de cinquenta que choram. Como é difícil para estes meninos perceber que são eles os guardiões dos pais! Esta inversão geracional até tem nome: parentificação.

O fenómeno é mais comum entre mães e filhas, talvez porque envelhecer seja mais difícil de aceitar para as mulheres. Dá-se o efeito “madrasta da Branca de Neve”: a mãe não suporta a frustração da filha ser mais jovem do que ela. Essa tentativa de abolição da passagem do ciclo da vida tem vários efeitos nefastos, acabando por se recusar qualquer ligação afetiva aos filhos, vistos como rivais.

Os pais imaturos são simpáticos e sociáveis, estão “sempre em festa”. As crianças adultos são tristes, mas sobretudo cansadas. Sofrem de “hipossedução”. Sendo órfãos psicológicos, bastaram-se a si mesmos e sempre ouviram dizer que eram “patinhos feios” pois é comum que os pais se portem como irmãos invejosos à medida que os vêem crescer e triunfar.

Paradoxalmente, estes meninos são, muitas vezes, brilhantes porque são mais esforçados e maduros. Mas a diferença paga-se caro.

Dizia-me uma adolescente com quem convivi muito: “Devia haver creches para os meus pais.” Parece piada de uma rebelde. Mas a verdade é que há pais e mães que têm filhos para auto-recreação. 

Friday, March 1, 2013

Vida


“A vida é o dia de hoje.” Nunca pensamos na fragilidade fugaz que é o fio da nossa respiração. Nunca nos detemos sobre isso, para nossa própria sobrevivência. Porque se nos dedicarmos a pensar que, a qualquer momento, por acidente rápido ou por insidiosa doença cultivada em silêncio, a vida se rompe, apercebemo-nos da nossa pequenez e impotência. Não há fé ou sistema de saúde que nos salve da hora em que o fio de vida acaba.

Difícil é escutar que a vida pode acabar já, inesperadamente. “A morte é a curva da estrada” apenas, assim o dizem os poetas, e dizem os cientistas que acreditam na eterna transformação da matéria e dizem os crentes que crêem na eternidade do espírito. Mas nenhuma destas opções nos agarra a mão e nos conforta o ânimo quando surge um aperto estrangulador, quando aparece o buraco fundo e se perde o pé na iminência possível da vida se acabar.

Numa questão de minutos, pensa-se no que se pode fazer para evitar a perda de ar e sangue, para evitar que desapareça o fio breve da vida. O que se pode fazer é sempre uma ingénua tentativa perante o inexorável que um dia chegará – essa dor que todos os dias se esquece e se esconde surge, então, ali como ferida aberta.

Há uma opção única na vida, da qual derivam todas as outras: escolher viver. Perante essa vontade férrea está provado que muitas células foram obrigadas a regenerar-se. O porquê não se sabe (interessa sabê-lo? Há ciências exactas que digam respeito a algo tão volúvel e único como o ser humano?)

Mas não basta a força do ser. Por não bastar, em desespero, muitos se voltam para o transcendente. Outros, agarram-se com esperança à ciência dos cirurgiões. E há ainda os que hesitam entre o Deus que nunca viram e o deus de bata branca, cada qual inacessível a seu modo, cada qual pensando que o ser humano que ali está é mais um dentro da espécie – e é, de facto, não diferente do que veio antes ou do que vem a seguir excepto talvez por alguma curiosidade genética; o que faz o ser humano único não cabe na rede de células da qual Deus e deus tratam e não lhes compete saber disso. A vida, no que tem de mais cru, não trata de pormenores particulares e não tem relação com o Amor que lhe dá fôlego.

“A vida é pra valer/ E não se engane não/ tem uma só/ Duas mesmo que é bom/ Ninguém vai me dizer que tem/ Sem provar muito bem provado/ Com certidão passada em cartório do céu”. Ao lado, está uma mãe que tem uma filha que já saíu do Bloco e correu tudo bem. É uma senhora imensamente triste. Pergunto porquê, imaginando que a menina terá outras sequelas ou talvez dramas que Deus e deus não tratam. A senhora diz: “Esta filha é uma gémea de 10 anos.” E corrige: “Era uma gémea. A outra morreu há dois anos.” Não sei se Deus e deus sabem que esta é a última filha desta senhora; que a mãe sabe que é injusto pensar na outra quando esta sofre, mas nunca há-de evitá-lo. Talvez a menina, que perdeu a gémea, se sinta também com menos de si do que antes, menos da tal vontade férrea de viver e, paradoxalmente, valendo por dois.

Assim, por momentos, acompanhada na dor de outro, o terrível sentimento humano de ver a nossa dor mais pequena. “ A vida é curta mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.”