Gisèle
Harrus-Révidi, diretora da área de investigação psicossomática da Universidade
Paris VII, escreveu “Pais Imaturos e Crianças Adultos”, obra que nos fala do
que a autora chama “o abandono de luxo”. Esse assunto secreto de famílias
social e financeiramente bem estabelecidas não vai nunca parar aos Serviços
Sociais, até porque falamos de pais que ocupam situações de destaque na
comunidade. Estes pais têm filhos porque ter filhos faz parte da visão de
sucesso que impera na sociedade e não porque sejam minimamente vocacionados
para pater ou mater famílias. Consequentemente, estas “personalidades
equívocas, no limite do normal” acabam por praticar uma violência surda sobre
os filhos que, por não ser tão espetacular como outros abusos e ser mascarada
pelos próprios, passa por não existente.
Révidi
refere que, apesar de ser uma profissional muito experiente, só detetou o
evidente absurdo da imaturidade dos pais ao ver que havia crianças
hipermaduras, com uma mentalidade adulta já na infância. Os filhos, obrigados a
crescer antes do tempo, nunca tiveram infância nem adolescência, porque desde
sempre habituados a tratar das suas coisas como adultos independentes. Quanto
aos pais imaturos, se lhes é sugerido visitar o psicólogo, de imediato assumem
que os filhos são desenquadrados, mas eles – narcisistas crónicos - jamais,
pois estão sempre bastante satisfeitos com a sua prestação na vida.
Um
sintoma habitual a um pai imaturo é que, nunca tendo alcançado a sua autonomia,
procura sempre um pai… Na falta dos seus (de quem nunca se separa), atira as
suas responsabilidades para o Estado – o que não impede que o critique, mas
pode, deste modo, permitir-se que alguém “faça o trabalho de criar os filhos
por ele.”
Dos
filhos, esperam mimos e satisfação dos seus caprichos. Estes pais vêem o ciclo
da vida ao contrário. São os filhos que devem ajudá-los, protegê-los, realizar
os seus sonhos, ser um amparo. Não é raro ver meninos de 10 anos a confortar
pais de cinquenta que choram. Como é difícil para estes meninos perceber que
são eles os guardiões dos pais! Esta inversão geracional até tem nome:
parentificação.
O
fenómeno é mais comum entre mães e filhas, talvez porque envelhecer seja mais
difícil de aceitar para as mulheres. Dá-se o efeito “madrasta da Branca de
Neve”: a mãe não suporta a frustração da filha ser mais jovem do que ela. Essa
tentativa de abolição da passagem do ciclo da vida tem vários efeitos nefastos,
acabando por se recusar qualquer ligação afetiva aos filhos, vistos como rivais.
Os
pais imaturos são simpáticos e sociáveis, estão “sempre em festa”. As crianças
adultos são tristes, mas sobretudo cansadas. Sofrem de “hipossedução”. Sendo
órfãos psicológicos, bastaram-se a si mesmos e sempre ouviram dizer que eram
“patinhos feios” pois é comum que os pais se portem como irmãos invejosos à
medida que os vêem crescer e triunfar.
Paradoxalmente,
estes meninos são, muitas vezes, brilhantes porque são mais esforçados e maduros.
Mas a diferença paga-se caro.
Dizia-me
uma adolescente com quem convivi muito: “Devia haver creches para os meus
pais.” Parece piada de uma rebelde. Mas a verdade é que há pais e mães que têm
filhos para auto-recreação.