Desde já, quero salientar: não percebo nada deste assunto. Mas li um
interessante artigo num número já antigo da revista Foreign Affairs –
publicação americana sobre política internacional – que explica tudo. De facto, a receita é tão velha que a
Foreign Affairs utiliza nada mais nada menos que a prescrição de Quintus
Tullius Cicero (102 AC-43 AC), cujo panfleto “How to win an election” foi
recentemente publicado novamente pela Princeton University.
Quintus Tullius, ele próprio, não era famoso… Ao que se sabe, era um
militar rebelde e as suas relações com a família não eram as melhores. Mas era
irmão de Cícero (esse mesmo!), orador, político, filósofo, etc. Foi para este ilustre
irmão, na época em campanha para alcançar um lugar no Senado romano, que
Quintus Tullius escreveu estes conselhos, tão válidos antes de Cristo como
hoje. Se não, vejamos…
Uma das primeiras coisas que Quintus faz é distinguir entre conduta honrosa
e conduta política. Para angariar votantes, deve o candidato misturar-se com
estúpidos (absurdus, no texto original). A hipocrisia – considerada
habitualmente um modo de ser repulsivo na ética romana – é, porém,
absolutamente necessária para o político.
Quintus explica também que há 3 elementos indispensáveis para garantir
votos: esperança, favores e uma teia de relações. Despertar a esperança nas
pessoas é relativamente fácil; segundo Quintus: basta fazê-las crer que
estaremos sempre ao seu lado. Fazer favores (pequenos!) é indispensável e demonstra
aos eleitores que recompensaremos muito a sua lealdade. Quintus sustenta que
demonstrar incessantemente gratidão é extremamente importante. O político deve
aparentar ser quase servil para poder mandar. Deve também ter boa memória pois
o cidadão aprecia imensamente ser
chamado pelo nome e outras atenções individuais.
A amizade não existe na política. Mentir, sobretudo aos amigos, é
essencial. É também muito importante reconhecer “as pessoas úteis” e as
“inúteis” e nunca perder tempo com as segundas. Para as primeiras, adaptar o
discurso e a expressão camaleonicamente.
As promessas nunca podem ser específicas mas sim sujeitas a mudança caso a
conjuntura mude. É essencial estar do lado de todos e contradizer-se. A campanha
deve atrair pelo espectáculo, fazendo esquecer a essência.
Se o político tiver falhas óbvias, use-as a seu favor. Faça o povo
condoer-se e, logo de seguida, admirá-lo pelo seu despojamento público.
Finalmente, não ignore o quão é importante denegrir os candidatos. Use de todos
os meios, acusando-os seja do que for, pois mesmo que se prove ser falso, a
sombra da difamação persiste.
Quintus sublinha ainda que podem ser usados os tribunais, inventando
processos. Mas o resultado dos processos é irrelevante. O que interessa é o
medo que se instila nos adversários, cuja acção fica tolhida ao saber que são
perseguidos por meia Roma.
Note-se como este texto é curioso: Quintus aconselha o irmão a ser tudo
aquilo que a ética romana despreza… mas adverte que é assim que alcançará o que
quer: um lugar na política.
Muito haveria para dizer, mas basta retirar daqui a
ideia: passados mais de 2000 anos, a política não mudou nada. A política… ou os
políticos?