... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, May 24, 2013

Rói as unhas? Ups…



Acaba de ser lançado o DSM-5. Parece uma bomba mas não, é um livro. O Diagnostic and Statiscal Manual é uma publicação americana que se converteu na Bíblia da Psiquiatria em quase todo o mundo. De vez em quando, sofre alterações, porque as mudanças da sociedade implicam que algumas coisas deixem de ser consideradas perturbações enquanto outras assumem esse estatuto e, para maior confusão, algumas perturbações são incluídas noutras e ainda há as que mudam de nome. Portanto, mal comparado é como fazer acordos ortográficos só que na Psiquiatria.

O problema é que não estamos a falar de como se escreve, mas sim de como se classificam pessoas. Ora, colocar um rótulo numa pessoa pode ser definidor de tudo o que lhe vai acontecer depois. Não é pois de estranhar que os psiquiatras não se entendam sobre as alterações e da mesma forma que há ferrenhos adeptos há também os que discordam por completo das novas directivas. Não sendo eu do ramo, só me surpreende a facilidade com que hoje se (des)atribuem “problemas mentais”, numa sociedade onde a ideia de doença mental é um estigma.

Vejamos: você tem dificuldade em desfazer-se dos seus objectos, independentemente do seu valor real? Saiba que agora isso é um distúrbio mental, e você tem “distúrbio de acumulação” (hoarding disruptive disorder; estou a traduzir do inglês, pois não vi a versão portuguesa). Você ingere comida excessivamente, num período de duas horas, de vez em quando? Saiba que passou a ser classificado mais um distúrbio alimentar, o da “Alimentação Compulsiva” (que deve ser o de quase todos os portugueses ao jantar…) Terá você a mania de tirar as pelinhas junto à unha? Ah, meu amigo, isso é “skin picking disorder” e fique sabendo que é, desde a semana passada, uma doença mental. Há mais, mas já estou cansada de debitar normalidades.

Para além disso, as pessoas com Síndroma de Asperger já não o têm; agora têm “espectro autístico”; os bipolares têm uma nova classificação (aliás, sempre que esta Bíblia muda, os bipolares têm uma nova classificação, o que me faz pensar que está um bipolar a fazer o manual!); e, para gáudio dos pais que recorrem a medicamentos para manter as crianças caladas e quietas todo o tempo, incluem-se os critérios de “disruptive mood disorder” (a birra infantil transformada em bipolaridade infantil com direito a tratamento!) Para cúmulo, as parafilias foram todas (des)ordenadas outra vez, sendo que agora a pessoa pode ter um comportamento parafílico e isso não constituir um distúrbio –  já se está a ver o grande aproveitamento que os pedófilos podem fazer disto…

É grave. Por um lado, abriram-se de tal modo as portas do comum que se fez de qualquer pessoa um potencial doente mental (eu, que sempre roí as peles das unhas, descobri hoje que tenho de me pôr a pau!); por outro lado, desvalorizou-se tanto o comportamento incomum que os verdadeiros doentes são relativizados, e quiçá podem ser despenalizados de crimes, se este manual for seguido à risca.

 Por isso, enquanto leiga, gostava de ver uma nova classificação: todo o doente mental seria aquele que deliberadamente faz mal aos outros, i.e. as pessoas sem empatia, que é marca de todo o psicopata perigoso. Para mim, isto é somente maldade pura, mas já que a doença está na moda…

Entretanto, gostava de dizer que não sou minimamente contra a Psiquiatria. Pelo contrário. Acho que os médicos (incluindo psiquiatras), têm uma vocação e uma grande dose de bom senso e de humanismo. O problema é haver muitos licenciados em medicina e poucos médicos.