Perguntaram-me
"Qual acha que é o grande problema do nosso tempo?" e isto veio na
sequência de uma daquelas conversas sociais onde toda a gente diz pequenos
nadas com grande distinção, parecendo todos nós de repente muito importantes e
eloquentes como se as nossas opiniões – que não passam disso mesmo – fizessem
alguma diferença ao mundo.
Bastaram-me dois
segundos para dizer: "É a indiferença."
O meu
interlocutor fez aquele ar sério e levemente enfadado das pessoas que,
contrariamente ao Sócrates grego, sabem sempre muito e logo ali me fez um rol
das misérias deste mundo (as quais, claro, nunca experimentou, mas citou-me
vários autores e suas panaceias a aplicar a essas desgraças), provando-me,
pois, que a minha resposta era “fantasiosa, apressada e até indigna de uma
rapariga que parece tão inteligente.”
Não tive
oportunidade de explicar a minha perspetiva – que em nada mudará a vida de
ninguém, mas acho que podíamos pensar um pouco sobre isto… Quanto mais não
fosse para não corrermos o risco de sermos indiferentes.
Já nada choca a
esmagadora generalidade das pessoas. Nada as comove. Nada as motiva a agir, em
nome de um bom sentimento, da justiça, da verdade, e muito menos para o outro.
Habituadas que
estão a um constante bombardeamento de imagens de miséria, e, sobretudo,
apavoradas com a possibilidade de perderem o que têm e virem a enquadrar-se no
rol dos miseráveis, já poucos abrem a mão para ajudar o semelhante. Pelo
contrário. Viram a cara, e não é por nojo. É por receio de estarem a olhar a
sua futura imagem. É também por medo de que a pobreza seja contagiosa, como uma
doença.
Aos mais doentes
e mais fracos, o mesmo exato sentimento é reservado. Repulsa a que não é alheio
receio do futuro, acidental ou natural. Basta ver o modo como são tratados os
idosos, os acamados, os hospitalizados, os deficientes mentais – e recordo
aquela absurda carta anónima que foi notícia a semana passada nos E.U.A.,
assinada por “uma mãe de um filho normal” que criticava a sua vizinha cujo
filho autista a incomodava com “os seus ruídos animalescos” e lhe sugeria
“metê-lo num zoo” ou eutanasiá-lo. Foi uma mãe a sugeri-lo a outra. Certamente
uma mãe que desconhece o que é sê-lo.
Quando há
conhecimento de uma maldade extrema como esta ou bem pior, que inflige
sofrimento profundo, psíquico ou físico, a alguém, viram-se as caras. Os
vizinhos dos maltratados nunca ouvem nada, mas queixam-se se a música está
alta. A polícia não chega a tempo de ver crimes, e é admitido que, portanto,
não aconteceram (como se um criminoso minimamente inteligente cometesse ofensas
em público). Os médicos receitam Ritalina aos meninos que se magoam muito
porque são hiperativos e não questionam os pais sobre tanta ferida. Os
professores querem é que estejam todos calados – à semelhança do que querem os
governantes. Toda a gente tem os seus próprios problemas e “não está para
arranjar mais”.
A maldade
aproveita-se deste sentimento de indiferença e floresce. Sempre foi assim ao
longo da História da Humanidade. Uma colega minha que viveu a II Grande Guerra em
criança num campo de concentração conta que após ver tanta morte, fome e dor, os
miúdos já passavam pelas pilhas de mortos sem sequer levantar os olhos. Só
davam graças por não estar lá. A verdade é que o instinto de sobrevivência é o
maior instinto do Homem e, em situações de extrema crise, ele vem ao de cima da
forma mais egoísta e selvagem.
Nada está mais
sujeito a ruir do que um mundo onde todos tentam sobreviver isoladamente. É
este, onde estamos agora.