Tenho uma colega já de certa idade que não tem família, e, portanto, passa
as férias a viajar por onde lhe apetece. Por mais livre que a sua vida pareça,
ouço sempre comentários sobre a
“solteirona” e isso levou-me a pensar: porque é que, numa sociedade que se diz
igualitária, os homens celibatários são sempre tidos como interessantes e até
“bons partidos” enquanto que as mulheres são vistas como frias e desesperadas? Pela
mesma razão que os cabelos brancos dos homens dão charme e os das mulheres
mostram a idade. A nossa cultura deu à menopausa um enorme peso, e tornou muito
dura a passagem desse período para alguém que não chegou a ter filhos. Aliás,
em inglês o termo “spinster” (solteirona) é reservado apenas para quem nunca
casou nem teve descendência e traduz uma falsa ideia antiquada de virgindade
preservada e de rigidez, tanto física como de ideais. O termo “bachelor”
(solteirão) não tem qualquer conotação pejorativa e, embora designe quem nunca
deu o nó, nada tem a ver com filhos – porque os homens não sabem ao certo
quantos filhos têm (?)
Estou longe dessa realidade, mas há outras das quais posso falar com maior conhecimento.
Por exemplo, ainda hoje, uma mãe sozinha é vista como alguém com um
comportamento irregular. Aqueles que já estão a torcer o nariz, experimentem
arranjar emprego, alugar casa, pedir empréstimos e qualquer questão legal ou
burocrática comum. Quem não tem companheiro é, em primeiro lugar, vista como
alguém desesperada por tempo, por dinheiro e por apoio porque “coitadinha, tem
uma família sozinha” e, em segundo lugar, promíscua pois o suposto desespero
mencionado aliado ao facto de se ter separado voluntariamente (no caso de não ter
enviuvado) dá a ideia de que “atenção, está à procura de alguém”. Raros são
aqueles a quem ocorre que uma mulher racional é perfeitamente capaz de
organizar a sua vida, a curto e a longo prazo, da mesma forma que um homem (ou
melhor, se não tiver de tratar de um homem dependente ou se tiver de suportar
um violento). Para além disso, se já era ela que tratava da família antes de se
separar, qual a diferença, excepto o facto de que agora tem menos trabalho e
preocupações? E porque havia ela de estar à procura de um marido se abdicou dessa
realidade?
Claro que estes exemplos se reportam a mulheres inteligentes. Concordo que
não há muitas – nem há muitos homens inteligentes, embora de um e de outro
existam imitações, que estão para os casos reais como o jogo electrónico d’Os
Sims está para a vida…
Também admito que é mais difícil para as inteligentes terem companheiros. A
nossa sociedade coloca o homem na eterna posição de professor e a mulher na de
aprendiz, pelo que é necessário um homem muito seguro de si para perceber que
esses papéis inflexíveis são absolutamente
irrealistas e que, por conseguinte, onde há duas cabeças pensantes há
sempre dois professores e dois aprendizes que se vão revezando consoante os
momentos. Porém, quando uma cabeça insegura se sente ultrapassada só tem uma
forma de se fazer obedecer: submeter pelo domínio, seja manipulativo e astuto,
seja por meio da força bruta. Essas tentativas de submissão são válidas tanto
para homens como para mulheres – pois também há mulheres imensamente
dominadoras, que se escudam numa capa
“soft” de eterno feminino para melhor dominar.
Voltando ao início: a mulher conseguiu, seguramente, muitas coisas na nossa
sociedade. Mas, do ponto de vista cultural, ainda é olhada de lado se decide não
ter par. Já o homem, par ou ímpar, continua a manter bom status. Ainda
consideramos que a mulher jamais pode ser alguém sem um homem porque o papel
primordial da mulher é “ser mulher de alguém” e o do homem é ser ele
próprio.