... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 25, 2013

Miúdos Felizes Comem Doces e Brincam Mais

Grande descoberta, não é? A sério, a UNICEF publicou um estudo sobre o bem-estar infantil em 29 países do mundo industrializado. Faltam dados, mas o estudo tem a qualidade de tentar auferir a sensação de conforto infantil de forma sensivelmente abrangente. Portugal ocupa o 15º lugar, numa tabela em que a Holanda ficou em 1º. Isto motivou vários estudos decorrentes sobre porque são os meninos holandeses “os mais felizes do mundo” – a premissa não é inteiramente correta, porque ainda não se inventou um método para medir a felicidade per si. De qualquer forma, é interessante tentar perceber a razão e sobre isso mesmo andei a ler.

A primeira correlação interessante é que as mães destas crianças também estão de bem com a vida. As holandesas são as que menos sofrem de depressão. Existe um livro da psicóloga Ellen de Bruin que explica porquê. De Bruin diz que a holandesa nunca está preocupada com o glamour, veste conforme o clima e as tarefas que vai executar e não se preocupa com a sedução porque tem prioridades diferentes; de igual forma, foi educada para ser direta e não “fazer fretes” a outrem; é-lhe impensável ter uma posição submissa relativamente ao homem; preza, acima de tudo, a sua liberdade individual. A juntar a este estado de espírito, as holandesas têm enormes vantagens para assumir uma maternidade confortável: a maioria das mães trabalha em part-time para se poder dedicar à família e, como se isso não fosse suficiente, os holandeses são também os pais que mais trabalham em part-time. Claro que este sistema só pode funcionar porque tem por base uma mentalidade cultural predisposta a tal e um Governo que apoia o conceito de família. De facto, e segundo li no Telegraaf, há 11 benefícios estaduais de que um progenitor pode beneficiar para um filho menor (escuso-me de comparações com Portugal).

Claro que há muito mais a influenciar o estado de espírito de uma criança. Por exemplo, a vida escolar. A atitude holandesa relativamente à escola é muito descontraída. Não há pressão para ser o melhor aluno da turma. Não há trabalhos de casa: na escola trabalha-se mas em casa brinca-se. Valoriza-se o tempo de lazer, dando-lhe a importância que realmente tem. Aos 12 anos, os meninos fazem uma espécie de testes de Q.I. que indicam (sem determinar) o tipo de Escola Secundária para onde vão – porque nem todos temos de ser doutores. Também não existe a febre de colocar os meninos na vela, no piano e na patinagem para os ter exaustos até às 7 da noite e depois na cama às 8.

Não menos importante para a felicidade é que os miúdos holandeses comem como miúdos. Comem batatas fritas com maionese, vendidas na rua. Comem chocolate de barrar no pão, sendo isso pequeno-almoço comum. Comem sanduíches e bolachas. Precisamente por isso ser normal e não proibido, não se atiram como malucos à mesa da comida quando vão a uma festa e os pais não estão lá para ver. A descontração na gulodice faz toda a diferença para se olhar para a comida de forma natural.

Last but not least, os miúdos são tidos em conta. A sua opinião é escutada em vez de se sentirem minimizados pelo tamanho a terem de ser uma cópia fiel das ideias dos pais (irritam-me os pais que querem um clone em vez de fomentarem um ser humano autónomo). Naturalmente, isto é reflexo da tal mentalidade de livre escolha que lhes é dada por quem os educa.

Receita para fazer uma criança feliz? Ela o dirá, um dia mais tarde, se foi ou não. Mas, certamente, há aqui aspetos a ter em conta... 

Friday, October 11, 2013

Drs. e Engenheiros

O Expresso publicou um artigo onde aborda o problema da indisciplina no Ensino Superior. Há quase 13 anos que leciono em Universidades e a primeira coisa que me ocorre é: porque é que não se fala disto? É verdade que nunca ensinei nos outros níveis de ensino, mas custa-me que se debata tanto a indisciplina no Básico e Secundário e se remeta o Superior ao silêncio, como se os nossos alunos sofressem uma metamorfose ao entrar na Universidade, que os deixa subitamente maturos e plenos de curiosidade intelectual.

Parece-me que, em Portugal, este fenómeno tem vindo a agravar-se muito. Claro que, neste país, o agravamento da indisciplina no Superior tem também a ver com a extensão deste ensino a toda a gente – sofrendo aqui o risco de me acusarem de pouco democrática… Mas não é isso. O Superior não deve pertencer a uma elite económica; mas devia pertencer a uma elite intelectual. Atualmente, não pertence e as consequências são e serão notórias. Além disso, o próprio Superior sofreu um descrédito – como todo o ensino, mas mais grave. De tanto querer ser acessível, baixou a sua fasquia em termos de conhecimentos. Ora, o perigo de baixarmos fasquias é que temos de as baixar em todas as áreas. Um indivíduo que já não tem de se esforçar para entrar e sair da Universidade nem acredita nessa instituição vai comportar-se de forma mais relaxada ou menos correta (conforme as personalidades). A este propósito, repare-se no comportamento dos estudantes de determinados países versus o dos estudantes portugueses em sala de aula – a Universidade não é mais do que o reflexo do Portugal de hoje.

É comum dizer-se que os alunos não chegam preparados para o Superior. Mas é verdade. Faltam conhecimentos básicos mas falta, sobretudo, curiosidade. Uma boa dose de curiosidade intelectual pode bem suprir uma educação deficitária, pelo que não se pode inteiramente culpar a lecionação anterior. Nos estudantes, há a ideia geral de que “não vale a pena”. É a sensação geral do País: falta de entusiasmo e deixa andar, já que vai tudo cair.

 Além disso, a indisciplina não são só os telemóveis a tocar e os tablets como loucos – são indisciplina, sim, mas são também uma consequência das solicitações do mundo atual e de alguma falta de organização e planeamento (inclusive de quem faz as aulas e que devia também apelar nelas aos benefícios da tecnologia mas também ser rigoroso quanto aos seus limites). A indisciplina é bem mais básica. É o não deixar o colega acabar de falar com o professor para saltar em cima com a sua opinião, é achar que insultos são normais, é fazer manicure na sala de aula, é ter a ideia de que as tarefas de investigação têm de ser todas agradáveis e divertidas, nem que fossem passatempos.

No entanto, o que me parece gritante é a falta de autonomia dos alunos em geral. Há uma grande dependência de pensamento – raros são os alunos que não ficam nervosos quando há questões que pedem a sua opinião e todos preferem testes americanos “de cruzinhas” aos testes com questões relacionáveis e com expressão de ideias. O aluno do Ensino Superior esquece-se que tem de ser, antes do mais, um constante exercício do seu próprio pensamento. Tem medo de pensar mas rebela-se na postura de menino mimado. É o perfeito súbdito da ditadura e não dá por isso.


Mas o artigo é curto e o assunto grande. Para resumir, diria que teríamos de perguntar aos alunos o seguinte, antes de ingressarem: ”Quer mesmo ir para a Universidade?” pois esta reflexão podia acabar com o ar aborrecido de quem está no Superior como se fosse obrigatório… Não temos todos de ser drs, nem somos todos iguais. Os docentes, já agora, também não são todos iguais (fica para a próxima!).