... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 22, 2013

Portugal na Teoria das Dimensões Culturais

Ao leccionar uma aula sobre a Teoria das Dimensões Culturais, lembrei-me de fazer como exercício a classificação de Portugal nesta teoria segundo os alunos.

A Teoria é um esquema pensado por Geert Hofstede, um dos grandes nomes a ter em conta quanto ao estudo das diferenças culturais entre povos. Nela, Hofstede propõe cinco variáveis distintas que definiriam o posicionamento de uma cultura: distância hierárquica, individualismo versus colectivismo, masculinidade versus feminilidade, evitar da incerteza e orientações a longo prazo versus a curto prazo. Claro que o esquema tem várias limitações. Ainda assim, é bastante revelador do posicionamento cultural dos povos. A comparação com países que obtêm valores distintos ajuda à definição obtida.

Portugal tem um valor acima da média no que diz respeito à distância hierárquica. É usualmente aceite que os que detêm posições mais elevadas na sociedade detêm também mais direitos. Da mesma forma, um subordinado espera que o seu superior hierárquico seja controlador e formal. O elevado grau de burocracia e de morosidade são típicos de sociedades altamente hierarquizadas. Por comparação, os EUA organizam-se em premissas de “freedom and justice for all” e, de uma forma geral, os chefes mostram-se disponíveis para conversas descontraídas com os subalternos. Os “degraus” sociais escalam-se com facilidade, em sentido ascendente e descendente. Em Portugal, os self-made man são raros…

Em relação à segunda premissa, que diz respeito ao facto de uma sociedade ser mais independente e livre ou, pelo contrário, funcionar em termos do bem comum, exigindo lealdade dos seus membros, Portugal demonstra ser o mais colectivista dos países europeus. Deste modo, a família extensa assume mais importância do que o indivíduo, a moral social mais valor do que o pensamento pessoal e as próprias empresas acabam por exigir amor à camisola. Portugal acredita na responsabilidade comum e dá pouca margem para a diferença.

Necessário é explicar que Hofstede entendia por sociedade masculinizada a sociedade competitiva e aguerrida, ao passo que a feminilizada tinha por objectivos a qualidade de vida e a cooperação. Não sendo dos países mais femininos (a Dinamarca é um exemplo desses), Portugal é porém um país que não aprecia a competitividade extrema e acredita na flexibilidade de negociação.

Evitar a incerteza é uma variável que lida com a insegurança frente ao desconhecido, ou seja, aquele sentimento de desconforto que algumas culturas sentem frente à ansiedade perante o futuro ou tudo o que seja um risco ao status quo. Devo dizer que Portugal rebenta com a escala. Isto significa que qualquer fuga ao estabelecido é mal vista, que existe um código rígido de condutas sociais e morais e que as pessoas são altamente intolerantes com qualquer ideia pouco ortodoxa. Inovação? Nem pensar.

Quanto à última questão, os portugueses têm um coeficiente que demonstra serem orientados a curto prazo, ou seja, gostam de manter as aparências e as normativas, o que os aproxima das sociedades do Médio Oriente.


Estas são as conclusões actuais da equipa do Centro Hofstede sobre Portugal – a título de curiosidade não são iguais às dos meus alunos… Mas quem é bom avaliador de si próprio? 

Friday, November 8, 2013

Cursos


Uma das coisas que verdadeiramente me assusta no mundo actual é a espantosa e lamentável tendência dos seres humanos para deixarem de escutar os seus instintos e quererem, a todo o custo, desaprender a sua Humanidade.

Exemplificando com assuntos do foro mais comum: a gravidez e o parto. Hoje em dia, a esmagadora maioria das grávidas frequenta cursos de preparação para o parto que as ensinam a dar à luz os filhos. Corrijam-me se estou enganada, mas as mulheres têm filhos desde o início dos tempos da vida humana. Além disso, dadas as condições sociais e os avanços da medicina, provavelmente nunca foi tão seguro nem tão fácil ter filhos como hoje (do ponto de vista da mecânica do parto em si, claro!) Porém, apesar disso, é precisamente nos dias de hoje que as mulheres decidem ir aprender como dar à luz, como se dar à luz não fosse um acto biologicamente natural mas antes uma coisa tão invulgar e recente que fosse mesmo necessário um curso para aprender a fazer a coisa. É, realmente, fantástico que a Humanidade tenha sobrevivido milénios sem cursos de “inspire, expire, aperte a mão do seu marido, faça força”.

Esta minha crítica social não é a quem dá os cursos. A esses, dou-lhes os parabéns pela iniciativa empresarial que tem aproveitado muito bem os tristes ideais deste século. É mesmo a quem decide ir aprender instintos, como se não os tivesse de forma inata.

Sabendo desta minha postura, há mulheres que me respondem que a função dos cursos pré-parto é fornecer à grávida contacto social com outras grávidas. Ah, bom, mas então falamos de uma espécie de ATL para futuras mamãs e nunca de um “curso de preparação”. Entendamo-nos.

Outro curso fabuloso é o da amamentação. Sim, há cursos de amamentação. Aliás, procurem na vossa freguesia ou na net e até encontrarão “cursos de aleitamento para profissionais”. Estes últimos fizeram-me uma certa confusão, já que fiquei a pensar se nisto do aleitamento haveria as profissionais e as amadoras e, enfim, o que distinguiria exactamente uma da outra! Mas afinal não, os cursos para profissionais destinam-se a assistentes sociais e técnicos de saúde que pretendam ajudar as mamãs na tarefa da amamentação. Deus nos valha! Mas alguém necessita de um assistente social a dizer “mude de mama agora que essa já está cansada”? Quanto de voyeurismo e de infiltração do Estado não haverá aqui nas vidas de cada um – desde o berço, sublinhe-se…

Com tanto desvalorizar dos instintos humanos, ainda bem que ninguém até agora se lembrou de fazer cursos sobre a produção de crianças. Estamos seriamente sujeitos a tal. Há algo mais levezinho (mas que não se compara) que são os cursos de preparação para o matrimónio – não consta que quem os tire se divorcie menos do que os que não têm o certificado…


Resta-me dizer que não tenho certificado nenhum. Portanto eu, tal como todas as gerações que vieram antes da minha e os milhões de mulheres que vivem hoje em países onde estes cursos não existem ou não são moda, não estamos preparadas para a vida. Falta-nos o papelinho que diz que pagámos dinheiro para aprender a ser humanas.