Uma das coisas que verdadeiramente me assusta no mundo actual
é a espantosa e lamentável tendência dos seres humanos para deixarem de escutar
os seus instintos e quererem, a todo o custo, desaprender a sua Humanidade.
Exemplificando com assuntos do foro mais comum: a gravidez e
o parto. Hoje em dia, a esmagadora maioria das grávidas frequenta cursos de
preparação para o parto que as ensinam a dar à luz os filhos. Corrijam-me se
estou enganada, mas as mulheres têm filhos desde o início dos tempos da vida
humana. Além disso, dadas as condições sociais e os avanços da medicina,
provavelmente nunca foi tão seguro nem tão fácil ter filhos como hoje (do ponto
de vista da mecânica do parto em si, claro!) Porém, apesar disso, é precisamente
nos dias de hoje que as mulheres decidem ir aprender como dar à luz, como se
dar à luz não fosse um acto biologicamente natural mas antes uma coisa tão
invulgar e recente que fosse mesmo necessário um curso para aprender a fazer a
coisa. É, realmente, fantástico que a Humanidade tenha sobrevivido milénios sem
cursos de “inspire, expire, aperte a mão do seu marido, faça força”.
Esta minha crítica social não é a quem dá os cursos. A esses,
dou-lhes os parabéns pela iniciativa empresarial que tem aproveitado muito bem os
tristes ideais deste século. É mesmo a quem decide ir aprender instintos, como
se não os tivesse de forma inata.
Sabendo desta minha postura, há mulheres que me respondem que
a função dos cursos pré-parto é fornecer à grávida contacto social com outras
grávidas. Ah, bom, mas então falamos de uma espécie de ATL para futuras mamãs e
nunca de um “curso de preparação”. Entendamo-nos.
Outro curso fabuloso é o da amamentação. Sim, há cursos de
amamentação. Aliás, procurem na vossa freguesia ou na net e até encontrarão
“cursos de aleitamento para profissionais”. Estes últimos fizeram-me uma certa
confusão, já que fiquei a pensar se nisto do aleitamento haveria as
profissionais e as amadoras e, enfim, o que distinguiria exactamente uma da outra!
Mas afinal não, os cursos para profissionais destinam-se a assistentes sociais
e técnicos de saúde que pretendam ajudar as mamãs na tarefa da amamentação.
Deus nos valha! Mas alguém necessita de um assistente social a dizer “mude de
mama agora que essa já está cansada”? Quanto de voyeurismo e de infiltração do
Estado não haverá aqui nas vidas de cada um – desde o berço, sublinhe-se…
Com tanto desvalorizar dos instintos humanos, ainda bem que
ninguém até agora se lembrou de fazer cursos sobre a produção de crianças.
Estamos seriamente sujeitos a tal. Há algo mais levezinho (mas que não se
compara) que são os cursos de preparação para o matrimónio – não consta que
quem os tire se divorcie menos do que os que não têm o certificado…
Resta-me dizer que não tenho certificado nenhum. Portanto eu,
tal como todas as gerações que vieram antes da minha e os milhões de mulheres
que vivem hoje em países onde estes cursos não existem ou não são moda, não
estamos preparadas para a vida. Falta-nos o papelinho que diz que pagámos
dinheiro para aprender a ser humanas.