... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, March 28, 2014

Aqui como no Paraíso

Vejo comentários no Facebook – veículo sem fundamento, é certo - sobre a miséria moral que é viver em países onde as mulheres e crianças não têm direitos que lhes dêem equivalência a seres humanos. A minha questão não é contradizer se em tais locais o azar de ser cronologicamente jovem ou geneticamente feminino reduz as pessoas à condição de escravo – não sei porque nunca lá fui, e a minha opinião será apenas uma opinião. A minha principal questão é saber empiricamente das misérias que no mundo dito civilizado se passam e às quais se fecha os olhos, por ser mais fácil.

Já que hoje tanto se valoriza a internet, vejam igualmente páginas que revelam situações escabrosas no mundo ocidental (não é preciso ser adepto das Wikileaks). Por exemplo, a 22 de Março do corrente o Senador de Massachussets Richard Ross fez uma proposta de lei que, na verdade, não é ideia sua mas de um cidadão comum (é preciso explicar que todo o cidadão ali pode fazer propostas de lei desde que através do seu Senador). A proposta diz que todos aqueles em processo de divórcio e que têm custódia das suas crianças devem obter a permissão de um juiz para terem relações sexuais com terceiros. Giro, não é? Mais giro ainda se pensarmos como raio hão-de os juízes efectivamente verificar se isto foi cumprido ou não.
Pegando no tema, o Juiz Tood Baugh de Montana tinha entre mãos o caso de uma menina de 14 anos que fora violada por um “homem” de 54. A menina cometeu suicídio na sequência do trauma. O juiz considerou ser óbvio que a menina “era mais velha do que a sua idade cronológica, razão pela qual condeno[u] o réu num mês de prisão.”

Outra menina de 14 em Massachussets teve o azar de engravidar ao ser violada. O Tribunal deu ao violador os mesmos direitos parentais que à mãe, pelo que durante 16 anos “partilham” a filha decorrente da violação. Não se teve em conta que a ainda criança de 14 anos tem de se encontrar com o violador frequentemente à conta disto e que o bebé pode sofrer igual sorte. O que se teve em conta é que “a criança é propriedade biológica de X”. 

Aqui, reside tudo. O direito de propriedade. Nos tempos antigos, cada homem livre (não o eram todos, só os privilegiados!) tinha terras, posses, escravos, filhos – este rol era um rol de propriedade. Ainda hoje, o direito de propriedade existe para um pequeno grupo da população. Não existe para aquela cabo-verdiana de Sintra que foi obrigada a entregar os filhos a uma instituição já que não laqueou as trompas por “conselho” da Assistência Social; não para aquela portuguesa do Alentejo cuja filha lhe foi retirada porque não queria ver o pai e o Tribunal assumiu que a culpa era da mãe e não das atitudes do pai relativamente à menina (depois voltaram atrás mas não vi o Tribunal ser responsabilizado até agora); não para aquela portuguesa de Lisboa que foi também forçada a entregar um bebé para adopção porque não tinha trabalho e o pai da criança alegava não poder pagar pensão. Não há direitos de propriedade para quem também é propriedade  - pois na nossa lei subsiste a aura de  um chefe de família, e o resto são coisas adquiridas. Ora, de coisas não há história. A propriedade não se manifesta nem tem voz audível. Quando fala, é desvalorizada porque “não tem consciência do que diz"  - as crianças são só crianças e não se lhes dá crédito, a não ser que dê jeito parecerem cronologicamente mais velhas, e as mulheres são doentes, pois já Freud dizia que só uma mulher sofria dos nervos.


O problema, na prática calculista e fria, é este: Portugal é signatário das Declarações dos Direitos Humanos, dos Direitos da Criança, e de dezenas de Convenções Internacionais que proibem estes jogos de “propriedade”. O que resulta, depois, no pagamento de umas avultadas somas por parte do país por ter violado o que assinou. O dinheiro que Portugal perde para a Europa por violar os direitos humanos é absurdo e cresce exponencialmente. Fossem evitados os casos em que vem um Tribunal Internacional pedir contas a Portugal não deixando a culpa morrer solteira, e Passos Coelho já não precisava de ir buscar tanto dinheiro aos impostos - com isto se prova que este problema é um problema de todos e não só das famílias que, como dizia Quino, não têm chefes porque são uma cooperativa. 

Saturday, March 15, 2014

O Sabor do Dinheiro


Stephen Lea, professor de Psicologia na Universidade de Exeter, lembrou-se em 2006 que a premissa social de que o dinheiro é simples moeda de troca não fazia sentido por várias razões – o dinheiro é um fim e não um meio (o que contradiz a própria premissa); cega as pessoas a interesses de outra ordem; e, sobretudo, a aura do dinheiro é bem maior do que o seu real valor.

Baseado em experiências nas quais pedia a indivíduos que se pendurassem durante o maior tempo possível em barras de ferro, Lea concluiu que as pessoas se deixavam cair mais depressa quando recebiam encorajamento mas se esforçavam mais tempo se a recompensa fosse dinheiro. E daí facilmente pôde verificar que os centros nervosos que se “acendem” no cérebro quando a questão é dinheiro são os mesmos centros de recompensa que ficam alerta quando as pessoas recebem substâncias consideradas viciantes. Outras experiências confirmaram isto: o café, o chocolate, as drogas ilegais (mutatis mutandis, claro) causam um certo “high”... em nada diferente daquele que causa o dinheiro.

Como em todas as drogas, o reverso da medalha é dolorosamente cruel. Raro é o ser humano que controla o dinheiro mas vice-versa é bastante comum. Ou seja, para controlar o dinheiro é preciso não estar viciado nele. Ao contrário do que se possa pensar, não são pois os mais ricos que se controlam neste aspecto (de facto, esses estão viciadíssimos e começam a cometer loucuras para alcançar mais e mais) mas sim os que têm dinheiro suficiente para as necessidades básicas. Mais do que essa quantia não torna ninguém mais alegre.

De facto, um dos problemas das pessoas mais abastadas é descobrirem que não é o Mercedes que dá felicidade;  é a estrada. As maiores satisfações da vida – e aqui voltámos às “luzinhas” dos tais centros de recompensa – advém de experiências e não de posses. É por aquilo que decidem ou não fazer que as pessoas se definem e é por essas oportunidades que se sentem mais realizadas. Ou seja, em termos puramente materiais: dá-se mais uso às hormonas da felicidade numa hora de karting do que por comprar um carro topo de gama. É simples de explicar – a adrenalina de uma situação compensa-nos bem mais do que um objecto.

No entanto, há que considerar um aspecto importante. Como em tudo, é o cérebro que comanda; logo, o Mercedes não traz felicidade mas a ideia de ter um Mercedes é bem capaz de trazer. Quer isto dizer que embora a posse não contribua para a nossa satisfação, os conceitos que temos acerca das coisas possuídas são – tal como o conceito do dinheiro – bem maiores do que o seu valor real e é essa sobre-estimação que nos dá prazer (embora relativo). O Mercedes em si não me completa; mas as associações do carro com rapidez, status, elegância e outros conceitos fazem-me tê-lo em conta. Como se vê, tudo coisas extra – e não raro anteriores! – ao acto de posse. Parafraseando um velho amigo: “O melhor do amor está no subir da escada.”

Curiosamente, o valor que ao dinheiro se dá também acaba por nos retirar o prazer que temos noutras coisas. Estudos mais recentes resultaram na demonstração de que as pessoas mais abastadas não tinham tanto gozo na comida e restantes prazeres sensoriais como os “remediados”. A explicação parece residir na adaptação tão profunda a um estilo de vida economicamente mais folgado que acabam por não ser sensitivas aos gozos mais instintivos, i.e. os de toda a gente. O dinheiro torna as pessoas “snobs” mesmo ao nível dos prazeres.


Então, para melhor saborear a vida, livre-se da demasiada importância dada ao dinheiro. Isto só é possível, claro, se tiver o suficiente para cobrir as suas necessidades. Afinal, não são apenas indivíduos que estão viciados no dinheiro – é toda uma sociedade. Eu mesma não sei se escapei ao vício, já que dei por mim a pensar o quão desagradável seria se alguém do Ministério das Finanças lesse, por acaso, este artigo e fizesse dele uso pedagógico.