... "And now for something completely different" Monty Python

Saturday, March 15, 2014

O Sabor do Dinheiro


Stephen Lea, professor de Psicologia na Universidade de Exeter, lembrou-se em 2006 que a premissa social de que o dinheiro é simples moeda de troca não fazia sentido por várias razões – o dinheiro é um fim e não um meio (o que contradiz a própria premissa); cega as pessoas a interesses de outra ordem; e, sobretudo, a aura do dinheiro é bem maior do que o seu real valor.

Baseado em experiências nas quais pedia a indivíduos que se pendurassem durante o maior tempo possível em barras de ferro, Lea concluiu que as pessoas se deixavam cair mais depressa quando recebiam encorajamento mas se esforçavam mais tempo se a recompensa fosse dinheiro. E daí facilmente pôde verificar que os centros nervosos que se “acendem” no cérebro quando a questão é dinheiro são os mesmos centros de recompensa que ficam alerta quando as pessoas recebem substâncias consideradas viciantes. Outras experiências confirmaram isto: o café, o chocolate, as drogas ilegais (mutatis mutandis, claro) causam um certo “high”... em nada diferente daquele que causa o dinheiro.

Como em todas as drogas, o reverso da medalha é dolorosamente cruel. Raro é o ser humano que controla o dinheiro mas vice-versa é bastante comum. Ou seja, para controlar o dinheiro é preciso não estar viciado nele. Ao contrário do que se possa pensar, não são pois os mais ricos que se controlam neste aspecto (de facto, esses estão viciadíssimos e começam a cometer loucuras para alcançar mais e mais) mas sim os que têm dinheiro suficiente para as necessidades básicas. Mais do que essa quantia não torna ninguém mais alegre.

De facto, um dos problemas das pessoas mais abastadas é descobrirem que não é o Mercedes que dá felicidade;  é a estrada. As maiores satisfações da vida – e aqui voltámos às “luzinhas” dos tais centros de recompensa – advém de experiências e não de posses. É por aquilo que decidem ou não fazer que as pessoas se definem e é por essas oportunidades que se sentem mais realizadas. Ou seja, em termos puramente materiais: dá-se mais uso às hormonas da felicidade numa hora de karting do que por comprar um carro topo de gama. É simples de explicar – a adrenalina de uma situação compensa-nos bem mais do que um objecto.

No entanto, há que considerar um aspecto importante. Como em tudo, é o cérebro que comanda; logo, o Mercedes não traz felicidade mas a ideia de ter um Mercedes é bem capaz de trazer. Quer isto dizer que embora a posse não contribua para a nossa satisfação, os conceitos que temos acerca das coisas possuídas são – tal como o conceito do dinheiro – bem maiores do que o seu valor real e é essa sobre-estimação que nos dá prazer (embora relativo). O Mercedes em si não me completa; mas as associações do carro com rapidez, status, elegância e outros conceitos fazem-me tê-lo em conta. Como se vê, tudo coisas extra – e não raro anteriores! – ao acto de posse. Parafraseando um velho amigo: “O melhor do amor está no subir da escada.”

Curiosamente, o valor que ao dinheiro se dá também acaba por nos retirar o prazer que temos noutras coisas. Estudos mais recentes resultaram na demonstração de que as pessoas mais abastadas não tinham tanto gozo na comida e restantes prazeres sensoriais como os “remediados”. A explicação parece residir na adaptação tão profunda a um estilo de vida economicamente mais folgado que acabam por não ser sensitivas aos gozos mais instintivos, i.e. os de toda a gente. O dinheiro torna as pessoas “snobs” mesmo ao nível dos prazeres.


Então, para melhor saborear a vida, livre-se da demasiada importância dada ao dinheiro. Isto só é possível, claro, se tiver o suficiente para cobrir as suas necessidades. Afinal, não são apenas indivíduos que estão viciados no dinheiro – é toda uma sociedade. Eu mesma não sei se escapei ao vício, já que dei por mim a pensar o quão desagradável seria se alguém do Ministério das Finanças lesse, por acaso, este artigo e fizesse dele uso pedagógico.