... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 20, 2014

"O país insustentável"


Nas jornadas parlamentares do PSD em Março foi dado o alerta que Portugal estava em risco “super vermelho” no que à natalidade dizia respeito. Assim disse Joaquim Azevedo, professor da Universidade Católica do Porto e coordenador do grupo de trabalho para a natalidade em Portugal. Disso não se fez lá grande notícia, apesar do professor ter salientado que, a continuar nesta tendência, Portugal terá sete milhões de habitantes antes do fim do século. Como razões, apresentou não só a fuga da população activa mas o facto das mulheres em idade fértil serem socialmente prejudicadas por questões ideológicas no Portugal de hoje, vide o trabalho e a jurisdição. Ninguém prestou lá grande atenção. O presente é tão duro que do futuro se há-de tratar a seu tempo.

Mas, quando anteontem, o mesmo professor deu uma entrevista à Antena 1 e disse que havia várias empresas em Portugal que obrigavam as mulheres em idade fértil a assinarem declarações em como não engravidariam durante 5 anos levantou-se um burburinho.

Logo vieram os teóricos do costume afirmar que tais declarações não possuem valor jurídico e, como tal, batatas. Isso é irrelevante. O relevante é que as empresas cometem uma ilegalidade e não são punidas. Além disso, em tempos de crise económica, as pessoas a muito se prestam no trabalho, desde condições desumanas a regulamentos ilegais, para conservarem o emprego. É aproveitando-se desse facto que tais cláusulas aparecem e são assinadas. É também sabendo que não há dinheiro para ir a Tribunal que depois as empresas se dão ao luxo de despedir funcionárias caso elas engravidem mesmo – pois todos sabemos que não há método que funcione 100% excepto a castidade...

Aparte a ilegalidade, há dois factos importantes. 
Primeiro, nem o Estado nem os privados têm o direito de imiscuir-se nas decisões pessoais de cada um, mormente no “ter filhos”. Isto vem sendo moda (veja-se o caso da senhora a quem foram retirados os filhos porque recusou o conselho do Tribunal de fazer uma laqueação de trompas...). Soa tão bizarro como se tivessemos voltado aos tempos da Inquisição. É, pois, uma questão de Direitos Humanos fundamentais. Segundo, há aqui uma questão de desigualdade premente. A lei em Portugal estima que, em caso de divórcio, os homens e as mulheres têm direito aos filhos em parte igual – é uma lei salomónica: filhos, propriedade e dívidas a 50%. Ora, assim sendo, muito me espanta que sejam só as mulheres a ter de assinar um papel que diga que não podem ter filhos! Afinal, está instituído por lei que tanto os homens como as mulheres “sempre tratam” dos filhos em partes iguais... Portanto, seria lógico que os homens também assinassem um papel a dizer que não vão ter filhos, já que, do ponto de vista jurídico, se assume que os pais gozam de licença de paternidade, têm direito a dias para tirar quando os filhos estão doentes e põem a sua carreira em segundo plano para tratar dos filhos tanto quanto as mães. Todos sabemos que assim é, não é verdade? Pois.

Aliás, a última moda é dizer “Nós engravidámos” em vez de “eu engravidei”. Muito criticada é a mulher que diz “eu engravidei” porque isso destitui e empobrece o papel do homem. A este propósito, leiam as críticas feitas à actriz Mila Kunis (“O Cisne Negro”) por ela ter dito que incluir o homem na gravidez era ridículo e irreal, equivalente a dizer que as mulheres sabiam o que era ter próstata.

Porém, não assumam que são os homens os primeiros críticos das mulheres-mães que trabalham. De facto, do que me é dado ver, mulheres cuja maternidade foi mal conseguida ou é inexistente são as primeiras a criticar as mães que trabalham e que lá por isso não deixam de ser Mães.

Para efectuar um bom trabalho, não é preciso ser um tipo gelado e férreo, à laia de Angela Merkel (sei que não é mãe e creio que foi uma óptima opção, a propósito! Antes isso do que sê-lo por convicção burguesa). Para ser mãe, também não é preciso e nem é desejável que esse seja o único interesse da nossa vida. De facto, basta apenas que seja o mais importante.


Friday, June 6, 2014

Engenharia

Certo empresário português disse recentemente que Portugal acreditara que a “educação para todos” era a receita para o País ser informado e civilizado lato sensu; mas, 40 anos depois, verifica-se que hoje todos são licenciados e continuam sem instrução [sic].

Não sei se isto é verdade (até porque tenho menos de 40 anos e não sei o que sejam “passagens administrativas”) mas uma coisa sei eu, por experiência: os erros de Engenharia e os de Educação pagam-se muito caros e ambos pela mesma razão. É que depois de estarem construídos os edifícios, sejam eles materiais ou humanos, é muito mais difícil descontrui-los até aos alicerces para os refazer do que tê-los feito bem da primeira vez... Além disso, subsistirão sempre erros da primeira construção.

Penso que foi Martinho Lutero quem disse “Dêem-me uma criança antes dos 7 anos de idade e eu dir-vos-ei em que homem o torno”. Há nisto muito de verdadeiro. A educação fulcral do “caroço” de um ser humano é bastante prematura. Quando inicia a escola, não só o carácter do indivíduo está bem marcado como a sua personalidade já teve tempo para ser moldada por acontecimentos que fizeram o barro tomar forma. Além disso, cognitivamente, de modo formal ou informal, já foram exploradas muitas coisas. Na escola, toda essa matéria pode ser bem ou mal guiada... Mas o que é difícil é esperar que o ensino superior realize um milagre quando recebe indivíduos já adultos – ou seja, a Universidade pode e deve abrir horizontes, fomentar curiosidade e conhecimentos; mas não vai “transformar” diametralmente um indivíduo se a apetência inata deste para a vida intelectual for quase nula.

Com isto não quero dizer que a educação (no sentido de instrução) não leva ninguém a lado nenhum – uma conversa fácil com o fantasma do desemprego que a todos assusta. A instrução não é garantia de nada, hoje em dia, é certo; mas leva-nos sempre mais longe do que a sua ausência.

Tive esta conversa quando fui assistir à palestra do Ex-Presidente dos E.U.A., Bill Clinton, na Universidade onde lecciono. Fiquei surpreendida por ouvir falar Clinton com tanta percepção e agudeza de espírito sobre vários países, tanto sincrónica como diacronicamente. A inteligência cultural, essa sim, cultiva-se. Do que ouvi, fez eco em mim a questão da Identidade, questão que sempre me interessa, pois sou – como dizia Petar Petrov noutra conferência recente sobre quem vive noutra cultura – “um ser humano traduzido”.

Entre outros, Clinton falou do Human Genome Project (projecto científico internacional que originalmente nasceu para determinar a sequência base do ADN humano). O estudo chegou à conclusão que o “genoma” de cada humano é único... mas 99.5 % do que faz um humano é igual. Logo, o que nos diferencia uns dos outros do ponto de vista biológico é apenas 0.5%. Porém, os nossos cérebros estão eternamente preocupados com aquela pequena parte que nos diferencia. E a razão é simples: a busca humana é sempre pela sua identidade.

A luta por uma identidade, seja pessoal, nacional, cultural, nunca é fácil. A própria expansão de uma identidade é um desafio. É motivo de orgulho quando tudo corre bem e é sempre conflituosa quando esbarra com dificuldades - veja-se o caso da ideia de Europa como um todo único, exemplo perfeito para definir o “mundo inter-dependente” em que vivemos e cujo segredo do equilíbrio está em definirmos os termos dessa inter-dependência.

Como disse Clinton, “A identidade é o que nos define. Só há uma coisa mais importante do que a nossa identidade: é a nossa humanidade comum.”

Imagino que devem estar a interrogar-se sobre o título desta crónica versus o conteúdo. Para isso, também tenho uma frase de Clinton: “É preciso muito cuidado com os news headlines nesta era da informação. Às vezes não correspondem nada à realidade...”