... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 6, 2014

Engenharia

Certo empresário português disse recentemente que Portugal acreditara que a “educação para todos” era a receita para o País ser informado e civilizado lato sensu; mas, 40 anos depois, verifica-se que hoje todos são licenciados e continuam sem instrução [sic].

Não sei se isto é verdade (até porque tenho menos de 40 anos e não sei o que sejam “passagens administrativas”) mas uma coisa sei eu, por experiência: os erros de Engenharia e os de Educação pagam-se muito caros e ambos pela mesma razão. É que depois de estarem construídos os edifícios, sejam eles materiais ou humanos, é muito mais difícil descontrui-los até aos alicerces para os refazer do que tê-los feito bem da primeira vez... Além disso, subsistirão sempre erros da primeira construção.

Penso que foi Martinho Lutero quem disse “Dêem-me uma criança antes dos 7 anos de idade e eu dir-vos-ei em que homem o torno”. Há nisto muito de verdadeiro. A educação fulcral do “caroço” de um ser humano é bastante prematura. Quando inicia a escola, não só o carácter do indivíduo está bem marcado como a sua personalidade já teve tempo para ser moldada por acontecimentos que fizeram o barro tomar forma. Além disso, cognitivamente, de modo formal ou informal, já foram exploradas muitas coisas. Na escola, toda essa matéria pode ser bem ou mal guiada... Mas o que é difícil é esperar que o ensino superior realize um milagre quando recebe indivíduos já adultos – ou seja, a Universidade pode e deve abrir horizontes, fomentar curiosidade e conhecimentos; mas não vai “transformar” diametralmente um indivíduo se a apetência inata deste para a vida intelectual for quase nula.

Com isto não quero dizer que a educação (no sentido de instrução) não leva ninguém a lado nenhum – uma conversa fácil com o fantasma do desemprego que a todos assusta. A instrução não é garantia de nada, hoje em dia, é certo; mas leva-nos sempre mais longe do que a sua ausência.

Tive esta conversa quando fui assistir à palestra do Ex-Presidente dos E.U.A., Bill Clinton, na Universidade onde lecciono. Fiquei surpreendida por ouvir falar Clinton com tanta percepção e agudeza de espírito sobre vários países, tanto sincrónica como diacronicamente. A inteligência cultural, essa sim, cultiva-se. Do que ouvi, fez eco em mim a questão da Identidade, questão que sempre me interessa, pois sou – como dizia Petar Petrov noutra conferência recente sobre quem vive noutra cultura – “um ser humano traduzido”.

Entre outros, Clinton falou do Human Genome Project (projecto científico internacional que originalmente nasceu para determinar a sequência base do ADN humano). O estudo chegou à conclusão que o “genoma” de cada humano é único... mas 99.5 % do que faz um humano é igual. Logo, o que nos diferencia uns dos outros do ponto de vista biológico é apenas 0.5%. Porém, os nossos cérebros estão eternamente preocupados com aquela pequena parte que nos diferencia. E a razão é simples: a busca humana é sempre pela sua identidade.

A luta por uma identidade, seja pessoal, nacional, cultural, nunca é fácil. A própria expansão de uma identidade é um desafio. É motivo de orgulho quando tudo corre bem e é sempre conflituosa quando esbarra com dificuldades - veja-se o caso da ideia de Europa como um todo único, exemplo perfeito para definir o “mundo inter-dependente” em que vivemos e cujo segredo do equilíbrio está em definirmos os termos dessa inter-dependência.

Como disse Clinton, “A identidade é o que nos define. Só há uma coisa mais importante do que a nossa identidade: é a nossa humanidade comum.”

Imagino que devem estar a interrogar-se sobre o título desta crónica versus o conteúdo. Para isso, também tenho uma frase de Clinton: “É preciso muito cuidado com os news headlines nesta era da informação. Às vezes não correspondem nada à realidade...”