O “The Independent” noticiou recentemente o caso chocante de uma jovem
Sikh, residente no Reino Unido, que foi espancada pelo sogro em frente aos seus
filhos (netos deste), ficando com sequelas graves para a vida. O espancamento
deu-se porque o sogro pensava – injustamente – que a jovem estava a ser infiel
ao seu filho com um muçulmano. São conhecidas as guerrilhas entre sikhs e
muçulmanos, que, para o caso, não interessam. Facto é que, neste momento, a
senhora está parcialmente cega e com dificuldades de mobilidade, sendo todas
estas lesões irrecuperáveis. Felizmente, as crianças têm o apoio deste pai e
deste avô para a sua vida diária (insiram aqui a pontuação que vos parecer mais
adequada... não encontrei nenhuma que expressasse os meus receios).
Como era de esperar, os comentários que choveram a esta notícia online
centravam-se todos nos abomináveis costumes “dessa gente”, no modo execrável
como tratavam as mulheres e os filhos, na sua obediência cega a religiões
desumanas e outras conversas no género. Até que alguém se lembrou de outra
notícia, também recente, sobre dois casais de ingleses que tinham assassinado
os seus filhos, sem motivo aparente (e que motivo haveria que fosse suficiente
para essa acção à laia de Cronos ou de Medeia?) A partir daí, cilindrados por
um comentário que lhes mostrava que há “animais” em toda e qualquer cultura
(inclusivé na sua), os britânicos middle –class deixaram de incitar a que os sikh
fossem mandados de volta à sua terra e passaram a apelar a penas mais duras
para casos do género, não mais mencionando a etnia dos criminosos.
Entretanto, e como é sabido, sempre que aparecem notícias sobre uma
violação na Índia – e reparem que ultimamente se fazem muitas manchetes sobre o
assunto, como se só agora começassem a ser violadas mulheres e apenas na
Índia... mas adiante – Portugal fica eufórico. Ele é petições na internet, ele
é posts no Facebook a que só faltam lágrimas, ele é comentários onde até já li
menções a novenas (!!!). Portugal abraçou a causa de salvar as mulheres
indianas do flagelo da violação.
Há poucas semanas, foi violada uma jovem de 19 anos perto do Metro do
Marquês de Pombal em Lisboa. Sempre é mais perto do que a Índia e, em termos de
salvação, estou em crer que seria mais fácil ao povo português dar uma
ajudinha. No entanto, a atitude
portuguesa foi imediatamente a de uma postura completamente diversa. Os
comentários públicos online eram qualquer coisa como isto, e transcrevo: “Mas o
que é que estava uma mulher sozinha a fazer na rua às três da manhã?” ou “Andam
vestidas como andam, na passeata, e depois queixam-se...” e esta pérola:
“Sempre ouvi dizer que quem é violado é porque não colaborou!”
Se pensam que foram só homens a ter esta postura, desenganem-se. As
mulheres são as maiores e mais ferozes críticas de uma outra mulher, cujo
pecado é ser jovem, ter ido sair com amigos
e, eventualmente, ser atraente. Isto dava um estudo sociológico que não
é de desprezar.
Estou em crer que a jovem só não foi cilindrada em público porque afirmou à
Polícia que o violador tinha pronúncia estrangeira. Isso sempre ameniza um
pouco as coisas. Está visto que o “suposto criminoso” (se se pode dizer tal de
quem não pôde resistir a uma provocadora
tentação ou de um homem que foi obrigado a usar a força porque não teve
colaboração!) não era dos nossos. Sempre a moça admite que ele era alguém de
fora. Portanto, podem os portugueses descansar - não foi ninguém com quem
partilham vizinhança ou com quem almoçam, por Deus! Continuem com as novenas e
os apelos no Facebook porque é bem capaz de ter sido um indiano.