Uma estação de televisão
holandesa mostrou uma experiência curiosa: um apresentador foi até à Costa do
Marfim, principal exportador de cacau, dar a conhecer o chocolate aos
agricultores de cacau. As imagens impressionam sempre mais do que as palavras
mas eis a minha tentativa de contar a história. O apresentador começa por se
dirigir a Alphonse, proprietário de umas terras que produzem cacau. “Proprietário”
quer dizer que ele tem 4 trabalhadores a colher frutos e a secar grãos, porque
o próprio Alfonse vive muito pobremente: ganha 7 euros por dia e tem uma
família de 15 pessoas, não esquecendo que tem de pagar aos 4 empregados.
Quando confrontado sobre “que se
faz destes grãos?” Alphonse responde que sabe que dali se faz comida, mas não
sabe dizer o quê porque nunca a viu. Ele vende os grãos a um produtor. Alphonse é o primeiro a provar um dos
chocolates que o apresentador levou consigo. Fica entusiasmado com o sabor doce
– para ele inesperado! - e decide que os seus amigos têm de provar aquilo. Na
roda de amigos, seguem-se exclamações fantásticas sobre o dito chocolate, como
por exemplo “Então é por isto que os brancos são tão saudáveis!” Que diria a
Organização Mundial de Saúde se ouvisse esta frase?...
O documentário explica que o
chocolate existe na Costa do Marfim mas é muito caro: 2 euros por barra o que,
tendo em conta os salários, é um valor absurdo. Isso explica o porquê destes
homens nunca terem provado um chocolate que, aliás, ali não é um produto tão
disponível como na Europa e na América.
Em seguida, o apresentador
conversa com os trabalhadores de Alphonse, cuja alegria ruidosa no trabalho é
contagiante. Questionados sobre o destino dos grãos após fermentação nas folhas
de banana, eles também não sabem, embora tenham ouvido dizer que servem para
fazer bom vinho. Estão mais desconfiados sobre a verdadeira origem do chocolate
que lhes é apresentado mas também mais curiosos. Querem saber exactamente como
se passa dos grãos ao chocolate e acham graça ao facto dos “brancos serem
viciados” nos quadradinhos que provam agora. Fazem piadas com a relação entre
comer chocolate e ficar com a pele branca. Finalmente, dizem querer guardar o
papel do chocolate para mostrar aos filhos porque é inacreditável e também
porque estão orgulhosos – “Nós queixamo-nos porque cultivar cacau é um trabalho
difícil. Mas agora provámos o fruto deste trabalho. Que maravilha! Que
privilégio!”
E isto é que impressiona. Porque
estas pessoas podiam ter dito algo como “Andamos aqui a trabalhar como escravos
para que outras pessoas possam comer chocolate todos os dias!” ou “Como é
possível que os nossos filhos nunca tenham comido isto quando somos nós que
trabalhamos para dar isto ao mundo?”
Mas não. Ficaram felizes com o
facto de terem provado o simples fruto do seu trabalho. Deram graças por um
direito que não sabiam que tinham. Que, vendo bem, não têm nem voltarão a ter
apenas devido à gritante injustiça do mundo. Mesmo as pessoas que viram este
documentário e se emocionaram em breve esquecerão como é horrível que o mundo
seja dividido em apanhadores de cacau, que nunca comem chocolate e que nem
sabem o que isso seja apesar da dureza da labuta, e em viciados em chocolate, que nunca tocaram
o fruto duro e amargo de cacau por curiosidade e nem muito menos por
necessidade.
Amanhã vamos ao supermercado e
havemos de comprar uma barrita, já de consciência limpa. Os problemas dos
outros, a fome dos outros, a suas dores... não é nunca um drama nosso. Até ao
dia em que tivermos nós problemas, fome, dores. Seguramente não será hoje,
portanto se comermos um chocolate até encaramos a vida melhor.
Mas interrogo-me: agora que
provaram o chocolate e sabem que estão a perder uma delícia; agora que
perceberam que metade do mundo come abundamente algo que eles produzem com
sacrifício e que a eles lhes está vedado... é bem possível, parece-me a mim,
que os apanhadores de cacau já não trabalhem com tanta alegria. É que, às
vezes, a ignorância traz felicidade.