O Papa Francisco aprovou os
estatutos da Associação Internacional de Exorcistas no Vaticano, legalizando os
exorcismos. Deste assunto não se fez grande publicidade, talvez porque, dentro
da própria Igreja Católica, os padres exorcistas sejam uma espécie de classe à
parte – isto sem falar no conceito de exorcismo que leva, de imediato, a
questionar a ideia de Diabo e a sua (possível) influência prática nas
vivências. No seguimento desta legalização, o Rev. Francesco Bamonte disse à
Imprensa que “o exorcismo era um acto de caridade para com aqueles que sofrem”
e que “as possessões diabólicas estavam a aumentar porque hoje em dia muita
gente se dedicava ao ocultismo.” O Vaticano não se pronunciou. Mutatis mutandis, também eu não me
pronuncio porque não pratico o catolicismo e não tenho conhecimentos para
opinar.
No entanto, esta
contemporaneidade do exorcismo veio-me à cabeça quando li que um jornal inglês
estava a ser severamente criticado pela exploração de uma história dita
satânica. O jornal apresentava na capa
um menino de 4 anos, cuja barriguinha nua apresentava um sinal, que – segundo o
jornal noticiava em parangonas – era “ a marca do Diabo”. No artigo interior, o
jornal entrevistava os pais e, para maior exposição, escolheu identificar e
nomear a criança. Já estou, portanto, a ver o drama que este menino passou a
viver em público, sobretudo no colégio, onde, depois desse artigo, não terão
faltado pais histéricos e colegas provocadores...
Em si, o artigo é
jornalisticamente pobre e ridiculamente mal formulado - baseia-se numa
entrevista aos pais da criança, que parecem desejosos de contar ao mundo a
aflição que lhes coube porque “algo sobrenatural visitou o nosso filho”. Também
insistem em que não sabem como foi feito um símbolo tão bem desenhado que,
eventualmente e noutras circunstâncias, nos faria pensar porque raio andariam
eles a marcar a criança como se fosse gado... (perdão pela divagação). Bem pior
do que isso é, no entanto, a utilização completa da criança cujo nome e cara
estão estampados no jornal. Será que ninguém pensou que um ser humano com 4
anos é um ser humano de pleno direito? E que, portanto, não pode nem deve ser usado para fins publicitários e muito menos
“endemoninhado” publicamente? O que isso lhe pode trazer de prejudicial numa
sociedade conservadora e desejosa de uma caça às bruxas é assustador, sobretudo
se tivermos em conta que a criança não está a ser protegida por ninguém – são
os pais que o consideram marcado pelo Demónio e o expõem como tal...
A questão dos direitos do menino
foi levantada por diversos Membros do Parlamento dos dois principais
partidos – já disse que isto foi na
Inglaterra? – que denunciaram o caso à Press Complaints Comission, afimando que
o jornal fora completamente “inapropriado, irresponsável e errado”; “será que
não se envergonham disto?”. O jornal respondeu dizendo que “a história tinha
chegado até à redacção [são sempre misteriosos os caminhos da informação] e que
nunca encorajaram os pais a dar a entrevista, até porque os pais já tinham
explorado a história nas redes sociais sem qualquer preocupação pelo bem estar
da criança em causa.”
Obviamente, os principais
“culpados” desta situação são os pais, cuja insensibilidade está à vista. Mas
isso advém do velho mito que alguns pais têm de que são donos dos filhos como
são donos de um poodle ou de um
carro. No entanto, também critico o editor, claro. Sendo o jornal da sua
responsabilidade, a escolha de publicar uma fotografia do rosto da criança bem
como de publicar o nome do menino é sua. Podia fazer a história sem lhe apontar
o dedo. O consentimento paterno não inviabiliza a sua óbvia falta de ética.
Por
outro lado, saúdo esta cultura inglesa que não receia apontar o erro quando
isso fere a sua noção de “honour”. Em Portugal, podemos fazer queixas e
reclamações pela falta de ética da imprensa, pelas suas falsas informações,
podemos lutar pelos direitos de quem não pode falar por si, que o mais que nos
acontece é sermos silenciados por algum editor cuja capacidade de resposta é
igual à sua capacidade redactora.