... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 24, 2014

Onde Estava no 25 de Abril?

Lembrei-me desta frase caricaturada por alguns comediantes portugueses quando li um artigo da People Magazine: “What World Leaders were Doing in their 20s”. Não deixa de ser curioso verificar o que faziam os líderes mundiais na época da indecisão, dos trabalhos precários e da dieta pobre – isto porque quando eles tinham 20 anos, esse seria o tempo da vida para essas misérias. Hoje, as pessoas nos 30s, como eu, vivem as mesmas desgraças numa versão contemporânea lowgrade.
Voltando ao artigo, os líderes abordados são Obama, Putin, Merkel, David Cameron, Bashar Al-Assad (da Síria), Nethanyanu (de Israel), Rouhani (do Irão), Jong-Un (da Coreia do Norte) e Jinping (da China). A lista foi elaborada por uma jornalista americana e, obviamente, é discutível. O que, em primeiro plano, se nota é a escassez de líderes femininos – enfim, salva-se a honra com Merkel, figura germanicamente feminina.

Porém, o que choca na reportagem é a perspectiva da jornalista face à importância do que estes líderes estavam a fazer na idade das escolhas decisivas. Como todos os jovens de 20 anos, esta gente estava a trabalhar e a divertir-se. O que interessa é em quê e como. Claro que a jornalista escolhe o que lhe parece mais revelador de um percurso que se adivinharia luminoso e assertivo.

De Obama, diz ela que este escolheu ajudar num projecto de reconstrução de uma comunidade empobrecida. Além disso, viajou numa senda spiritual e aproveitou as loucuras inerentes à idade. Como se vê, era generoso e mente aberta, como interessa que se mostre. Já Putin trabalhava numa agência de alta segurança e, como tal, tudo o que lhe diz respeito é bastante secreto, só se sabendo que era um agente undercover e que praticava judo. Suspeito e ameaçador q.b. Cameron era um jovem dedicado à política. Mas para que não pensemos que era um tipo precocemente envelhecido, i.e. um jota de gravatinha, sempre se diz que pertencia a um famoso clube universitário de borgas, do qual recusa dar pormenores. O líder da Coreia do Norte é ainda mais misterioso do que Putin, e andou a acompanhar o pai em expedições militares, preparando-se para lhe seguir os passos como filho obediente ao seu senhor. Já o líder da China era um jovem equilibrado, um intelectual que aproveitou os tenros anos para conhecer as virtudes campestres da vida aldeã. O Presidente do Irão foi um esforçado, que pagou a sua educação e se exilou em Paris devido às suas discordâncias com o então poder vigente. O Presidente da Síria estudava medicina; a política inesperadamente caíu-lhe ao colo quando o irmão morreu num acidente. Já o de Israel estava nas forças de elite do exército e até liderava raids. Como se vê, questões que a jornalista escolhe a dedo.

Então e a representante feminina? A jornalista podia ter dito que Merkel esteve envolvida num projecto para a construção do campus da universidade onde estudava; podia ter ditto que ela já pertencia a movimentos politicos; que era uma estudante de Física muito bem sucedida… Mas o facto relevante da vida de Merkel para esta reportagem foi que ela casou pela primeira vez nesses tenros 20 anos e que viviam na pobreza. Ainda nos diz que Merkel casou novamente mais tarde e que apreciava beber vodka com cereja.

Conclusão: os aspectos importantes da vida de um homem são o que ele estuda, onde ele trabalha, a que actividades se dedicou nos tempos livres, as suas viagens. O importante da vida de uma mulher é quando, com quem  e quantas vezes ela casou, mesmo que ela seja, por mérito próprio, líder mundial. Atente-se também que o critério avaliativo vem da parte de uma sua congénere feminina. E é por isto que eu me interrogo muito sobre isso da emancipação da mulher, que me parece completamente torpedeado por uma certa concepção de conto de fada barroco que ainda vive na cabeça dos media e, desgraçadamente, na cabeça da maior parte das mulheres.


A mulher não vive de mérito próprio. Vive para um outro. Caso contrário, nos intervalos - a acreditar neste artigo -  vai bebericando uns vodkas com cereja. 

Friday, October 10, 2014

Mitos olímpicos


Confesso: antes deste episódio do julgamento parcial, eu nunca tinha ouvido falar de Oscar Pistorius. Agora já sei que é uma lenda viva na África do Sul, um grande campeão olímpico, um símbolo das pessoas com deficiência motora e, além disso, um rapaz bonito que enche posters. Como, porém, eu não vivo conectada aos mundos em que Pistorius se move e em que suspiram por ele, a primeira impressão dele foi péssima. Foi a de um tipo a chorar lágrimas de crocodilo depois de ter morto a namorada a tiro.

Pistorius não disse nunca que não tinha morto a namorada. Seria difícil negar, já que era de madrugada e estavam ambos sozinhos em casa. Além disso, as armas não se disparam sozinhas. O que ele afirmou em sua defesa foi que não sabia que estava a disparar contra a namorada – pensava que estava um intruso em casa e, portanto, sacou da arma e disparou umas balas através da porta da casa de banho que estava fechada com o suposto “intruso” lá dentro. Quando voltou à cama, percebeu que a namorada não estava lá e epifanicamente percebeu que a tinha morto, pelo que chamou logo uma ambulância.

Parece-me impossível que alguém que se guie pela lógica acredite nesta história. No entanto, a juíz Masipa acreditou. Agora, Pistorius aguarda uma sentença que será infinitamente mais branda porque se achou estar provado que “ele não tinha intenção de matar”.

Estive a tentar perceber esta história de um ponto de vista ingénuo a ver se chegava à mesma conclusão delico-doce de Masipa. Portanto, vamos imaginar que Pistorius e a namorada eram um casal “regular”. No entanto, a acusação mostrou imensas mensagens trocadas entre os dois em que Reeva (agora morta) lhe dizia que tinha “medo dele e dos seus ataques violentos”. A isto, Masipa contrapôs eufemisticamente que todas as relações são “imprevisíveis e dinâmicas”. Vamos, igualmente, imaginar que Pistorius se levantou e não deu pelo facto da namorada não estar deitada na cama. Ouviu uns barulhos e assumiu que um ladrão estava trancado na casa de banho (onde deve haver muito para roubar) e, portanto, não acordou Reeva nem viu se era ela que estava lá dentro; sacou da arma e tratou do assunto. Vamos pensar que sim, porque o rapaz é um homem de acção. Mas então como se explica que poucos minutos antes de ter morto Reeva, Pistorius tenha feito um telefonema de 9 minutos?... Estava acordado há muito, pelos vistos, o que lhe deu tempo para ver que Reeva não estava na cama. Telefonou para a Polícia? Nada disso. Ligou para uma ex-namorada que, como convém, o defende com unhas e dentes, dizendo que “a outra” (Reeva) era uma exagerada histérica e que Pistorius é um doce de pessoa. Esta questão do telefonema nem sequer foi tida em conta por Masipa.

Vamos, então, pensar que o que convenceu Masipa foi o facto de Pistorius se apresentar bastante pesaroso e de até chorar no julgamento. Isto foi o fundamental já que Masipa relatou que “o comportamento de Pistorius era incongruente com o desejo de matar alguém.” Não é preciso ser um grande criminologista para perceber que Pistorius chorava por si e pelo que lhe podia acontecer, não por quem tinha morto…

Resultado: não consegui perceber a conclusão de Masipa, mesmo com o esforço de eliminação do bom senso. O que consegui perceber é que, tristemente, este caso só vem re-confirmar que o feminicídio – a morte de uma mulher às mãos do companheiro - é irrelevante para a justiça. Tão irrelevante que se procuram dar razões para isso  - vide a defesa  “Ela nem sequer estava apaixonada por ele”! Portanto, esta Reeva merecia umas balas, já que toda a nação da África do Sul está apaixonada pelo seu atleta.


Acontece que a nação conhece o atleta; não conhece o homem. O homem Oscar Pistorius, em plena consciência e vontade, matou. Não devia merecer uma justiça diferente dos outros homens. Eu assino por baixo do jornalista do Guardian que disse: “O resultado desta história faz-me entender que não percebo o mundo em que vivo. Mas Pistorius percebe o mundo muito bem. Tão bem que sabe exactamente que se pode safar, mesmo fazendo o que fez.”