Confesso: antes
deste episódio do julgamento parcial, eu nunca tinha ouvido falar de Oscar
Pistorius. Agora já sei que é uma lenda viva na África do Sul, um grande campeão
olímpico, um símbolo das pessoas com deficiência motora e, além disso, um rapaz
bonito que enche posters. Como, porém, eu não vivo conectada aos mundos em que
Pistorius se move e em que suspiram por ele, a primeira impressão dele foi
péssima. Foi a de um tipo a chorar lágrimas de crocodilo depois de ter morto a
namorada a tiro.
Pistorius não
disse nunca que não tinha morto a namorada. Seria difícil negar, já que era de
madrugada e estavam ambos sozinhos em casa. Além disso, as armas não se
disparam sozinhas. O que ele afirmou em sua defesa foi que não sabia que estava
a disparar contra a namorada – pensava que estava um intruso em casa e,
portanto, sacou da arma e disparou umas balas através da porta da casa de banho
que estava fechada com o suposto “intruso” lá dentro. Quando voltou à cama,
percebeu que a namorada não estava lá e epifanicamente percebeu que a tinha
morto, pelo que chamou logo uma ambulância.
Parece-me
impossível que alguém que se guie pela lógica acredite nesta história. No
entanto, a juíz Masipa acreditou. Agora, Pistorius aguarda uma sentença que
será infinitamente mais branda porque se achou estar provado que “ele não tinha
intenção de matar”.
Estive a tentar
perceber esta história de um ponto de vista ingénuo a ver se chegava à mesma
conclusão delico-doce de Masipa. Portanto, vamos imaginar que Pistorius e a
namorada eram um casal “regular”. No entanto, a acusação mostrou imensas
mensagens trocadas entre os dois em que Reeva (agora morta) lhe dizia que tinha
“medo dele e dos seus ataques violentos”. A isto, Masipa contrapôs
eufemisticamente que todas as relações são “imprevisíveis e dinâmicas”. Vamos,
igualmente, imaginar que Pistorius se levantou e não deu pelo facto da namorada
não estar deitada na cama. Ouviu uns barulhos e assumiu que um ladrão estava
trancado na casa de banho (onde deve haver muito para roubar) e, portanto, não
acordou Reeva nem viu se era ela que estava lá dentro; sacou da arma e tratou
do assunto. Vamos pensar que sim, porque o rapaz é um homem de acção. Mas então
como se explica que poucos minutos antes de ter morto Reeva, Pistorius tenha
feito um telefonema de 9 minutos?... Estava acordado há muito, pelos vistos, o
que lhe deu tempo para ver que Reeva não estava na cama. Telefonou para a
Polícia? Nada disso. Ligou para uma ex-namorada que, como convém, o defende com
unhas e dentes, dizendo que “a outra” (Reeva) era uma exagerada histérica e que
Pistorius é um doce de pessoa. Esta questão do telefonema nem sequer foi tida
em conta por Masipa.
Vamos, então, pensar
que o que convenceu Masipa foi o facto de Pistorius se apresentar bastante
pesaroso e de até chorar no julgamento. Isto foi o fundamental já que Masipa
relatou que “o comportamento de Pistorius era incongruente com o desejo de
matar alguém.” Não é preciso ser um grande criminologista para perceber que
Pistorius chorava por si e pelo que lhe podia acontecer, não por quem tinha
morto…
Resultado: não
consegui perceber a conclusão de Masipa, mesmo com o esforço de eliminação do
bom senso. O que consegui perceber é que, tristemente, este caso só vem
re-confirmar que o feminicídio – a morte de uma mulher às mãos do companheiro -
é irrelevante para a justiça. Tão irrelevante que se procuram dar razões para
isso - vide a defesa “Ela nem sequer estava apaixonada por ele”!
Portanto, esta Reeva merecia umas balas, já que toda a nação da África do Sul
está apaixonada pelo seu atleta.
Acontece que a
nação conhece o atleta; não conhece o homem. O homem Oscar Pistorius, em plena
consciência e vontade, matou. Não devia merecer uma justiça diferente dos
outros homens. Eu assino por baixo do jornalista do Guardian que disse: “O
resultado desta história faz-me entender que não percebo o mundo em que vivo.
Mas Pistorius percebe o mundo muito bem. Tão bem que sabe exactamente que se
pode safar, mesmo fazendo o que fez.”