... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 30, 2015

Um Acaso da Natureza

Não sei se é mais difícil ser uma pessoa notável numa família de medíocres ou se é mais difícil ser um medíocre numa família de notáveis. O drama que me proponho expor é o do notável dentro de uma família de notáveis, com recurso à utilização do menor esforço de neurónios possível da minha parte e já agora de aspas, para não roubar ideias a ninguém.

Diz-nos Martha Freud, designer, trineta de Sigmund Freud e descendente sobrevivente de sucessivos famosos na sua família: “Certa vez, fiquei sentada junto a um homem durante uma viagem de avião que demorou oito horas. À chegada, ele reparou no meu nome que estava escrito nos papéis de imigração e disse-me “Oh Meu Deus! Você é da família Freud! E pensar que podíamos ter tido uma conversa tão interessante!” A propósito, nesta altura, eu tinha apenas 11 anos de idade…”

O que se esperava de Martha Freud aos 11 anos era, portanto, imenso. As expectativas acerca de alguém cuja família deu ao mundo o pai da Psicánalise, o homem que foi conselheiro de Eisenhower, Caruso, Roosevelt, Edison e Ford, um Lorde escritor, um pintor modernista, uma jornalista de renome, uma designer de moda que veste famosos e uma novelista cujos livros são adaptados por Hollywood, entre outros, eram as mais altas. Pensa o adulto, imediatamente, que se a criancinha é da família Freud tem a obrigação de ser um génio.

Facto comum é que damos à genética uma importância que não sabemos se ela tem. Apesar das frases cheias de certeza que circulam no Facebook, não há nada científico que prove que a inteligência de uma criança é directamente proporcional ao quociente de inteligência da sua mãe. Aliás, isto até seria bastante redutor do ponto de vista da evolução da espécie - se é que tal evolução existe, de facto… Igualmente, também não há nada que demonstre que as características intelectuais e mesmo as emocionais sejam herdadas em linha recta, como a cor dos olhos ou os problemas de sangue (e mesmo nesses, sabemos que há sempre aquilo que os ingleses chamam “a sport of nature”, ou seja, acidentes genéticos inexplicáveis, nos quais acredito piamente até porque tenho de justificar os meus próprios olhos).

Voltando ao tema: o problema que se põe a um filho de um génio é que ninguém admite que ele possa ser menos do que um génio. Isto é bastante injusto para o descendente que só tem duas hipóteses: ou revira os olhos quando lhe falam no assunto mas isso não lhe faz mossa ou passa a vida toda a tentar justificar o nome que tem. Pode tornar-se ainda mais injusto no caso do descendente ultrapassar em grande escala o ascendente, porque por mais que faça hão-de sempre dizer “o filho de fulano” como se isso fosse o maior trunfo que ele tem. Saindo da esfera dos génios mas mantendo-me na dos famosos de Portugalito, ocorre-me o caso de Joana Carneiro, uma grande maestrina, que Portugal teima em chamar “a filha do ex-ministro Roberto Carneiro” apesar de ela ser bastante mais conhecida do que o pai quando sai da sua cidade.

A outra face da moeda é o drama que isto coloca aos ascendentes. Conhecemos casos de génios cujos filhos eram pessoas com sérias deficiências intelectuais. Einstein, por exemplo, teve uma filha apenas; essa pequena Lieserl sofria de múltiplos problemas e nem chegou a ser adulta. Não sabemos muito bem o que Einstein pensava disto porque esta filha tabu não era mencionada. Talvez um génio tenha dificuldades em lidar com uma prole que não esteja à sua altura, porque – também ele – tem altas expectativas.


No fundo, em qualquer dos casos, é difícil ser filho de um notável. Felizmente, os notáveis não abundam e raramente resistem ao teste da passagem do tempo. Melhor mesmo é ser “um acaso da natureza” como Mozart, de preferência tão acarinhado pelos seus antecessores como ele foi. 

Friday, January 16, 2015

Y


Em 2002, a Nature publicou um artigo que até hoje cria drama – mais por razões emocionais do que científicas. Nesse artigo, Jennifer Graves, geneticista da La Trobe University em Melbourne, predizia o fim do cromossoma Y na espécie humana. Para quem se tenha já esquecido do que aprendeu nas aulas de Biologia, convém dizer  - de forma leiga - que o cromossoma Y é um dos cromossomas sexuais, sendo a sua presença responsável pela determinação do género masculino. O outro cromossoma sexual denomina-se X e está presente em homens e mulheres. Ou seja, o género feminino é XX e o masculino é XY. Antes de passar à frente, só uma nota sobre a Prof. Jennifer Graves, amplamente insultada pelas suas pesquisas: é Distinguished Professor em La Trobe, é Emeritus Professor na Australian National University e Fellow da Academy of Science.

Assumamos que o principal problema desta teoria é: uma cientista mulher diz que, no futuro, o cromossoma sexual masculino vai desaparecer. Esta odiosa ideia não só é pouco dignificante para os homens como põe as mulheres em estado de alerta. A conservação da espécie é um grande motor do ser humano – já para não falar nas vertentes psicológicas e emotivo-sexuais que a teoria acarreta. Mas tenham calma que isto não se prevê para já: segundo Graves, vai demorar uns 10 milhões de anos para o mundo ficar sem cromossomas Y.

“Os dias do cromossoma Y estão contados e a sua morte pode levar à criação de uma nova espécie humana. Este cromossoma começou por ter cerca de 1400 genes mas perdeu 1350 deles nos últimos 300 milhões de anos” (Graves dixit). Desculpem, rapazes, mas restam-vos mesmo poucos. Não quero ser alarmista, mas olhem que o povo tem razão quando diz “já não há homens como antigamente”.

No entanto, Graves adianta que apesar deste “processo de atrito do Y ser ainda contínuo e se prever a sua extinção do genoma humano” à semelhança do desaparecimento deste cromossoma noutras espécies do reino animal, isto “não significa que teremos um mundo sem machos.” Nos animais roedores em que o cromossoma Y já desapareceu  (e.g. certas toupeiras e ratazanas) há machos. Simplesmente, o cromossoma Y foi substituído no gene SRY por outro elemento que Graves e a sua equipa confessam, até hoje, “ainda não saber o que é”.

Logo, machos teremos. Mas a sua informação genético-biológica (e tudo o que isso acarreta) será diferente. A masculinidade, no que ela contem de mais profundo e intrínseco, tem mudado com o tempo e continuará a mudar até ser algo completamente diferente do que inicialmente se tinha como tal.

Imaginem a ansiedade cultural que esta descoberta fez nascer. Desde o pós- Guerra que o nosso mundo vem enfrentando uma espécie de crise de masculinidade social, com a inversão de papeis homem-mulher, a entrada da mulher em força no mercado laboral, os movimentos feministas e a sombra de queda do patriarcado no horizonte. Há uma espécie de falta de confiança na masculinidade não raro por parte dos próprios homens. A descoberta de Graves veio acrescentar provas biológicas a um drama socio-cultural: quando um homem pensa que já não é tão homem como o seu avô, não pode atirar a culpa somente para o mundo de hoje em dia… A evolução da espécie encarregou-se disso; factualmente, ele tem menos uma vírgula de masculinidade do que o seu antecessor.

Dez anos depois da descoberta de Graves, Jennifer Hughes publicou um estudo onde contraria a sua colega. Sim, não pensem que só os homens ficam aterrorizados por pensar num mundo menos Y; as mulheres sabem que seria terrível, quanto mais não seja pelo trabalhão de assumir características relacionais para compensar a falta desse componente sexual. Graves ripostou e, apesar desse “save the males”, a teoria do desaparecimento do Y continua válida.


Isto tudo para vos dizer o seguinte, mulheres: quando acusarem os homens de falta de firmeza, de coragem, enfim… não é culpa deles; é uma degeneração genética e fatal à qual são totalmente alheios. A culpa é da raça humana onde tudo tem defeito e vem com prazo de validade.