Não sei se é
mais difícil ser uma pessoa notável numa família de medíocres ou se é mais
difícil ser um medíocre numa família de notáveis. O drama que me proponho expor
é o do notável dentro de uma família de notáveis, com recurso à utilização do
menor esforço de neurónios possível da minha parte e já agora de aspas, para
não roubar ideias a ninguém.
Diz-nos Martha
Freud, designer, trineta de Sigmund Freud e descendente sobrevivente de
sucessivos famosos na sua família: “Certa vez, fiquei sentada junto a um homem
durante uma viagem de avião que demorou oito horas. À chegada, ele reparou no
meu nome que estava escrito nos papéis de imigração e disse-me “Oh Meu Deus! Você
é da família Freud! E pensar que podíamos ter tido uma conversa tão
interessante!” A propósito, nesta altura, eu tinha apenas 11 anos de idade…”
O que se
esperava de Martha Freud aos 11 anos era, portanto, imenso. As expectativas
acerca de alguém cuja família deu ao mundo o pai da Psicánalise, o homem que
foi conselheiro de Eisenhower, Caruso, Roosevelt, Edison e Ford, um Lorde
escritor, um pintor modernista, uma jornalista de renome, uma designer de moda
que veste famosos e uma novelista cujos livros são adaptados por Hollywood,
entre outros, eram as mais altas. Pensa o adulto, imediatamente, que se a
criancinha é da família Freud tem a obrigação de ser um génio.
Facto comum é
que damos à genética uma importância que não sabemos se ela tem. Apesar das
frases cheias de certeza que circulam no Facebook, não há nada científico que
prove que a inteligência de uma criança é directamente proporcional ao
quociente de inteligência da sua mãe. Aliás, isto até seria bastante redutor do
ponto de vista da evolução da espécie - se é que tal evolução existe, de facto…
Igualmente, também não há nada que demonstre que as características
intelectuais e mesmo as emocionais sejam herdadas em linha recta, como a cor
dos olhos ou os problemas de sangue (e mesmo nesses, sabemos que há sempre
aquilo que os ingleses chamam “a sport of nature”, ou seja, acidentes genéticos
inexplicáveis, nos quais acredito piamente até porque tenho de justificar os
meus próprios olhos).
Voltando ao
tema: o problema que se põe a um filho de um génio é que ninguém admite que ele
possa ser menos do que um génio. Isto é bastante injusto para o descendente que
só tem duas hipóteses: ou revira os olhos quando lhe falam no assunto mas isso
não lhe faz mossa ou passa a vida toda a tentar justificar o nome que tem. Pode
tornar-se ainda mais injusto no caso do descendente ultrapassar em grande
escala o ascendente, porque por mais que faça hão-de sempre dizer “o filho de
fulano” como se isso fosse o maior trunfo que ele tem. Saindo da esfera dos
génios mas mantendo-me na dos famosos de Portugalito, ocorre-me o caso de Joana
Carneiro, uma grande maestrina, que Portugal teima em chamar “a filha do
ex-ministro Roberto Carneiro” apesar de ela ser bastante mais conhecida do que
o pai quando sai da sua cidade.
A outra face da
moeda é o drama que isto coloca aos ascendentes. Conhecemos casos de génios
cujos filhos eram pessoas com sérias deficiências
intelectuais. Einstein, por exemplo, teve uma filha apenas; essa pequena
Lieserl sofria de múltiplos problemas e nem chegou a ser adulta. Não sabemos
muito bem o que Einstein pensava disto porque esta filha tabu não era
mencionada. Talvez um génio tenha dificuldades em lidar com uma prole que não
esteja à sua altura, porque – também ele – tem altas expectativas.
No fundo, em
qualquer dos casos, é difícil ser filho de um notável. Felizmente, os notáveis
não abundam e raramente resistem ao teste da passagem do tempo. Melhor mesmo é
ser “um acaso da natureza” como Mozart, de preferência tão acarinhado pelos
seus antecessores como ele foi.