... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 20, 2015

Estrangeiro em casa própria


Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2013 o número de portugueses emigrados por esse mundo fora era de 128 000. No entanto, é preciso que se note que o INE distingue entre emigrantes permanentes e emigrantes temporários, sendo os segundos os que tencionam voltar ao país dentro de um ano (i.e. vão só “arranjar uns dinheiritos…”). Também convém que se diga que as estatísticas valem o que valem e que, se é verdade que o número de emigrantes é hoje muito maior, também é preciso frisar que antes se emigrava sem deixar rasto e que é muito natural que haja batalhões de emigrantes de anos anteriores que não façam parte de estatística alguma. 

Podia fazer uma crónica só com isto, mas tenho outra intenção que é a de falar dos emigrantes portugueses que moram cá dentro, isto é dos onze milhões de portugueses que, morando em Portugal, falam sempre deste país como se morassem no Gana. A coisa é de tal modo flagrante que estou convencida que é por isso que o Turismo de Portugal inventou o slogan “Vá para fora cá dentro”. Os portugueses não deixam de olhar para Portugal como se fosse, de facto, um país estrangeiro.
Tudo os espanta, a começar pela própria geografia. Ao contrário de outros países, nunca ninguém sabe onde fica nada. Um tipo que more, por exemplo, em Lisboa desconhece onde seja Tomar (mais ou menos a uma hora dali de automóvel) e escusado será perguntar-lhe se existe uma ilha de Porto Santo perto da Madeira.

Mais ainda os espantam a cultura e os costumes. É vulgar ouvir um português dizer “isso é mesmo à portuguesa!” para criticar algo, seja esse algo a bur(r)ocracia de um serviço público, o atraso de um transporte ou um trejeito de personalidade menos profissional. A expressão implica desdém e um abanar de cabeça. Enquanto outros povos se orgulham fervorosamente das suas características, os portugueses auto criticam-se e são bem capazes de ajudar os restantes povos a criticá-los também, de forma genuína. Não há perigo do português médio cair num exagero de nacionalismo – é por isso que a todos fazem rir aqueles livrinhos do tempo do Salazar que as criancinhas da Primária tinham de ler e que falavam constantemente n’A Pátria. “A Pátria” é um conceito que é facilmente muito inflamado (e inflamável!) noutros países, cuja persona cultural tem um mal disfarçado orgulho em tal. Mas em Portugal, o português encolhe os ombros e resmunga “A pátria? Está bem….” E come uns tremoços.
Não é que o português não goste de Portugal ou não veja qualidades no seu país. O português reconhece as belezas naturais que há em Portugal por toda a parte – e elogia-as. Adora o clima. Acha a comida soberba. Orgulha-se da época dos Descobrimentos, d’Os Lusíadas, de Fernando Pessoa, do Prémio Nobel de Saramago… enfim, de todas as coisas que fascinam os estrangeiros. O português sente por Portugal o que um estrangeiro sente – mas mora por cá.


Para culminar, todos sabemos como é difícil falar (e falar bem) a Língua Portuguesa. É certamente por isso que – novamente, tal como acontece aos estrangeiros! – ela é tão mal falada por milhares de portugueses… 

Friday, November 6, 2015

Dá um beijinho à tia...

Jennifer Connell é tia de um rapazinho chamado Sean Tarala, que agora tem 12 anos. No dia em que Sean fez 8 anos, a tia Jen foi convidada para a festa de aniversário e foi então que se deu um acidente e a tia Jen partiu o pulso. À conta disso, a tia Jen levou agora o sobrinho a Tribunal na tentativa de o processar em 127.000 dólares, já que, segundo a tia Jen, não só ele é responsável por um pulso partido mas por uma data de dificuldades derivantes posteriores na sua vida. A tia Jen, que explicou ao Tribunal que “nunca deixou de amar a criança” mau grado a achar “negligente e descuidada”, acaba de perder o caso na passada semana no Tribunal de Westport, New York – porque ainda há quem tenha lógica e racionalidade neste mundo, felizmente.

A história é a seguinte: quando a tia Jen chegou à festa, Sean lançou-se a correr para ela, gritando “I love you, aunt Jen!”. Esta expressão de afeto foi, no entanto, feita com o impulso de 25 kg em movimento e, na força do abraço que se seguiu, a pobre Jen desequilibrou-se e caiu, partindo o pulso. Poder-se-ia perguntar porque é que a querida tia Jen não processou este perigoso miúdo logo ali, mas Jennifer Connell explicou ao tribunal de Westport que “não o quis perturbar tendo em conta que era o seu aniversário”. Nota-se que é uma tia dedicada.

A sensibilidade de Jen esperou até o miúdo ficar órfão de mãe e depois meteu-lhe um processo em Tribunal. Assim como assim, agora o puto tem mais condições de pagar (isto é, teria caso Jennifer Connell tivesse ganho).

A tia Jen explicou ao Tribunal que a questão não estava apenas num pulso partido. A pobre vive num terceiro andar sem elevador e torna-se complicado subir as escadas com um pulso partido. Eu, particularmente, subo as escadas com os pés e não com as mãos mas compreendo que nesta época de Halloween há de haver quem o faça ao melhor estilo “O Exorcista” com os pulsos nos degraus e a cabecinha virada para baixo.

A tia Jen também disse ao Tribunal que a sua vida social nunca mais foi a mesma porque agora sempre que ia a uma festa era complicado “segurar nos pratos de hors d’oeuvres” visto que o seu pulso tinha ficado severamente danificado mesmo depois de se ter soldado. A sério, Jen? Se é nessa tua qualidade que as pessoas reparam, é fácil de perceber porque é que a tua vida afetiva é pobrezinha.

O que se pode dizer para desculpar a tia Jen? Não me ocorre nada. Que a tia Jen sabe pouco sobre miúdos é visível. Qualquer pessoa que veja um miudinho a correr na sua direção, prepara-se para aguentar um embate de ternura (e corresponder, já agora…). Que a tia Jen é uma criatura repugnante erat demonstrandum. Só assim se compreende que queira ensinar uma lição ao sobrinho através do Tribunal – só isto já denota um problema de arrogância grave - e que acuse uma criança de 8 anos de descuido, tentando culpabilizá-la de uma situação que não envolve intenção. Que a tia Jen é estúpida, disso não restam dúvidas porque arruinou para sempre a sua relação com o sobrinho. Que a tia Jen tem mau fundo, idem aspas… Não só fez o que fez como esperou que a criança ficasse menos protegida e seguramente triste, por estar órfão de mãe.

Mas tendo em conta o grau de estupidez da tia Jen, talvez ela até espere que passem todos juntos o Natal (desde que num rés-do-chão e sem pratos pesados).


O que interessa, para já, é que o Tribunal não deu razão à “melhor tia do mundo”. Disseram simplesmente “não consideramos que Sean tenha sido negligente”. Eu teria dito à tia Jen para ir a um sítio lá longe em vez de fazer os Tribunais perderem tempo com processos deste género. O que vale à tia Jen é que a generalidade das pessoas são mais educadas do que ela.