... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, April 22, 2016

Bilhete de Identidade


Por vezes, acontece receber feedback daquilo que escrevo – e agradeço. As opiniões acabam sempre por ir dar ao mesmo: consideram-me feminista por defender o direito à igualdade de oportunidades entre os géneros. Esta opinião por parte de quem lê o que escrevo e rejeita ou partilha da mesma visão não é displicente para o que vou escrever a seguir.

É do conhecimento geral que foi apresentada uma proposta na Assembleia da República para que o Cartão de Cidadão passasse a denominar-se Cartão de Cidadania, já que, segundo o diploma apresentado pelos senhores deputados, “não respeita a identidade de género de mais de metade da população portuguesa.”

Ora, ao contrário do que os senhores deputados escrevem, não existe um “Cartão do Cidadão” mas sim um “Cartão de Cidadão” (verifiquem, por favor, o que está escrito nos cartões) e esta diferença na ausência de artigo é importante. É crucial. A preposição “de” está ali sozinha, sem artigo acoplado, exatamente para que se entenda que não refere nem o masculino nem o feminino mas sim ambos. Outro exemplo é o “Cartão de Estudante”, que só ainda não fez mossa porque a palavra “estudante” não tem conjugação diferente para os dois géneros a não ser pelo uso do artigo que a antecede, i.e. “o estudante” versus “a estudante”. Mas que tem, tem! Logo, o Cartão DE Cidadão tem, propositadamente, uma existência sem género porque sem artigos indicativos de tal. Os senhores deputados atribuíram-lhe um género masculino no diploma onde lhe chamam sempre “Cartão DO Cidadão”, mas no cartão em si tal confusão é inexistente.

Passemos à frente. Na língua portuguesa (não só nesta língua, aliás; o francês é outro exemplo), o substantivo masculino é usado para referir o masculino e o feminino quando usado numa forma de plural. Ex: “Os pais do João” é, geralmente, entendido como “o pai e a mãe do João” e não como “o João foi adotado por um casal gay”; “os meninos da minha turma” pressupõe os rapazes e raparigas que lá estão e não que a turma é composta apenas por rapazes. É a língua oficial que temos; como diz o outro, é o que há. Outra questão ainda é que o substantivo masculino em português pode referir, por congregação, o género feminino, tornando-se neutro, quando refere realidades genéricas e pluralistas, por ex: “o Homem é um ser social”, i.e. a Humanidade, homens e mulheres. É nesta última que se enquadra o Cartão de Cidadão, que enquadra cidadãos e cidadãs, portugueses e portuguesas.

A língua portuguesa, no seu estado atual, não é inclusiva? Isso é outro debate, que podemos travar, considerando a “gender neutral language”, uma ideia cada vez mais em voga na anglofonia. Mas é a língua portuguesa tal como ela está gramaticalmente estruturada. A não ser que estejamos a planear uma revolução gramatical da língua em grande escala (prevê-se outro acordo?), este tipo de medidas soa apenas a desconhecimento linguístico do português tal qual ele é no momento presente. A Língua é sempre reflexo da Cultura, não o contrário. Forçar o oposto não costuma gerar frutos.

Temo, além disso, a quantidade de dinheiro e meios que se vai gastar com esta brincadeira de andar a mudar o Cartão de Cidadão e que poderia ser usado para medidas muito mais inclusivas e que efetivamente ajudassem bastante mais a Igualdade. Vamos voltar sabem a quê? Ao velho e saudoso… Bilhete de Identidade! É a minha proposta: inclusiva, amarelinha (nem azul nem rosa para não incomodar), baratinha, quiçá antiquada, mas amiga do ambiente já que é reciclada.

Saturday, April 9, 2016

O Culto da Juventude


Nalgumas sociedades, como o Japão ou os Nativos Americanos, são os velhos que são reverenciados. Privilegia-se a sua experiência de vida, deduzindo que ela se traduz em sabedoria - embora isto nem sempre seja correlativo, pois como se sabe nem todas as pessoas extraem saber do que viveram e, ademais, nem todos os que existiram durante alguns anos realmente terão vivido… De qualquer forma, segundo a teoria das probabilidades, é mais provável que tenham ocorrido maior número de situações aos que viveram mais anos e espera-se que tenham tido a inteligência suficiente para delas fazer fruto.

Porém, na nossa sociedade, a juventude é bem mais endeusada do que a velhice. Repare-se, desde já, na pergunta “Que idade tem, se não é indiscrição?” Dificilmente seria indiscrição se a quantidade de anos não fosse, em si mesma, um problema social. Depois, é clássico ouvir “Ah, parece bastante mais nova! Ninguém diria!” É suposto encararmos isso como um elogio. E talvez seja, se estiverem a falar da minha pele (não tenho a certeza porque a pele dos 17 anos é um verdadeiro horror… a minha, pelo menos, era o equivalente do Krakatoa em versão epidérmica).

Até quando se é jovem? A julgar pela teoria do Cartão Jovem, é-se jovem até aos 25. Mas pela teoria dos empréstimos bancários, é-se jovem até aos 35. Eu e uma amiga encontrámos marcas de produtos de beleza onde a faixa de “produtos para a juventude” tem um espectro tão largo quanto isto: alguns acabam aos 18 e outros apenas aos 45. Portanto, para alguns o início da idade legalmente adulta é o fim da juventude e para outros ela acaba no começo de uma possível menopausa. Desconfiamos que nada disto tem a ver com faixa etária – somos ambas exatamente da mesma idade mas dir-se-ia que temos uns dez anos de diferença, e quando começamos a falar essa confusão etária aumenta…

A nossa teoria é a seguinte: há um primeiro momento em que somos jovens. É o momento de felicidade em que, finalmente!, deixámos de ser crianças e, por via da fatal passagem do calendário entrámos em cheio na juventude. É aquele período que toda a gente quer e até parece que nunca mais chegava. Parece que vamos poder, enfim, fazer coisas. Pois, na verdade, até aquele momento chegar sempre quisemos ser mais velhas! Depois, por consequência, entramos noutro momento, que é o ainda somos jovens. É fácil saber se alguém está nesse momento ou não: é quando a pessoa deixa de querer ser mais velha do que é. Uma pessoa de 18 anos ainda não está satisfeita; chegou aos 18 e já percebeu que, afinal, não é assim tão diferente de ter 17 de modo que anseia pelos 21… E assim por diante. Mas é bastante mais difícil encontrar um tipo de 30 ansioso pela chegada dos 35… Vem, depois, um terceiro período que é o “já não somos jovens”.


As pessoas que aceitam bem este período último são aquelas que se estão, positivamente, nas tintas. Com isto quero dizer são que aproveitam a vida da mesma forma, mas sem crise. Isto é ser o oposto de Paul Wolscht, homem canadiano de 52 anos, pai de sete filhos, que agora se chama Stefonknee, enfiou uma saia de folhos e laço no cabelo e foi viver como filho adotivo de um casal. Wolscht declara que é agora uma menina de seis anos, e encontrou a sua verdadeira idade (e identidade). Exemplo extremo, eu sei… Mas é um caso que está a ser muito acarinhado pela comunidade transgénero. Como eu sou politicamente incorreta, tenho de dizer: Paul, não se vive duas infâncias. Já foste (neste caso, literalmente).