... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 17, 2016

Ser ou não ser...

Na quinzena, duas notícias foram manchete nos E.U.A. O massacre da discoteca em Orlando e o fim(?) do julgamento de Brock Turner. Ambas são paradigmáticas de uma visão atual preocupante.

É pouco relevante que se discuta se o atirador de Orlando, Omar Mateen, era muçulmano ou tinha conexões ao Estado Islâmico. Importante é perceber porque é que um homem, qualquer homem, chega a uma loja nos EUA e compra uma AR-15 (a arma com que Mateen disparou). Não é uma arma de desporto, não é uma arma de caça, não é uma arma de defesa pessoal. É o nome que se dá ao modelo civil correspondente às M16 militares e em tudo similares a estas. Portanto, um tipo entra numa loja, identifica-se, compra uma espingarda semi-automática e sai. No problem. Ninguém quer saber se ele vai matar coelhos ou seres humanos. As questões que hoje se colocam em relação à sua persona – violento, misógino, homofóbico, com um historial de abuso doméstico e possível uso de medicamentos – são questões que se deviam colocar quando alguém quer comprar uma arma... e não depois desse alguém matar 50 pessoas. O retrato psicológico de um indivíduo tem alguma utilidade depois do crime mas apenas para ajudar a prevenir crimes posteriores... nunca, jamais, terá utilidade para o crime que já se passou!

Massacres nos EUA não são novidade. É por isso que é com algum sarcasmo que reajo a imagens moralistas que nos mostram miúdos do Terceiro Mundo de arma na mão, e dizem que temos de acabar com essa desgraça. Até parece que no Primeiro Mundo (expressão engraçada!) não existe o mesmo... só que com mais dinheiro e noutro enquadramento.

Ficarei admirada se o massacre de Orlando vier mudar as leis de posse de armas nos EUA. O massacre de Sandy Hook em que morreram vinte crianças de 7 anos não mudou coisa alguma em 2012... Porque é que este mudaria? Mas talvez mude pois as crianças não votam!

Já a sentença judicial de Brock Turner no caso Estado da Califórnia vs. Turner (e não rapariga violada em plena universidade vs Turner, como alguns pensam, já que é um crime público andar a violar gente) seria humorística se não fosse lamentável.

Turner, estudante exemplar em Stanford e atleta de renome, promessa em treino para um possível lugar na equipa Olímpica, foi apanhado por dois outros alunos a violar uma colega que se encontrava inconsciente nos jardins da Universidade de Stanford. Como a rapariga só recuperou a consciência no hospital várias horas depois, nada do que ela diz é considerado prova. De facto, Turner até podia ter violado uma morta. Não estava acordada, logo o juiz não a considera factual.  O DNA de Turner não está na vítima (porque ele a penetrou com os dedos e com objetos segundo as testemunhas e as provas médicas), mas o da vítima está em Turner. O juiz considera isto uma violação menor. Ficai a saber que há graus de violação e que, assim como assim, estando ela inconsciente, um objecto ou outro, um dedo a mais ou a menos, uma ferida ou outra, tanto faz. Turner mostrou “simpatizar com a vítima” (diz a sentença) e “perceber que o álcool prejudica”. Porque Turner foi apanhado em plena “acção” (“acção” é o que está lá escrito, porque um gajo não viola; age) seria difícil não o condenar e o juíz deu-lhe seis meses de prisão, que diminui para três por boa conduta. Seguiram-se várias cartas e petições porque Turner é tão bom rapaz e tão bom atleta que há quem ache que 3 meses é muito tempo para um tipo pagar por ter sido apanhado a penetrar uma rapariga em estado comatoso.

Eu só queria saber quantos segundos o Brock faz nas suas piscinas olímpicas. Porque esses segundos, senhores, é quanto vos basta ser para poderem fazer toda a porcaria extra-aquática que vocês quiserem.


Friday, June 3, 2016

Johnny Be Good

Os Hollywood Vampires vieram tocar ao Rock in Rio. Eles são assim um mix de outras bandas, formados por Alice Cooper, Joe Perry (guitarrista dos Aerosmith) e por Johnny Depp, que é actor e cuja maior habilidade não está em tocar guitarra. Antes de continuar, quero dizer que sempre fui fã do Johnny Depp. Fã é understatement. Tinha 15 anos e gostava imenso dele. Gostava imenso dele ainda na semana passada. Fiquei muito emocionada com o “Eduardo Mãos de Tesoura” e o “Chocolat”, grandes fairy tale dos tempos modernos. Fantástico em Sweeney Todd e até lhe acho imensa graça como Jack Sparrow, Mad Hatter e o escritor de Neverland. Apesar de ser o DiCaprio a fazer um excelente papel como deficiente mental em “Who’s eating Gilbert Grape”, era do Johnny Depp (que, na verdade, não faz lá nada de especial a não ser um rapaz atraente, confuso e perdido) que eu gostava. A (minha) Natureza explica isto melhor do que eu.

Mais ou menos no mesmo dia que os Hollywood Vampires tocaram em Lisboa, chega a notícia (que só é notícia porque Depp é ele mesmo e não um anónimo): a actual mulher de Johnny Depp com a cara ferida, acusa-o de abuso físico e pede o divórcio. Então, todas as fãs do Johnny dizem que não pode ser, lá fica o nosso mito destruído, ninguém quer ver as suas ideias adolescentes estragadas, lá que o vizinho da frente bata na mulher é uma coisa, mas um ídolo nosso é que não! E toca de inundar a internet com comentários, chamando Amber Heard (actual mulher dele, e – para desgraça dela – bonitinha e não do tipo submisso) de todos os nomes que vêm no catálogo. Também há uma data de homens pró-Depp que se levantam a dizer que não pode ser, que esta Heard tem mesmo cara disto e daquilo e que as mulheres querem é dinheiro, e porque é que ela nunca se queixou,e parte para outra Johnny que há muitas que te querem.

Ele há-de haver muitas, senhores. Mas esta, em particular, já não o quer. Pois não esqueçamos que quem pede o divórcio é ela. A mim, nem me parece prova contrária o facto da sua ex mulher vir dizer que a relação anterior deles durou 14 anos e continua a ser maravilhosa. Pois se é maravilhosa, porque carga de água se divorciaram?

Eu era grande fã do Johhny Depp. Grande fã da figura que o meu imaginário construíu do Johnny Depp. Porque eu não conheço o Johnny Depp. E caso o tivesse conhecido – podia ter trabalhado no Rock in Rio, como conheço quem faça – conheceria apenas a faceta da figura que ele queria mostrar. O homem simpático, que alastra beneficiência e charme na sua vida pública, como o é toda a vida de um actor. Questão de marketing da parte dele e de ilusão da minha. Não desminto que parte da culpa da ilusão é do próprio iludido, e a mim me cabe desfazer o elo.


Não é irrelevante que esta mesma semana apareça a notícia da menina de 16 anos violada por 33 homens no Brasil. Para uns, estava a pedi-las porque era promíscua; para outros, vítima de crime. Por mais que fosse promíscua, como não ver este gangue como um grupo de criminosos? Até o gangue maior da favela brasileira onde isto aconteceu os condenou. É interessante verificar como os criminosos se condenam entre si, consoante o tipo de crime cometido mas a nossa puritana sociedade os absolve porque são todos bons rapazes... São todos actores bonitinhos.