... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 29, 2016

Silly season


A silly season não me preocupa. Preocupa-me o silly world. Vem a propósito de uma notícia que vi na net (agradeço ao Facebook de Leonor Sampaio) em que Robert Swartz, Professor Emérito da Universidade de Massachussets e Director do National Center for Teaching Thinking, revela um estudo no qual diz que “90% a 95% da população mundial não sabe pensar adequadamente”. Não é novidade; já a minha avó o dizia. Aliás, todos nós o podemos comprovar quando pensamos num fenómeno de escala tão ampla e tão assustadoramente estúpido como seja o fenómeno Trump, cujo risco de vir a governar este planeta não deixa de constitutir realidade. Portanto, empiricamente estamos bem servidos de exemplos actuais que comprovem a Academia. Mas é doloroso ver que apenas 5% a 10% pensa. Pior: a hipótese desses 5% a 10% fazer lei, governar ou ter papel de peso social é… mínima.

Swartz põe a ênfase do problema na escola, cujo foco está na memorização e não no raciocínio e cratividade e acredita que uma mudança no sistema educativo na direcção do pensamento crítico e da comunicação (já que, segundo o mesmo autor, 99% dos problemas humanos são primariamente linguísticos) vai resolver, pelo menos parte, da questão.

Não sou tão optimista nem acredito que a raíz da questão resida na escola (embora parte do assunto passe por lá). Vejamos: a primeira parte de uma ideia é o próprio gerar desta. Ora, a génese ninguém ensina a ninguém – embora se possa dar liberdade para tal ou mesmo para a multiplicidade de ideias. Perdoem-me se vos choca, mas nem todos temos a mesma capacidade geradora de pensamento. Da mesma forma que uns nascem fisicamente fortes e outros fraquinhos, uns altos e outros baixos, também temos de admitir que uns nascem intelectualmente mais robustos do que outros. Há hoje a ideia falsamente democrática de que temos todos as mesmas capacidades. Não temos. Eu gostava de ter ombros de nadadora, mas tenho literalmente uns ombros de tísica. Isto é aceite socialmente. No entanto, se falamos de capacidades mentais, certo é que é politicamente incorrecto referir que há  pessoas mais dotadas do que outras. Mas que as há, há. Atirem-me pedras.

 O que não consigo explicar é porque é que há cada vez menos pessoas mais dotadas. Exemplo: quando chegámos a George Bush Jr, todos pensámos que os E.U.A. estavam no limite da tolice. Agora, estamos capazes de erguer uma estátua ao homem que até já disse publicamente que não apoia Trump. Será a falta de capacidade intelectual humana uma degeneração genética? Eu não sei. Mas ela anda aí. Outro exemplo: há alguns anos atrás, toda a gente se ria de algumas instruções tolas que apareciam em certos produtos como “Do not iron clothes on body” (nos ferros da roupa), “may cause sleepiness” (nos comprimidos para dormir) ou “warning: contains nuts” (num pacote de amendoins)…  mas hoje são  instruções obrigatórias por lei. Assustador. Raciocinar começa a ser fora da lei.

Analisar, inferir, deduzir, comparar, clarificar, sequenciar… acredito que a escola pode e deve ajudar em tudo isso e ademais desde tenra idade pois quanto mais cedo se aprender a pensar e a pensar criticamente melhor. Planear, resolver problemas, tomar decisões, em tudo isso há certamente um papel crucial dos educadores (seja em casa seja na escola). No entanto, parece-me que esta é a construção da casa. Há que ter matéria prima para construir. Idealmente, será da conjunção de ambos – boa matéria prima e boa construção – que sai um excelente resultado. Assim, poderemos um dia (?) deixar de ver aquelas fabulosas e ao que parece essenciais instruções com que nos brindam os pacotinhos de aperitivos da American Airlines: “1) open package; 2) eat nuts.”

Friday, July 15, 2016

Sente-se a Voz

Domingo passado, o pastel de nata venceu o croissant, com grande ajuda do chocolate importado da Guiné. Foi isto que eu disse no meu Facebook na altura. Calma; gosto de futebol e reconheço-o como símbolo da cultura de um país, usado como bastião de glória, provocando em todos uma justa sensação de superação e de excitação. Vou saltar por cima das explicações bio-endorfínicas e de psicologia das multidões que explicam porque a redução de pessoas diferentes no mesmo abraço desportivo é explicável e determina o poder cativante do desporto, nomeadamente do futebol. Gostava antes de me debruçar sobre o lado psico-cultural de cada nação que está espelhado na maneira como esta joga futebol.

Por exemplo, os ingleses. Quero dizer, o Reino Unido. Deixa de ser Unido no futebol, repararam? Nem tão pouco é Grã Bretanha. Desune-se todo. Passa a ser País de Gales, Escócia e Inglaterra. Não há cá confusões. Na verdade, eles não gostam assim tanto uns dos outros que queiram partilhar uma taça. Ainda que partilhem um Primeiro Ministro, vá lá suporta-se… Mas uma taça de um campeonato, nem pensar! O futebol é a oportunidade para passarem rasteiras e darem caneladas à vontade uns aos outros. E chamarem nomes às suas mães (N.B.: o próximo que me vier dizer que um pai é tão importante como uma mãe na vida de alguém, mando-o logo a um jogo de futebol… nunca ninguém insulta o pai do árbitro!) Malgré – fica bem falar francês – a desunião ilhoa, os brits partilham todos aqueles passes compridos que nunca mais acabam. Uma pessoa vê um jogo de futebol entre britânicos e percebe que eles chutam a bola logo a km; não há passes curtos como o pessoal do sul. Porque o brit pensa “in the long run”.

Poucas coisas são tão curiosas de se ver como um jogo Itália vs Alemanha. Os italianos intimidam o adversário em cima da cara deste, têm aquela atitude de bravata como  rapazes que levam tudo à sua frente. Os alemães são frios e controlados, esquemáticos em vez de apaixonados. Insultam baixa e veladamente, mas têm muito a certeza da sua superioridade.  

Interessante também é ver Portugal vs França. Os franceses gostam de fazer jogos bonitinhos. Há dois tipos de homens franceses (qualquer mulher confirma isto): ou são muito gentis ou são muito brutos; não conhecem meio termo. Vemos no campo este tipo francês também. Quer fazer uma coisa bonita. Se não conseguir, parte para a violência e manda o CR7 embora. Mas, em boa verdade, querer fazer bonito acaba por ser um ponto fraco francês. O português não está assim tão preocupado com o floreado. A única coisa que realmente caracteriza o português é que ele não desiste. A outra coisa é que o português sempre precisou de heróis. Daí que endeuse pessoas e ainda espere pelo D. Sebastião quando está nevoeiro. O português acredita que num herói mítico reside a força de um povo. Neste momento, o português endeusou o CR7. Quando ele saíu de campo, o português muito justamente fez o que faz melhor: não só não desistiu como acreditou que ia miticamente ganhar… por ele. Veja-se o que diz Éder (provavelmente o herói injustamente mais esquecido, e Portugal historicamente está cheio deles) “Ronaldo disse-me que eu ia marcar!”. Portugal tornou-se maior sem CR7, mas pensou que era por ele e para ele, porque isso é a maneira de ser do português. Nunca, que eu tivesse visto, jogou de forma bonita. Mas jogou sempre daquela forma que o português tem de querer, com fibra de vontade.

Outro ponto interessante é este Éder guineense, este Quaresma cigano, o CR7 da Madeira e, por exemplo, os antigos Eusébio de Moçambique e Pauleta dos Açores. Esta vitória europeia, a primeira internacional de Portugal, foi em Paris, a segunda cidade no mundo (depois de Lisboa) onde habitam mais portugueses devido ao fluxo de emigrantes. Portugal cumpre, ainda hoje, um destino fora do quadrado peninsular. “Heróis do mar” não é um hino ultrapassado. 

Friday, July 1, 2016

"Europa, Nossa Mãe Rasgada"

Há cinco anos atrás, escrevi aqui um artigo intitulado “Estados Unidos da Europa” onde, entre outras coisas, afirmei que a “Europa se incompatibiliza[va], pouco a pouco, entre si.” Na época, um senhor disse-me peremptória e publicamente que eu devia ser pouco inteligente e certamente não percebia nada do que era a Europa. Tendo em conta o rumo que as coisas tomaram, a ironia do assunto é demasiada para que eu não o mencione, contrariamente ao meu hábito de não trazer mesquinhices ao papel. Mas esta era mesmo irresistível. 

Vou repescar algumas ideias, a ver se ainda são verdade nesta “baixa” Europa onde me encontro. É que existe a Europa de cima e a Europa de baixo. Mal comparado, é como as ilhas de cima e as ilhas de baixo – sabem todos do que falo. Eu só dei pelo facto de estar na Europa de baixo quando em Maio de 2008 fui em viagem de trabalho à Bélgica e ao aterrar no aeroporto dei de caras com um cartaz que ostentava as estrelinhas da União Europeia (não, não é “a estrela fria a vinte pontas nos céus de aço” contrariamente ao que disse certo político que afirmava que Nemésio elogiava a UE!!!...).  O cartaz dizia “Bienvenue à l’Europe” pelo que nos aguardava como se viéssemos de outro continente. “Mas nós não viemos da Europa?” perguntei, incrédula, ao meu colega, que era açoriano. “Parece que não… Olha, viemos! Mas foi da Europa de baixo!” E foi assim, a rir, que cunhámos o termo com que nos brindou a Europa dos que não são pobrezinhos, ou, se quiserem, a Europa dos que mandam. 

O ideal que esteve na construção de uma união de estados europeus não só era louvável mas era também pragmático. Devastada por duas Grandes Guerras, a Europa sentia que devia unir-se em ideais comuns de tolerância fraterna, em políticas que a tornassem militarmente unida e economicamente mais forte. Em suma, que a Europa não se dividisse – porque a Europa sempre foi um continente convulso. Apesar de pequeno em tamanho relativamente aos restantes, é, indubitavelmente, pleno e vasto em diferenças culturais, difíceis de harmonizar quantas vezes mesmo dentro daquilo que constitui um só dos seus países (veja-se o Reino Unido, a Espanha, e não falemos já do que até há pouco tempo era país e deixou de ser para se dividir em dois ou vários, como a República Checa e a Eslováquia, o mosaico jugoslavo ou a parte europeia da antiga URSS.) Uma união de estados europeus, um pouco similar à estrutura americana, era um sonho prático para evitar a aniquilação que as Grandes Guerras trouxeram à Europa. 

De facto, a Europa tem sido o palco de guerras muito sangrentas e não tão longínquas assim. O horror da Segunda Guerra Mundial acabou em 1945, ou seja, ainda hoje existe quem tenha passado por isso. Mesmo depois, nos anos 90 e até 2001, recordemos a guerra da ex-Jugoslávia, que fraturou completamente toda aquela área que é hoje Bósnia, Kosovo, Montenegro, Croácia, Eslovénia, Macedónia e Sérvia. E agora, a guerra que existe entre a Rússia e a Ucrânia e da qual não se fala. 

Porém, a União Europeia foi uma federação unida de estados europeus, cumprindo esse sonho? O Reino Unido nunca aderiu à moeda única e para aumentar a confusão há países fora dos estados membros onde o euro é moeda oficial: Montenegro usa o euro há anos, apesar de encavalitado no centro dos Balcãs e de não pertencer à UE. O Espaço Schengen, i.e. a abolição de controlo fronteiriço, nunca teve ligação direta com a União Europeia, pois há países que não pertencendo à UE pertencem ao Espaço Schengen, como sendo a Suiça, a Islândia, o Liechstein e há outros que sendo da UE determinam fechar o Espaço Schengen conforme se sentem ameaçados (como exemplo a França, a Alemanha, a Bélgica na sequência dos ataques terroristas deste ano). 


Os nacionalismos têm crescido avassaladoramente na Europa, dentro dos países – vemos como agora os escoceses apelam novamente à sua independência do Reino Unido – e fora destes – em manifestações da extrema direita que ascende. Foi este mesmo fator, o nacionalismo, que sempre levou a Europa à sua destruição. A Europa morre sempre por suicídio e nunca porque alguém a ataca. Certo é que sempre renasce, como fénix das cinzas. Mas primeiro morre como escorpião, mordendo a sua própria cauda.