... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 15, 2016

Sente-se a Voz

Domingo passado, o pastel de nata venceu o croissant, com grande ajuda do chocolate importado da Guiné. Foi isto que eu disse no meu Facebook na altura. Calma; gosto de futebol e reconheço-o como símbolo da cultura de um país, usado como bastião de glória, provocando em todos uma justa sensação de superação e de excitação. Vou saltar por cima das explicações bio-endorfínicas e de psicologia das multidões que explicam porque a redução de pessoas diferentes no mesmo abraço desportivo é explicável e determina o poder cativante do desporto, nomeadamente do futebol. Gostava antes de me debruçar sobre o lado psico-cultural de cada nação que está espelhado na maneira como esta joga futebol.

Por exemplo, os ingleses. Quero dizer, o Reino Unido. Deixa de ser Unido no futebol, repararam? Nem tão pouco é Grã Bretanha. Desune-se todo. Passa a ser País de Gales, Escócia e Inglaterra. Não há cá confusões. Na verdade, eles não gostam assim tanto uns dos outros que queiram partilhar uma taça. Ainda que partilhem um Primeiro Ministro, vá lá suporta-se… Mas uma taça de um campeonato, nem pensar! O futebol é a oportunidade para passarem rasteiras e darem caneladas à vontade uns aos outros. E chamarem nomes às suas mães (N.B.: o próximo que me vier dizer que um pai é tão importante como uma mãe na vida de alguém, mando-o logo a um jogo de futebol… nunca ninguém insulta o pai do árbitro!) Malgré – fica bem falar francês – a desunião ilhoa, os brits partilham todos aqueles passes compridos que nunca mais acabam. Uma pessoa vê um jogo de futebol entre britânicos e percebe que eles chutam a bola logo a km; não há passes curtos como o pessoal do sul. Porque o brit pensa “in the long run”.

Poucas coisas são tão curiosas de se ver como um jogo Itália vs Alemanha. Os italianos intimidam o adversário em cima da cara deste, têm aquela atitude de bravata como  rapazes que levam tudo à sua frente. Os alemães são frios e controlados, esquemáticos em vez de apaixonados. Insultam baixa e veladamente, mas têm muito a certeza da sua superioridade.  

Interessante também é ver Portugal vs França. Os franceses gostam de fazer jogos bonitinhos. Há dois tipos de homens franceses (qualquer mulher confirma isto): ou são muito gentis ou são muito brutos; não conhecem meio termo. Vemos no campo este tipo francês também. Quer fazer uma coisa bonita. Se não conseguir, parte para a violência e manda o CR7 embora. Mas, em boa verdade, querer fazer bonito acaba por ser um ponto fraco francês. O português não está assim tão preocupado com o floreado. A única coisa que realmente caracteriza o português é que ele não desiste. A outra coisa é que o português sempre precisou de heróis. Daí que endeuse pessoas e ainda espere pelo D. Sebastião quando está nevoeiro. O português acredita que num herói mítico reside a força de um povo. Neste momento, o português endeusou o CR7. Quando ele saíu de campo, o português muito justamente fez o que faz melhor: não só não desistiu como acreditou que ia miticamente ganhar… por ele. Veja-se o que diz Éder (provavelmente o herói injustamente mais esquecido, e Portugal historicamente está cheio deles) “Ronaldo disse-me que eu ia marcar!”. Portugal tornou-se maior sem CR7, mas pensou que era por ele e para ele, porque isso é a maneira de ser do português. Nunca, que eu tivesse visto, jogou de forma bonita. Mas jogou sempre daquela forma que o português tem de querer, com fibra de vontade.

Outro ponto interessante é este Éder guineense, este Quaresma cigano, o CR7 da Madeira e, por exemplo, os antigos Eusébio de Moçambique e Pauleta dos Açores. Esta vitória europeia, a primeira internacional de Portugal, foi em Paris, a segunda cidade no mundo (depois de Lisboa) onde habitam mais portugueses devido ao fluxo de emigrantes. Portugal cumpre, ainda hoje, um destino fora do quadrado peninsular. “Heróis do mar” não é um hino ultrapassado.