Domingo passado, o pastel
de nata venceu o croissant, com grande ajuda do chocolate importado da Guiné. Foi isto que
eu disse no meu Facebook na altura. Calma; gosto de futebol e reconheço-o como
símbolo da cultura de um país, usado como bastião de glória, provocando em
todos uma justa sensação de superação e de excitação. Vou saltar por cima das
explicações bio-endorfínicas e de psicologia das multidões que explicam porque
a redução de pessoas diferentes no mesmo abraço desportivo é explicável e
determina o poder cativante do desporto, nomeadamente do futebol. Gostava antes
de me debruçar sobre o lado psico-cultural de cada nação que está espelhado na
maneira como esta joga futebol.
Por
exemplo, os ingleses. Quero dizer, o Reino Unido. Deixa de ser Unido no
futebol, repararam? Nem tão pouco é Grã Bretanha. Desune-se todo. Passa a ser
País de Gales, Escócia e Inglaterra. Não há cá confusões. Na verdade, eles não
gostam assim tanto uns dos outros que queiram partilhar uma taça. Ainda que
partilhem um Primeiro Ministro, vá lá suporta-se… Mas uma taça de um
campeonato, nem pensar! O futebol é a oportunidade para passarem rasteiras e
darem caneladas à vontade uns aos outros. E chamarem nomes às suas mães (N.B.: o
próximo que me vier dizer que um pai é tão importante como uma mãe na vida de
alguém, mando-o logo a um jogo de futebol… nunca ninguém insulta o pai do
árbitro!) Malgré – fica bem falar francês – a desunião ilhoa, os brits partilham
todos aqueles passes compridos que nunca mais acabam. Uma pessoa vê um jogo de
futebol entre britânicos e percebe que eles chutam a bola logo a km; não há
passes curtos como o pessoal do sul. Porque o brit pensa “in the long run”.
Poucas
coisas são tão curiosas de se ver como um jogo Itália vs Alemanha. Os italianos
intimidam o adversário em cima da cara deste, têm aquela atitude de bravata como rapazes que levam tudo à sua frente. Os
alemães são frios e controlados, esquemáticos em vez de apaixonados. Insultam
baixa e veladamente, mas têm muito a certeza da sua superioridade.
Interessante
também é ver Portugal vs França. Os franceses gostam de fazer jogos bonitinhos.
Há dois tipos de homens franceses (qualquer mulher confirma isto): ou são muito
gentis ou são muito brutos; não conhecem meio termo. Vemos no campo este tipo
francês também. Quer fazer uma coisa bonita. Se não conseguir, parte para a
violência e manda o CR7 embora. Mas, em boa verdade, querer fazer bonito acaba
por ser um ponto fraco francês. O português não está assim tão preocupado com o
floreado. A única coisa que realmente caracteriza o português é que ele não
desiste. A outra coisa é que o português sempre precisou de heróis. Daí que
endeuse pessoas e ainda espere pelo D. Sebastião quando está nevoeiro. O
português acredita que num herói mítico reside a força de um povo. Neste
momento, o português endeusou o CR7. Quando ele saíu de campo, o português
muito justamente fez o que faz melhor: não só não desistiu como acreditou que ia
miticamente ganhar… por ele. Veja-se o que diz Éder (provavelmente o herói injustamente
mais esquecido, e Portugal historicamente está cheio deles) “Ronaldo disse-me
que eu ia marcar!”. Portugal tornou-se maior sem CR7, mas pensou que era por
ele e para ele, porque isso é a maneira de ser do português. Nunca, que eu
tivesse visto, jogou de forma bonita. Mas jogou sempre daquela forma que o
português tem de querer, com fibra de vontade.
Outro
ponto interessante é este Éder guineense, este Quaresma cigano, o CR7 da
Madeira e, por exemplo, os antigos Eusébio de Moçambique e Pauleta dos Açores. Esta
vitória europeia, a primeira internacional de Portugal, foi em Paris, a segunda
cidade no mundo (depois de Lisboa) onde habitam mais portugueses devido ao
fluxo de emigrantes. Portugal cumpre, ainda hoje, um destino fora do quadrado
peninsular. “Heróis do mar” não é um hino ultrapassado.