... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 1, 2016

"Europa, Nossa Mãe Rasgada"

Há cinco anos atrás, escrevi aqui um artigo intitulado “Estados Unidos da Europa” onde, entre outras coisas, afirmei que a “Europa se incompatibiliza[va], pouco a pouco, entre si.” Na época, um senhor disse-me peremptória e publicamente que eu devia ser pouco inteligente e certamente não percebia nada do que era a Europa. Tendo em conta o rumo que as coisas tomaram, a ironia do assunto é demasiada para que eu não o mencione, contrariamente ao meu hábito de não trazer mesquinhices ao papel. Mas esta era mesmo irresistível. 

Vou repescar algumas ideias, a ver se ainda são verdade nesta “baixa” Europa onde me encontro. É que existe a Europa de cima e a Europa de baixo. Mal comparado, é como as ilhas de cima e as ilhas de baixo – sabem todos do que falo. Eu só dei pelo facto de estar na Europa de baixo quando em Maio de 2008 fui em viagem de trabalho à Bélgica e ao aterrar no aeroporto dei de caras com um cartaz que ostentava as estrelinhas da União Europeia (não, não é “a estrela fria a vinte pontas nos céus de aço” contrariamente ao que disse certo político que afirmava que Nemésio elogiava a UE!!!...).  O cartaz dizia “Bienvenue à l’Europe” pelo que nos aguardava como se viéssemos de outro continente. “Mas nós não viemos da Europa?” perguntei, incrédula, ao meu colega, que era açoriano. “Parece que não… Olha, viemos! Mas foi da Europa de baixo!” E foi assim, a rir, que cunhámos o termo com que nos brindou a Europa dos que não são pobrezinhos, ou, se quiserem, a Europa dos que mandam. 

O ideal que esteve na construção de uma união de estados europeus não só era louvável mas era também pragmático. Devastada por duas Grandes Guerras, a Europa sentia que devia unir-se em ideais comuns de tolerância fraterna, em políticas que a tornassem militarmente unida e economicamente mais forte. Em suma, que a Europa não se dividisse – porque a Europa sempre foi um continente convulso. Apesar de pequeno em tamanho relativamente aos restantes, é, indubitavelmente, pleno e vasto em diferenças culturais, difíceis de harmonizar quantas vezes mesmo dentro daquilo que constitui um só dos seus países (veja-se o Reino Unido, a Espanha, e não falemos já do que até há pouco tempo era país e deixou de ser para se dividir em dois ou vários, como a República Checa e a Eslováquia, o mosaico jugoslavo ou a parte europeia da antiga URSS.) Uma união de estados europeus, um pouco similar à estrutura americana, era um sonho prático para evitar a aniquilação que as Grandes Guerras trouxeram à Europa. 

De facto, a Europa tem sido o palco de guerras muito sangrentas e não tão longínquas assim. O horror da Segunda Guerra Mundial acabou em 1945, ou seja, ainda hoje existe quem tenha passado por isso. Mesmo depois, nos anos 90 e até 2001, recordemos a guerra da ex-Jugoslávia, que fraturou completamente toda aquela área que é hoje Bósnia, Kosovo, Montenegro, Croácia, Eslovénia, Macedónia e Sérvia. E agora, a guerra que existe entre a Rússia e a Ucrânia e da qual não se fala. 

Porém, a União Europeia foi uma federação unida de estados europeus, cumprindo esse sonho? O Reino Unido nunca aderiu à moeda única e para aumentar a confusão há países fora dos estados membros onde o euro é moeda oficial: Montenegro usa o euro há anos, apesar de encavalitado no centro dos Balcãs e de não pertencer à UE. O Espaço Schengen, i.e. a abolição de controlo fronteiriço, nunca teve ligação direta com a União Europeia, pois há países que não pertencendo à UE pertencem ao Espaço Schengen, como sendo a Suiça, a Islândia, o Liechstein e há outros que sendo da UE determinam fechar o Espaço Schengen conforme se sentem ameaçados (como exemplo a França, a Alemanha, a Bélgica na sequência dos ataques terroristas deste ano). 


Os nacionalismos têm crescido avassaladoramente na Europa, dentro dos países – vemos como agora os escoceses apelam novamente à sua independência do Reino Unido – e fora destes – em manifestações da extrema direita que ascende. Foi este mesmo fator, o nacionalismo, que sempre levou a Europa à sua destruição. A Europa morre sempre por suicídio e nunca porque alguém a ataca. Certo é que sempre renasce, como fénix das cinzas. Mas primeiro morre como escorpião, mordendo a sua própria cauda.