... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 26, 2016

Elementar, meu caro...

Interroguei-me certa vez nestas crónicas sobre os anúncios de jornal explícitos e não raro acompanhados de imagem que prometiam satisfazer “todas as fantasias” dos que para lá telefonassem – sendo a prostituição ilegal em Portugal, como eram tais anúncios possíveis, ademais com número de telefone, o que desde logo facilitava à Justiça encontrar estes “fora da lei”? Outra situação igualmente estranha do ponto de vista “ilegal… mas não tanto” é esta de que hoje vos falo.

A profissão de detetive privado existe em Portugal. Não pensem que é uma coisa ao estilo Sherlock Holmes, porque o detetive privado em Portugal não é chamado pela Polícia para resolver os casos que ela não consegue resolver nem retira fios de cabelo ou de roupa para chegar a conclusões dedutivas brilhantes sobre quem assassinou Y ou raptou X. De facto, e como consta do próprio adjetivo que os define, são contratados por privados. E para quê? Para (per)seguir pessoas. Há blogs na net – o que tem piada dado o suposto secretismo da profissão - em que revelam que a esmagadora maioria do seu trabalho é desvendar suspeitas de adultério, sendo quase sempre contratados por ex ou atuais maridos para saberem todos os passos das ex ou atuais mulheres no medo de que estas tenham outros companheiros.  Enfim, são cães de fila. Esperam à porta da escola, de casa, vão consigo no comboio e andam atrás do seu carro, sentam-se ao seu lado no café, espreitam pela sua janela e incomodam as suas crianças.

Pensarão alguns: qual é o problema? Cada um gasta o seu dinheiro como quer. Isto até cria postos de trabalho. Além do mais, estes homens (e mulheres, pois também há detetives mulheres, embora menos) podem até comprar tecnologia se quiserem ser verdadeiramente new wave  – gadgets para tirar fotos disfarçadamente; chips para entrar no seu computador;  formas de aceder ao seu telemóvel e fazer escutas (estas últimas coisas já entram no âmbito de ilegalidades que têm de ter a ajuda de terceiros, mas desde que haja pessoas dispostas a agir por dinheiro neste cenário de crise económica já para não falar do cenário da crise de valores…). Convenhamos, fazem andar a economia.

O problema é simples. Se calha ser você a pessoa que está a ser visada, você é objeto de perseguição. Ora, a perseguição tornou-se, recentemente e em boa hora, crime em Portugal (Lei 83/2015 de 5 de Agosto). “A perseguição ou o assédio podem ocorrer por qualquer meio, direta ou indiretamente, desde que seja uma forma adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da pessoa alvo desse comportamento.”

Certamente, a profissão de detetive, que está enquadrada legalmente, até tem uma Associação Nacional, código deontológico e cujos membros até podem passar recibos dos valores que cobram à hora, se salvaguarda. Quando você - a visada, pois são quase sempre mulheres - fizer queixa na Polícia e identificar o indivíduo que a (per)segue, o detetive não tem mais que fazer do que identificar, posteriormente, o seu cliente.

Isto porque nunca é demais dizer que todas as obsessões acabam mal e que numa obsessão nunca há traço de inocência. Recorde-se que em 2015, 27 mulheres e seus filhos foram assassinados por “crime passional” - nome contraditório que se dá ao crime que é feito por quem, diz a Justiça mata por amor. Grande parte delas se queixavam de serem perseguidas por quem as assassinou, mas se há coisa que confirma que a Justiça é cega é esta mania de achar que faca, pistola e amor combinam porque “o drama faz parte do amor português”.


Voltando à metáfora canina anterior, bruta mas real, eu desconfio de todo o cão que não larga o osso. 

Friday, August 12, 2016

Silly season # 2

Diz-se maldosamente que em Agosto ninguém trabalha – é mentira, até porque com a quantidade de turistas que Agosto significa há muita gente cuja única coisa que faz em Agosto é trabalhar. No entanto, operadores turísticos à parte, há um certo sentimento de folga que se estende pelo país inteiro. Por isso, quem tem urgência em fazer algo, depressa descobre que não vai conseguir.
Tivemos disto exemplo quando eu e um grupo de amigos fomos, armados de boa vontade (todos) e músculo (alguns, porque eu não…), ajudar um de nós a mudar de casa. À hora marcada, lá estávamos, depois de termos feito uns quantos kms de carro – porque esta coisa dos “arredores de Lisboa” é um conceito muito vasto.

O primeiro desaire aconteceu quando não apareceram os homens das mudanças. Teria a carrinha dos móveis tido um acidente? Ter-se-iam perdido? As horas iam passando e as hipóteses iam-se tornando mais fantásticas. Teriam sido assaltados na estrada? Teriam aproveitado para surripiar os velhos móveis da avó e vendê-los a um antiquário? Por fim, para acabar com o nosso sofrimento, ao fim de algumas horas (durante as quais não atenderam o telemóvel nem telefonaram), lá contactaram a esclarecer: “Desculpe, mas não nos é possível aparecer hoje porque tivemos um problema com a viatura. Agora, só amanhã.” Só isto. Queres reclamar? Serve-te de alguma coisa? Queres os móveis, não queres? Os móveis estão connosco e damos-tos amanhã. Sem mais explicações. A ver se não te exaltas nem chateias.

Um bocado aparvalhados com esta falta de bom “customer service”, engolimos em seco e lá voltámos a fazer o caminho todo para voltar no dia seguinte. Mais aventuras nos esperavam. Nesse segundo dia, enquanto arrastávamos móveis e transpirávamos como miseráveis, foi a casa de eletrodomésticos que não entregou os ditos. Esperámos até à noite e já considerávamos dormir todos ali, como se fosse um festival de música improvisado mas com tecto (porque duche também não havia nesta casa). Depois de vários – mais de uma dezena, embora eu não tenha escutado todos – telefonemas para a dita empresa, onde sempre asseguravam  a pés juntos que o serviço “estava a caminho”, acabaram por dizer que “não, afinal parece que não é possível efectuar a entrega hoje, o que lamentamos” e “gostaria de agendar para outro dia?”

Para além do inqualificável serviço que aqui se denota, é bom notar que entre tantas chamadas de telefone e custos de gasolina, facilmente se chega à conclusão que o cliente podia ter comprado uns eletrodomésticos mais caros e melhores…

Mas a saga ainda não terminara. Entramos agora no departamento das ditas utilidades básicas. Muito antes de se mudar, já o meu colega tinha pedido as devidas instalações. Se a da água foi rápida, o mesmo não se poderá dizer das restantes. É o agendamento que não é feito e tem de ser o cliente a ligar e a insistir; é o técnico que não aparece e tem de ser o cliente (que passou a tarde em casa, à espera) a insistir com a companhia; é o técnico que vai e se esquece de fazer uma parte importante da ligação… 

Problemas do Primeiro Mundo, dirão, mas convenhamos que parece um Primeiro Mundo bastante atrasado! Sobretudo no que diz respeito ao tratamento de quem paga um serviço.  O cliente tem sempre razão? Só se for… turista.