Interroguei-me certa vez nestas
crónicas sobre os anúncios de jornal explícitos e não raro acompanhados de
imagem que prometiam satisfazer “todas as fantasias” dos que para lá
telefonassem – sendo a prostituição ilegal em Portugal, como eram tais anúncios
possíveis, ademais com número de telefone, o que desde logo facilitava à
Justiça encontrar estes “fora da lei”? Outra situação igualmente estranha do
ponto de vista “ilegal… mas não tanto” é esta de que hoje vos falo.
A profissão de detetive privado
existe em Portugal. Não pensem que é uma coisa ao estilo Sherlock Holmes,
porque o detetive privado em Portugal não é chamado pela Polícia para resolver
os casos que ela não consegue resolver nem retira fios de cabelo ou de roupa
para chegar a conclusões dedutivas brilhantes sobre quem assassinou Y ou raptou
X. De facto, e como consta do próprio adjetivo que os define, são contratados
por privados. E para quê? Para (per)seguir pessoas. Há blogs na net – o que tem
piada dado o suposto secretismo da profissão - em que revelam que a esmagadora
maioria do seu trabalho é desvendar suspeitas de adultério, sendo quase sempre contratados
por ex ou atuais maridos para saberem todos os passos das ex ou atuais mulheres
no medo de que estas tenham outros companheiros. Enfim, são cães de fila. Esperam à porta da
escola, de casa, vão consigo no comboio e andam atrás do seu carro, sentam-se
ao seu lado no café, espreitam pela sua janela e incomodam as suas crianças.
Pensarão alguns: qual é o
problema? Cada um gasta o seu dinheiro como quer. Isto até cria postos de
trabalho. Além do mais, estes homens (e mulheres, pois também há detetives
mulheres, embora menos) podem até comprar tecnologia se quiserem ser
verdadeiramente new wave – gadgets para
tirar fotos disfarçadamente; chips para entrar no seu computador; formas de aceder ao seu telemóvel e fazer
escutas (estas últimas coisas já entram no âmbito de ilegalidades que têm de
ter a ajuda de terceiros, mas desde que haja pessoas dispostas a agir por
dinheiro neste cenário de crise económica já para não falar do cenário da crise
de valores…). Convenhamos, fazem andar a economia.
O problema é simples. Se calha
ser você a pessoa que está a ser visada, você é objeto de perseguição. Ora, a
perseguição tornou-se, recentemente e em boa hora, crime em Portugal (Lei
83/2015 de 5 de Agosto). “A perseguição ou o assédio podem ocorrer por qualquer
meio, direta ou indiretamente, desde que seja uma forma adequada a provocar
medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da pessoa alvo
desse comportamento.”
Certamente, a profissão de
detetive, que está enquadrada legalmente, até tem uma Associação Nacional,
código deontológico e cujos membros até podem passar recibos dos valores que
cobram à hora, se salvaguarda. Quando você - a visada, pois são quase sempre
mulheres - fizer queixa na Polícia e identificar o indivíduo que a (per)segue,
o detetive não tem mais que fazer do que identificar, posteriormente, o seu
cliente.
Isto porque nunca é demais dizer
que todas as obsessões acabam mal e que numa obsessão nunca há traço de
inocência. Recorde-se que em 2015, 27 mulheres e seus filhos foram assassinados
por “crime passional” - nome contraditório que se dá ao crime que é feito por quem,
diz a Justiça mata por amor. Grande parte delas se queixavam de serem perseguidas
por quem as assassinou, mas se há coisa que confirma que a Justiça é cega é
esta mania de achar que faca, pistola e amor combinam porque “o drama faz parte
do amor português”.
Voltando à metáfora canina anterior,
bruta mas real, eu desconfio de todo o cão que não larga o osso.