O boom que se deu no turismo em Portugal nos últimos anos teve
consequências, sobre as quais já muito se escreveu – acerca dos prémios
(Portugal, melhor destino turístico da Europa; Lisboa, melhor cidade europeia
para viver; Portugal, país que mais prémios de turismo acumulou); acerca dos
preços que aumentaram exponencialmente (nomeadamente no aluguer de apartamentos
para quem quer viver cá e não é turista, ganhando um ordenado tuga!); acerca da
diversidade cultural com que nos vimos a braços – embora os imigrantes já a
tivessem, de pleno (eu diria de maior) direito, instaurado.
Isto tem piada quando se mistura
aqui a questão do burkini. Primeiro, e para que a questão fique arrumada,
esclareço que não sou nem contra nem a favor do burkini. Porque não tenho de
ter nada a ver com a maneira como alguém se veste. Seria tão ridículo eu
pronunciar-me contra ou a favor do burkini como contra ou a favor da gravata ou
da minissaia. O resto é ruído à volta do assunto.
Há questões de bom gosto na(s)
roupa(s)? Com certeza. E de bom senso também. Mas umas e outras ficam com quem
as veste. Pessoalmente (sublinho que é “pessoalmente”) eu não gosto de ver
homens com camisolas de clubes de futebol (exceto se forem mesmo jogadores) nem
homens de gravata, ou mulheres de lantejoulas nem com padrões de zebra. E
também não gosto de ver homens de lantejoulas e zebrados embora já ache uma
certa piada a mulheres de gravata, dependendo do estilo.
Mas, essencialmente, e
aí é que está a questão: eu não tenho nada a ver com isso. Porque raio haviam
os outros de se vestir para me agradar? E, mais importante, porque tenho eu de
policiar a aparência alheia?
Disse-me um colega que a questão
é as pessoas estarem vestidas na praia, o que já foi amplamente rebatido com o
argumento dos mergulhadores, dos surfistas e das mulheres da Nazaré que andam
mergulhadas na água com os seus saiotes. “Ui, mas a cara tapada”. Pura
ignorância. Não existe cara tapada num burkini – nem na maior parte das
vestimentas muçulmanas para mulheres, aliás.
“Ah, mas aquilo é um símbolo
religioso.” Mas esperem!... O Estado não é laico? Então, se os Estados europeus
são laicos permitem o uso de todo e qualquer símbolo religioso. Eu uso uma
Estrela de David ao pescoço e nunca fui atacada por usar um símbolo judeu
(sendo que sempre o usei, inclusive em país muçulmano); andei numa escola
católica e a profusão de cruzes na parede era notável e notória. Quem não
queria olhar, virava a cara.
“Oh, mas tu és feminista! Devias
estar alegre por ver um homem a defender o direito à mulher não ser oprimida. O
burkini é uma opressão.” Outra ignorância. O feminismo defende igualdade de
direitos, e não é isso que vejo quando observo uns tipos fardados a obrigar uma
mulher a despir-se porque os outros também estão despidos (nota: os polícias
estavam vestidos na praia; deviam ter-se despido, segundo a regra “na praia não
se pode ter tanta roupa”!). Suspeito que falamos de pessoas que gostam de
controlar e não de ajudar a desoprimir… E qualquer controlador é perigoso –
começa pela roupa, acaba não sabemos onde.
Mas se há homens tão subitamente
preocupados com a opressão que algumas mulheres alegadamente sofrem por
vestirem burkini, fico bem feliz. Porque seguramente esses homens estarão
também muito interessados em combater os direitos desiguais que as mulheres
sofrem a nível laboral e salarial (aí mesmo ao vosso lado), ao nível da
justiça, o número incrível de violações e abusos que existem, a violência
doméstica e sexual que passa impune, etc, etc. Ah… era só a roupa a mais na
praia que incomodava? Bem me parecia. Eu compreendo. Eu também gosto de olhar
para gente bonita. Mas elas têm o direito de querer que eu não olhe.