... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, September 9, 2016

Agora que tenho a vossa atenção...


O boom que se deu no turismo em Portugal nos últimos anos teve consequências, sobre as quais já muito se escreveu – acerca dos prémios (Portugal, melhor destino turístico da Europa; Lisboa, melhor cidade europeia para viver; Portugal, país que mais prémios de turismo acumulou); acerca dos preços que aumentaram exponencialmente (nomeadamente no aluguer de apartamentos para quem quer viver cá e não é turista, ganhando um ordenado tuga!); acerca da diversidade cultural com que nos vimos a braços – embora os imigrantes já a tivessem, de pleno (eu diria de maior) direito, instaurado.

Isto tem piada quando se mistura aqui a questão do burkini. Primeiro, e para que a questão fique arrumada, esclareço que não sou nem contra nem a favor do burkini. Porque não tenho de ter nada a ver com a maneira como alguém se veste. Seria tão ridículo eu pronunciar-me contra ou a favor do burkini como contra ou a favor da gravata ou da minissaia. O resto é ruído à volta do assunto.

Há questões de bom gosto na(s) roupa(s)? Com certeza. E de bom senso também. Mas umas e outras ficam com quem as veste. Pessoalmente (sublinho que é “pessoalmente”) eu não gosto de ver homens com camisolas de clubes de futebol (exceto se forem mesmo jogadores) nem homens de gravata, ou mulheres de lantejoulas nem com padrões de zebra. E também não gosto de ver homens de lantejoulas e zebrados embora já ache uma certa piada a mulheres de gravata, dependendo do estilo.

 Mas, essencialmente, e aí é que está a questão: eu não tenho nada a ver com isso. Porque raio haviam os outros de se vestir para me agradar? E, mais importante, porque tenho eu de policiar a aparência alheia?

Disse-me um colega que a questão é as pessoas estarem vestidas na praia, o que já foi amplamente rebatido com o argumento dos mergulhadores, dos surfistas e das mulheres da Nazaré que andam mergulhadas na água com os seus saiotes. “Ui, mas a cara tapada”. Pura ignorância. Não existe cara tapada num burkini – nem na maior parte das vestimentas muçulmanas para mulheres, aliás.

“Ah, mas aquilo é um símbolo religioso.” Mas esperem!... O Estado não é laico? Então, se os Estados europeus são laicos permitem o uso de todo e qualquer símbolo religioso. Eu uso uma Estrela de David ao pescoço e nunca fui atacada por usar um símbolo judeu (sendo que sempre o usei, inclusive em país muçulmano); andei numa escola católica e a profusão de cruzes na parede era notável e notória. Quem não queria olhar, virava a cara.

“Oh, mas tu és feminista! Devias estar alegre por ver um homem a defender o direito à mulher não ser oprimida. O burkini é uma opressão.” Outra ignorância. O feminismo defende igualdade de direitos, e não é isso que vejo quando observo uns tipos fardados a obrigar uma mulher a despir-se porque os outros também estão despidos (nota: os polícias estavam vestidos na praia; deviam ter-se despido, segundo a regra “na praia não se pode ter tanta roupa”!). Suspeito que falamos de pessoas que gostam de controlar e não de ajudar a desoprimir… E qualquer controlador é perigoso – começa pela roupa, acaba não sabemos onde.

Mas se há homens tão subitamente preocupados com a opressão que algumas mulheres alegadamente sofrem por vestirem burkini, fico bem feliz. Porque seguramente esses homens estarão também muito interessados em combater os direitos desiguais que as mulheres sofrem a nível laboral e salarial (aí mesmo ao vosso lado), ao nível da justiça, o número incrível de violações e abusos que existem, a violência doméstica e sexual que passa impune, etc, etc. Ah… era só a roupa a mais na praia que incomodava? Bem me parecia. Eu compreendo. Eu também gosto de olhar para gente bonita. Mas elas têm o direito de querer que eu não olhe.