... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, September 23, 2016

Competir


A única coisa que me entristece no início de um novo ano letivo é saber que começou mais uma competição. Cada ano, este espírito se intensifica. Os alunos da Universidade competem entre eles, mesmo que digam que não. Por seu lado, os docentes, árbitros no jogo dos alunos, também competem! Chegados ao fim do ano, se estamos no top dos professores, muito bem. Se não estamos no pódio, é como nos Jogos Olímpicos: de pouco nos serviu participar.

No entanto, o que mais me preocupa como ser humano não é esta competição de gente adulta. É a competição que se instila nos miúdos desde o primeiro dia da sua vida (pré)escolar.

De forma generalizada, ser “o melhor da sua aula” é a ambição incutida em toda a criança por pais e professores. Saudável e desejável se estivermos a falar da ampliação de conhecimentos. Porém, o mais comum é estarmos a falar tão somente da obtenção de uma nota. Há crianças portuguesas que fazem festa de graduação da Pré – parece piada, mas não… A Pré é levada a sério. Como se não tivessem muitos anos para serem sérios sem terem de começar já aos 5, de beca fingida e capelo.

Os exames nacionais começam no 2º ano de escolaridade. Há crianças que passam verdadeiros tormentos por causa disto, não tanto pelo que significa (todos nós fizemos exames e sobrevivemos) mas pela pressão que os pais lhes incutem – “Vê lá não fiques atrás do João!” “Não apanhes pior nota que a Maria!” De facto, há pais que, como treinadores desportivos nunca iam fazer fortuna, tal é a ansiedade que vertem. São os mesmos que stressam imenso com os trabalhos de casa e os de férias - não há maior contra senso do que a frase “trabalhos de férias”, aliás.  Levantaria burburinho de sindicato caso a criança fosse um trabalhador, mas toda a mãe e todo o professor sabem do que falo.

 A criança trabalha mais do que um adulto, se formos a pensar corretamente. Deveria dormir bastante mais do que um adulto e ter mais horas de lazer porque, literalmente, aprende com a experiência da brincadeira. Mas a Educação está cheia de “metas” e corremos tanto para lá chegar, carregados de livros – em cada ano que passa, é maior o peso destes e mais a soma do dinheiro que se gasta neles. Livros são sabedoria mas quando saboreados com intenção, entendidos… Haverá tempo para tal quando os consumimos como pastilhas?

Nesta confusão, os alunos, como atletas magoados, irritam-se. Os professores, como treinadores, mal compreendidos, fazem o mesmo. Os pais, que são os mais fervorosos adeptos, invadem o campo. Não é raro jogarem todos contra todos.

As próprias férias são competitivas. Pergunta-se aos miúdos que férias tiveram e o desgraçado que não viajou, que não consumiu, é um falhado social. Como o é aquele que não tem Iphone ou Ipad ou roupa de marca. Desde cedo se ensina que a escadaria social importa.


Vivemos uma competição desregrada, mas sobretudo inútil porque estéril. O meu filho perguntou-me (por ocasião do desaire escolar de um amigo) se eu gostaria dele igualmente caso ele não fosse bom aluno. Ele gostaria de mim se eu não fosse professora da universidade? Ele ficou muito surpreendido, porque gostar de mim não tem nada a ver com a minha profissão. Pois eu gostar dele também em nada se relaciona com ele andar na escola a aprender… e a brincar, esfolar-se, arranjar namoradas, confundir vespas com abelhas, brigar e fazer as pazes com amigos e estragar as calças e os sapatos mensalmente. Ainda que eu dispensasse este último item.