... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 18, 2016

Diálogo (A)Político

-Obama amigo! Não é fácil falar contigo, pá! Já sabes que inglês não é o meu forte, mas é para isto que estão aqui os tradutores simultâneos. Vou explicar qual era a minha urgência. É que nós temos a solução para o problema do Trump.
- Nós quem?
- Nós, portugueses. Enfim, nós governo de Portugal.
- Ah sim? Um momento. (Oh, Biden, tu verificaste se isto não era da Candid Camera? Parece-me que tem todo o aspeto… Ah, é mesmo do Primeiro Ministro de Portugal… Ok) Desculpem, coisas internas. Então, têm a solução. Vamos lá saber. Convém que seja rápida que janeiro está quase aí.
- Precisamente, amigo. Não tem nada que saber. Aqui em Portugal eu sou Primeiro Ministro e não ganhei as eleições.
-… Come again?!
- Again e quantas mais vezes forem precisas, amigo. Vocês têm é que aprender connosco. Nós por cá não percebemos qual é o problema de mandarem esse tipo embora. Vai de carrinho. Ganhou? E então? Tu estás que nem podes de o ver entrar pela Casa Branca dentro. Tens de arranjar maneira de o meter fora. Não há-de ser difícil. Uma treta qualquer constitucional, uma brecha legal que se aproveite, enfim… Mas quem é, ainda por estes dias, o Presidente? És tu, aproveita enquanto podes.
- Eh…. Pois. Não pode ser. Nós aqui não fazemos as coisas dessa maneira.
- Bem vi, pá. Tu a recebê-lo, todo gentil, na Casa Branca, a dizer que há que perceber que a democracia é soberana, etc, etc, parecia que estavas a engolir 500 sapos enquanto apertavas a mão ao platinado cor de laranja. Epá, não pode ser. Vocês têm de largar essa onda de tentarem parecer gentlemen e essa coisa da democracia. Isso são cenas absolutamente ultrapassadas. O povo vota e tal, nhanha. Olha o povo vota e depois ganham gajos destes. O povo interessa mas é quando interessa, amigo.
- Na verdade, o voto popular deu a vitória aos Democratas. O Donald Trump ganhou porque o nosso sistema é um pouco diferente, existe a questão do Senado.
- Olha o Senado! Essas coisas legalistas são outra coisa que interessa apenas e quando joga a nosso favor. É como digo: vocês têm imenso a aprender com os latinos, caramba. Estão aí tão perto do Brasil, do México e afinal nunca se contagiam… Olha, cuidado, que já se ouviu dizer que a Rainha de Inglaterra mandou umas bocas sobre a democracia estar em queda nos EUA. Ainda vos apanha de volta para a Monarquia. Então agora, que estás a promover essas virtudes anglo saxónicas de bom perdedor e cavalheiresco…
- Há um tempo para tudo. A verdade é que não ganhámos.
- Arranja-se maneira de ganhar! Desenrasca-se!
- ….O tradutor não percebeu.
- É natural, pá. Dá-se um jeito, faz-se um arranjinho.
- … Continua a não perceber.
- Epá, salta-se para a cadeira. Não ganhar é irrelevante. O importante é sentar no spot. Olha, já te aconselhei, meu velho. Faz o que puderes que nós por cá assim que o Trump ganhou metemos logo cartazes por Lisboa inteira a mostrar que não somos lá grandes amigos dele. Sem hostilizar, claro. Cenas com piada. Nós, aqui, somos um país cheio de piadas. Até um dia, companheiro.
- Bye… (Oh, Biden… Vocês passam-me cada telefonema! Afinal, isto era ou não uma gag? Era, não era?)


Saturday, November 5, 2016

Amor

Um amigo meu, grego ortodoxo de origem, disse-me que o seu nome significa "aquele que é amado”. Com este significado, eu só conhecia o nome judeu "David" mas ele explicou que o seu nome – “Agapitos” - contem a mesma semântica.

Apaixonada pelas línguas, perguntei-lhe como se dizia "Amor" em grego. "Mas qual das variantes?" questionou ele. Não percebi. Ele insistiu: “Qual das variantes de Amor?”

A língua grega distingue vários tipos de Amor. Porque uma língua reflete uma cultura e a verdade é que usamos a mesma palavra Amor para sentimentos tão diferentes. Os ingleses, então, exageram! Love serve para tudo desde "I love coffee" a "I love walking in the rain" a "I love you" - e a facilidade com que dizem este "I love you" é mesmo impressionante... sem o peso, quase sentencial, de "Eu amo-te". Os portugueses não gostam de "Eu amo-te". Parece muito definitivo e comprometedor. Mas mesmo usando o subterfúgio "Eu gosto de ti" não há volta a dar quanto ao sentimento porque estamos sempre a falar do substantivo Amor

Os gregos não. Os gregos não ignoram a realidade. Aos vários tipos de Amor deram palavras completamente diferentes. Arrumaram o assunto sem confusões. 

Agápe é a raiz do nome do meu amigo. Agápe é o Amor por excelência, o Amor incondicional, a afeição profunda, a paz no Amor, a partilha no Amor, o Amor que não se incomoda por fazer sacrifícios, o Amor que está presente, o Amor, ponto final. É possível senti-lo por um Deus, um filho, um companheiro, um cão. Na língua grega, não há distinção de por quem se pode sentir este Amor assim. É o sentimento que conta, não o "objecto" dele.

Mas há outros tipos de Amor e todos sabemos disso. Talvez se misturem, por vezes. Atire a primeira pedra quem nunca fez confusão ou até se iludiu durante anos.  

Eros é o Amor que inclui desejo e, logo, vontade de proximidade e intercâmbio físico. O Amor íntimo. Os gregos acreditam que o corpo é uma celebração, nunca uma vergonha, jamais um pecado e que a intimidade é a festa da vida. Logo, Eros é a força da vida por oposição à força da morte que existe em todos os seres humanos e que é preciso combater. É muito complicado definir o Eros grego porque, instintivamente, pensamos em sexo. Mas isso não resume a essência. Eros implica querer. Mas o querer grego não se resume a tocar um corpo - ou a dar (d)o seu. É a busca da beleza enquanto ideal de perfeição e, nessa senda, a sensualidade acaba por ser uma forma de comunicação para chegar ao não-corpóreo, ao plano transcendente. A Beleza, para os gregos, equivale à Verdade, porque são Absolutos. E chega-se ao Absoluto por meio de Eros. Mas nem todos são capazes de viver Eros desta forma tão completa e profunda. Então, Eros pode ainda dividir-se em vários planos menores.

Philia seria um Amor de companheirismo. Implica conforto, familiaridade e lealdade. Não existe nele paixão, mas existe constância. É o tipo de Amor que une ao longo do tempo. Não é encarado apenas como aquele cimento entre amigos e família, mas também como aqueles amores que nutrimos por algo que gostamos muito de fazer (daí philosophia, amor pela sabedoria). A lealdade solidifica-se numa base regular e contínua, quando a compreensão intuitiva e o gosto comum existem entre pessoas de quem gostamos muito. 

Ainda há um amor a que se chama Storge, espécie de afeição costumeira, isto é, adquirida pelo costume de estar com alguém. Uma afeição que nasce do hábito apenas. 

Se já acham que o Amor é complicado (ou que o Amor em grego é complexo) deviam ter ouvido a conversa. Então" pensei "No meio de tanta designação, torna-se mais fácil ou mais difícil explicar a alguém o que sentimos?"

"Explicar não é importante. O importante é que tu saibas o que sentes. Isso nem sempre é fácil e, por vezes, muda. Há que aprender a ouvir o próprio corpo. Mas quase todos têm uma dificuldade enorme em ouvir-se e, contrariamente, vivem cheios de pesos.” E como eu retorqui com ironia, ele calou-me daquela forma unificadora e cativante com que os gregos encaram a vida:O corpo não é um vaso da alma, como diz a vossa cultura. Trata-o bem. Escuta-o. Não está lá dentro uma substância estranha, não competem os dois… Toda tu és essa alma. És uma só." 

Por vezes, fico com a sensação de que não devia (ainda) ser professora. Afinal, sou estudante.