... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, April 26, 2018

A falsa liberdade do Diploma dos 16


Foi aprovado na Assembleia da República o diploma que permite no Registo Civil a mudança de nome e de sexo aos 16 anos, sem necessidade de relatório médico (mas não de outras autorizações).

Antes de esclarecer, reflito sobre contradições legais portuguesas relativamente à maturidade e poder de decisão que é conferido às pessoas jovens – não gosto do termo “menor” porque parece que estamos a falar de lilliputianos ou de seres efetivamente menores que os outros (em quê?).

Se o diploma aprovado for em frente, um jovem de 16 anos que não se sinta bem na sua pele masculina ou feminina pode, sem necessidade de aprovação médica, dirigir-se ao registo e mudar de sexo e de nome. É uma questão civil, pois mudanças cirúrgicas não serão efetuadas.  

Em Portugal, o mesmo jovem de 16 anos se for violado ou maltratado não pode apresentar queixa do crime. Visto que é “menor”, têm de ser os seus guardiões legais ou o médico que o viu a apresentar queixa. Só a partir dos 18 é que o jovem pode apresentar queixa de qualquer crime que lhe tenha acontecido. Antes, não tem autonomia sequer para dizer “ai”.

O mesmo jovem de 16 anos pode ser institucionalizado (como qualquer menor sujeito à lei de proteção de crianças e jovens - é discutível o quanto e de quê realmente protege). Logo, o jovem pode ser afastado da família e fechado numa instituição até alcançar a dourada idade de 18, desde que um Tribunal assim o entenda – e não, não é necessário o jovem ter cometido um crime; basta que o Estado o queira proteger, ainda que o jovem recuse ser protegido.

Esse tal jovem de 16 anos nem tão pouco tem capacidade na conjuntura legal atual para dizer com quem quer ou não estar/falar dentro da sua constelação familiar. Os jovens, como as crianças, são obrigados a manter contacto com todos os seus familiares (mesmo aqueles que os maltrataram) até aos 18 anos. Dão-se casos absurdamente caricatos, como o da jovem A.L. que, forçada a manter contato com o pai, instaurou um processo de abuso contra este assim que atingiu a maioridade (pois o abuso não prescreve e a obrigação da manutenção do contacto “incendiou” a revolta).

Voltemos ao diploma aprovado. Segundo o diploma, continua a ser necessária autorização parental para esta mudança de sexo e de nome no cartão de cidadão por parte de um jovem de 16 anos; só não é necessária autorização médica.

Jovens, vocês costumam discutir com os vossos médicos ou com os vossos pais?  Não vejo em que reside a apregoada autonomia do jovem de 16 anos prometida pela Assembleia. Se os pais não quiserem, não muda de sexo nem de nome e pronto! Que liberdade de fachada é esta? Com a agravante que a Assembleia não explicou isto a ninguém e passou a todos um atestado de ignorância.

Portugal vive em dissonância cognitiva. Por um lado, quer ser pioneiro, moderno, pró LGBTI. Por outro, não reconhece nem autonomia nem maturidade aos jovens se os progenitores não disserem ámen. Dá-lhes aqui um falso rebuçado, numa operação de cosmética partidária e pôs o país todo a discutir sem saber o que discute.

Thursday, April 12, 2018

O Efeito Dunning-Kruger


Ninguém é bom avaliador das suas capacidades, sejam quais forem. As palavras de Confúcio “O verdadeiro conhecimento é conhecer a extensão da nossa ignorância” encontram eco em Sócrates “Só sei que nada sei” mas, tirando os realmente dotados, os restantes não conseguem aceitar e nem sequer capacitar-se de que sabem, efetivamente, pouco.

Este aparente paradoxo não é constatação minha; é antes uma teoria comprovada por Dunning e Kruger, investigadores da Universidade de Cornell, no ano 2000. Os cientistas inspiraram-se em McArthur Wheeler que, em 1995, roubou um banco sem qualquer tipo de disfarce, convencido de que por se ter vaporizado abundantemente com sumo de limão seria invisível para as câmaras de segurança. Após ser apanhado e confrontado com as imagens, Wheeler continuou a negar ser o ladrão e afirmou que tudo se tratava de uma montagem. Este absurdo, que roça o ridículo, levou a que Dunning e Kruger se interrogassem sobre excesso de confiança e realizassem uma série de experiências nas quais pediram que os sujeitos avaliassem as suas capacidades de sentido de humor, conhecimento gramatical e raciocínio lógico. Na tentativa de estudar a metacognição dos indivíduos, pediram-lhes que pré-avaliassem os seus resultados. Conclusão: os que obtiveram piores resultados foram os que mais se sobre-estimaram (em proporção estatística) – por exemplo, para uma taxa de sucesso de 12%, os participantes avaliavam o seu sucesso em 62%. Em oposto a esta tendência, os que melhores resultados obtinham sub-estimavam as suas auto-avaliações, embora não de modo tão drástico.

Posteriormente, os participantes eram confrontados com o resultado real. Os incompetentes eram absolutamente incapazes de reconhecer a sua incompetência. Esta característica era tão mais relevante quanto sobressaía relativamente ao grau, isto é quanto mais incompetente o sujeito era menos capaz era de o reconhecer, mesmo confrontado com factos. Por outro lado, quanto mais competente mais capaz era de receber feedback negativo em relação às suas falhas e de as modificar, incorporando mecanismos e ações necessários para tal.  Relativamente aos que obtinham os melhores resultados, era curioso verificar que o feedback positivo era benéfico para o intelectualmente mais dotado, que, de forma geral, tem tendência a menosprezar-se. Conclusão importante: a pessoa estúpida realmente não tem consciência da sua estupidez.

Muitas experiências posteriores foram feitas com o mesmo objetivo teórico (Ehrlinger, 2008; Ferraro, 2010; Schloesser, 2013; Sheldon, 2014). Verificou-se sempre o mesmo resultado, sendo que inclusivamente se notou que a pessoa pouco dotada reage de forma agreste quando confrontada com as suas limitações, colocando a “culpa” na própria questão ou questionando a validade do teste que lhe fazem.

O inteligente reconhece que é inteligente, mas coloca sempre muita ênfase em tudo aquilo que não sabe; por sua vez, o tolo sofre de uma ilusão de competência em tudo paralela ao seu grau de tolice.

Mas se o tolo comete o erro de se propagandear especialista, já o mais dotado comete também um erro: não raro quanto mais inteligente é mais inteligentes julga os seus pares, daí resultando que tem muita dificuldade em relacionar-se com a falta de lógica que depois encontra neles por pensar que advém de uma brincadeira ou má fé e não de verdadeira estupidez.

Segundo os estudos, a parte menos inteligente da população constitui a parte esmagadora. Mas haja esperança: é possível combater (alguma) tolice por meio da educação, mas só desde que haja abertura de espírito para receber informação porque quem acredita já saber tudo nunca aprende. Assim, agradeço ao meu colega Brian que me explicou o que é o efeito Dunning-Kruger - até ontem eu não sabia!