Foi aprovado na Assembleia da
República o diploma que permite no Registo Civil a mudança de nome e de sexo
aos 16 anos, sem necessidade de relatório médico (mas não de outras
autorizações).
Antes de esclarecer, reflito
sobre contradições legais portuguesas relativamente à maturidade e poder de
decisão que é conferido às pessoas jovens – não gosto do termo “menor” porque
parece que estamos a falar de lilliputianos ou de seres efetivamente menores
que os outros (em quê?).
Se o diploma aprovado for em
frente, um jovem de 16 anos que não se sinta bem na sua pele masculina ou
feminina pode, sem necessidade de aprovação médica, dirigir-se ao registo e
mudar de sexo e de nome. É uma questão civil, pois mudanças cirúrgicas não serão
efetuadas.
Em Portugal, o mesmo jovem de 16
anos se for violado ou maltratado não pode apresentar queixa do crime. Visto
que é “menor”, têm de ser os seus guardiões legais ou o médico que o viu a
apresentar queixa. Só a partir dos 18 é que o jovem pode apresentar queixa de
qualquer crime que lhe tenha acontecido. Antes, não tem autonomia sequer para dizer
“ai”.
O mesmo jovem de 16 anos pode ser
institucionalizado (como qualquer menor sujeito à lei de proteção de crianças e
jovens - é discutível o quanto e de quê realmente protege). Logo, o jovem pode
ser afastado da família e fechado numa instituição até alcançar a dourada idade
de 18, desde que um Tribunal assim o entenda – e não, não é necessário o jovem
ter cometido um crime; basta que o Estado o queira proteger, ainda que o jovem recuse
ser protegido.
Esse tal jovem de 16 anos nem tão
pouco tem capacidade na conjuntura legal atual para dizer com quem quer ou não
estar/falar dentro da sua constelação familiar. Os jovens, como as crianças,
são obrigados a manter contacto com todos os seus familiares (mesmo aqueles que
os maltrataram) até aos 18 anos. Dão-se casos absurdamente caricatos, como o da
jovem A.L. que, forçada a manter contato com o pai, instaurou um processo de
abuso contra este assim que atingiu a maioridade (pois o abuso não prescreve e
a obrigação da manutenção do contacto “incendiou” a revolta).
Voltemos ao diploma aprovado.
Segundo o diploma, continua a ser necessária autorização parental para esta
mudança de sexo e de nome no cartão de cidadão por parte de um jovem de 16
anos; só não é necessária autorização médica.
Jovens, vocês costumam discutir
com os vossos médicos ou com os vossos pais?
Não vejo em que reside a apregoada autonomia do jovem de 16 anos
prometida pela Assembleia. Se os pais não quiserem, não muda de sexo nem de
nome e pronto! Que liberdade de fachada é esta? Com a agravante que a
Assembleia não explicou isto a ninguém e passou a todos um atestado de
ignorância.
Portugal vive em dissonância
cognitiva. Por um lado, quer ser pioneiro, moderno, pró LGBTI. Por outro, não
reconhece nem autonomia nem maturidade aos jovens se os progenitores não
disserem ámen. Dá-lhes aqui um falso rebuçado, numa operação de cosmética
partidária e pôs o país todo a discutir sem saber o que discute.