... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, November 8, 2018

Porque Dói o Amor



Este é o tema e título de um livro de Eva Illouz, socióloga, judia, docente universitária em mais que um continente. O livro é uma análise sociológica profunda, mas, ao mesmo tempo, tem ambições não-académicas, escrito em linguagem clara para um público mais largo.

Acredito que muitos leitores, académicos e não-académicos, terão desistido do livro a meio.

Quanto aos segundos, imagino a sua desilusão ao se darem conta que não se tratava de um popular livro de auto-ajuda, desses que a autora (para minha satisfação) não vê com bons olhos. Aqui, não se encontram receitas de bem fazer para conseguir príncipes e princesas, nem tão pouco ideias sobre os homens serem de Marte e as mulheres de Vénus. Somos todos do planeta Terra, não negando que homens e mulheres são diferentes – e não se pede perdão por essa evidência, que no momento atual da nossa história tende a ser mascarada com pseudo conceitos de igualdade, quando a igualdade tem a ver com direitos (que defendo integralmente) e não com questões biológicas que, caso fossem iguais, impediriam a perpetuação da espécie.

Relativamente aos académicos, é um livro duro para o ramo da Psicologia. Na sua explicação sociológica do fenómeno da dor no amor na Modernidade – pois é da Modernidade que a autora trata - Illouz condena as nossas conceções pós-Freud em que tudo vem com um rótulo problematizante em relação ao indivíduo, sem, no entanto, lhe apresentar uma solução real. Segundo a Psicologia, as pessoas estão condenadas a terem vidas amorosas de angústia incensadas pelos traumas de infância. Illouz discorda, apresentando análises históricas. Traumas infantis sempre existiram mas perspetivas do amor como hoje o vivemos é que não. O problema não é íntimo; é histórico-social-cultural.

Nunca como hoje, por exemplo, foram as mulheres acusadas de serem tão emocionalmente dependentes e, paradoxalmente, tão dedicadas à carreira; nunca como hoje foram os homens tão incapazes de assumir um compromisso afetivo; nunca como agora foi tão difícil assumir uma relação e, sobretudo, assumi-la para si próprio acreditando numa ideia de amor sem lhe misturar cinismo, ironia ou uma finitude mais que certa (já ninguém crê na paixão que move montanhas).

Illouz traça analogias entre questões como a liberdade pós-moderna, o mercado livre, o marxismo, o feminismo, a arquitetura da escolha e do desejo na sociedade, os nossos novos valores em relação ao que é determinante enquanto sucesso e o fracasso da ideia de amor. Melhor dizendo, o fracasso do amor. A expectativa que temos, que em quase nada se coaduna com a realidade vivida. Vale a pena perceber que esta é uma questão abrangente, e determinada pelos valores culturais desta sociedade que construímos, à qual não é alheia o progresso tecnológico, a distância física fácil e uma noção de emoção de deitar fora.

Só as novas gerações entendem este livro. A minha avó não o entenderia. Alguns aspetos não são percetíveis para os nossos pais, porque o mundo hoje muda muitíssimo mais depressa. Experimentem pôr a conversar alguém de 50 e alguém de 25 anos: o abismo cultural é real, muito maior do que há apenas 20 anos atrás. O que tem isto a ver com a desilusão quase certa no amor? Leiam o livro, mas sem dramatismo. Nada como ser crente, apesar de tudo.