... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 23, 2018

Mudar de Identidade



Muita tinta fez correr Emile Ratelband, o holandês de 69 anos que decidiu encetar um processo judicial para que passasse a constar nos seus documentos que tem menos 20 anos do que realmente tem. Ratelband alega que a sua idade, com a qual não se identifica nem física nem psicologicamente, o impede tanto de arranjar emprego como lhe dificulta a vida amorosa, sendo que ambas as coisas ficariam sanadas se a perceção que os futuros empregadores e futuras namoradas tivessem dele fosse a de alguém mais jovem. Ratelband apresenta, ainda, relatórios médicos que atestam a sua excelente forma física. Ademais, protesta que o seu caso judicial não é substancialmente diferente do de outras pessoas que decidiram mudar de identidade – simplesmente, nunca antes alguém tinha protestado para mudar “apenas” a sua idade. Mas mudar de género já hoje se tornou comum, baseado na premissa “não me identifico com o género que tenho”, o que dá direito a mudar os documentos que se tem. Assim, Ratelband alega que tendo ele esta mesma razão, ademais sustentada pela medicina e razões de ordem prático-financeira e emocional, porque não pode fazer o mesmo quanto à idade?

A comunidade LGBTI tem acusado Ratelband de estar a fazer troça da grande conquista LGBTI de poder mudar de identidade legalmente. Porém, seguindo a lógica, Ratelband tem uma ambição: também ele quer mudar, não de género, mas de idade, e usa argumentos pragmáticos. Se podem outros, porque não ele? Não me parece troça, mas sim constatação para tentar ganhar o pretendido. Aliás, o tempo (e consequentemente, a idade) é uma construção do homem, que criou os calendários e cuja idade é medida de forma diferente consoante a cultura em que está. Já antes neste espaço expliquei que uma criança de um mês em Portugal pode ter dois anos na China, onde o tempo se mede de forma diferente… Logo, não me choca este pedido nem vejo a idade como algo escrito na rocha mas sim na areia.

Já em 2015, um canadiano de 52 anos, mudou de idade e de género, por alegadamente se identificar como menina… passando a viver como filha adotiva de uma família, na pele de uma menina de 6 anos. Mas aí, ninguém reclamou, todos acharam muito correto, porque reclamar seria, essencialmente, ir contra a identidade transgénero. A mim, porém, é esse caso que me põe reticências, não só porque o facto de alguém na meia idade querer voltar à infância me parece  patológico mas porque acho perigoso deixar esta pessoa em atividades com os reais miúdos de 6 anos, pois quem pode afirmar quais são as motivações que ele teve para assim se colocar livremente no mundo infantil como se fosse um dos pequeninos?

Quanto a outras mudanças de identidade, o mundo em que hoje vivemos é plural e fácil. Em Portugal, não é fácil mudar de nome – há que fazer um requerimento que passa pelo Presidente da República – mas noutros países, é o pão de cada dia; basta pagar uma pequena taxa e nem tem de se apresentar uma razão. Também se pode mudar o nome dos filhos, alegando que pensámos melhor e já não gostamos do anterior. Quanto a nacionalidades, pode-se acumular duas ou três, desde há muito. Já nem falo de mudanças tão volúveis como o estado civil. Locais há onde as próprias crianças podem decidir ser adotadas desde que tenham 10 anos, sem necessitarem do consentimento dos progenitores biológicos. Portanto, definitivamente, a identidade já não é o que era neste maravilhoso mundo novo.

 Se a Justiça serve a realidade, e não o contrário, como afirmam os LGBTI, então Ratelband tem razão: o mundo mudou há muito. Sirva-se essa igualdade a todos os insatisfeitos até porque, com tal mudança, ninguém se magoa.