John Chau, missionário evangélico,
foi recentemente morto pelos Sentineleses quando invadiu a ilha de Sentinela do
Norte com o intuito de lhes levar a ideia de Cristo, i.e. a salvação segundo os
evangélicos. Pensava eu que os tempos de missionários em busca de tornar povos
pagãos mais iluminados já fazia parte dos livros, mas enganei-me. Encontro certa
ironia no facto desta morte por um ideal religioso não ser encarada como
fanatismo. Se Chau fosse muçulmano e tivesse nascido no Médio Oriente, não
seria esse quase-suicídio em nome de Deus visto como tal? Mas é americano e
cristão, portanto tal pensamento não é exposto pelos media. Curiosa balança com
duas medidas tem a nossa sociedade! Ainda assim, há que admitir que Chau agiu ilegalmente,
já que é estritamente proibido pelo governo indiano visitar a ilha. Mas este
não é o problema maior, pois várias coisas de bem neste mundo tiveram de ser
feitas ilegalmente (e.g.: lutar contra os nazis ou acabar com a escravatura,
nenhuma delas comparável a este feito, mas apenas exemplo de que “legal” e
“ético” não são sinónimos). O problema é que Chau era pouco inteligente.
Primeiro, sabia que estava a colocar a sua vida em risco – ou era um narcisista
que desejava ser lembrado como “mártir” ou um completo idiota; segundo,
dirigiu-se aos indígenas falando-lhes em inglês quando eles não conhecem o
idioma, logo era de esperar que levasse com flechas porque os indígenas não
sabiam se Chau falava de canibalismo ou de amor. Como pretendia ele levar-lhes
a palavra de Cristo de rajada se eles não percebiam patavina da linguagem?
Noutro espectro religioso, a 2 de
dezembro começou Hanukkah, a festa das luzes judaica. Em 2016, coincidiu ser na
noite de Natal, o que não é nada comum e levou a que o meu pai contasse algumas
piadas. Tudo isto me leva ao tema da tolerância religiosa e do pensamento e
direito individuais.
Como todos, eduquei o meu filho
dentro das minhas tradições e crenças. Não obstante, procurei dar resposta às
suas (inúmeras!) perguntas e mostrar-lhe que há quem acredite noutras coisas, o
que não foi difícil, já que convivíamos com outras culturas. Assim, ele foi à
sinagoga, foi também à igreja católica, e – mais tarde, com colegas – a uma
igreja protestante e a um templo budista. Tem, também, colegas hindus. Disto,
resultou algo curioso que foi ele comunicar-me, do alto dos seus dez maduros anos
de idade, que “fez uma decisão sobre Deus”. Acontece que a sua decisão… não é a
minha. “Espero que não fiques triste, mãe, eu já decidi aquilo em que acredito.”
Não é inusitado ele pensar por si.
Já aos três anos, me informou com solenidade que tinha escolhido a sua equipa
de futebol, diferente da minha e dos coleguinhas. Apesar do colégio onde andava
ser junto do Estádio da Luz, afirmou “Sou dos outros.” Sei que nem todas as
crianças têm uma persona tão firme e independente, mas, regra geral, todos
lutamos pelo nosso direito à individualidade.
É um direito ser o que queremos. Escolher
as nossas crenças e amores. Impor a nossa verdade aos outros não é dar-lhes a
salvação. É oferecer-nos um espelho. Tais atitudes costumam resultar pouco com
seres humanos, sejam eles nossos filhos ou vivam em ilhas do outro lado do
globo. Como a ciência atual tem provado, até um clone tem tendência à revolução.