... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 7, 2018

Verdade ou Consequência



John Chau, missionário evangélico, foi recentemente morto pelos Sentineleses quando invadiu a ilha de Sentinela do Norte com o intuito de lhes levar a ideia de Cristo, i.e. a salvação segundo os evangélicos. Pensava eu que os tempos de missionários em busca de tornar povos pagãos mais iluminados já fazia parte dos livros, mas enganei-me. Encontro certa ironia no facto desta morte por um ideal religioso não ser encarada como fanatismo. Se Chau fosse muçulmano e tivesse nascido no Médio Oriente, não seria esse quase-suicídio em nome de Deus visto como tal? Mas é americano e cristão, portanto tal pensamento não é exposto pelos media. Curiosa balança com duas medidas tem a nossa sociedade! Ainda assim, há que admitir que Chau agiu ilegalmente, já que é estritamente proibido pelo governo indiano visitar a ilha. Mas este não é o problema maior, pois várias coisas de bem neste mundo tiveram de ser feitas ilegalmente (e.g.: lutar contra os nazis ou acabar com a escravatura, nenhuma delas comparável a este feito, mas apenas exemplo de que “legal” e “ético” não são sinónimos). O problema é que Chau era pouco inteligente. Primeiro, sabia que estava a colocar a sua vida em risco – ou era um narcisista que desejava ser lembrado como “mártir” ou um completo idiota; segundo, dirigiu-se aos indígenas falando-lhes em inglês quando eles não conhecem o idioma, logo era de esperar que levasse com flechas porque os indígenas não sabiam se Chau falava de canibalismo ou de amor. Como pretendia ele levar-lhes a palavra de Cristo de rajada se eles não percebiam patavina da linguagem?

Noutro espectro religioso, a 2 de dezembro começou Hanukkah, a festa das luzes judaica. Em 2016, coincidiu ser na noite de Natal, o que não é nada comum e levou a que o meu pai contasse algumas piadas. Tudo isto me leva ao tema da tolerância religiosa e do pensamento e direito individuais.
Como todos, eduquei o meu filho dentro das minhas tradições e crenças. Não obstante, procurei dar resposta às suas (inúmeras!) perguntas e mostrar-lhe que há quem acredite noutras coisas, o que não foi difícil, já que convivíamos com outras culturas. Assim, ele foi à sinagoga, foi também à igreja católica, e – mais tarde, com colegas – a uma igreja protestante e a um templo budista. Tem, também, colegas hindus. Disto, resultou algo curioso que foi ele comunicar-me, do alto dos seus dez maduros anos de idade, que “fez uma decisão sobre Deus”. Acontece que a sua decisão… não é a minha. “Espero que não fiques triste, mãe, eu já decidi aquilo em que acredito.”

Não é inusitado ele pensar por si. Já aos três anos, me informou com solenidade que tinha escolhido a sua equipa de futebol, diferente da minha e dos coleguinhas. Apesar do colégio onde andava ser junto do Estádio da Luz, afirmou “Sou dos outros.” Sei que nem todas as crianças têm uma persona tão firme e independente, mas, regra geral, todos lutamos pelo nosso direito à individualidade.

É um direito ser o que queremos. Escolher as nossas crenças e amores. Impor a nossa verdade aos outros não é dar-lhes a salvação. É oferecer-nos um espelho. Tais atitudes costumam resultar pouco com seres humanos, sejam eles nossos filhos ou vivam em ilhas do outro lado do globo. Como a ciência atual tem provado, até um clone tem tendência à revolução.