Não
sei quem disse “A História tem a perspetiva do vencedor”. Em boa
verdade, jamais conhecemos a versão dos vencidos, pelo menos com
latitude suficiente para que esta se possa tornar, também, parte da
História. Como tal, é legítimo afirmar que não há um
conhecimento real do passado – aliás, nem tão pouco existe um
conhecimento do presente, cujas situações também nos são
apresentadas somente sob a perspetiva do vencedor, ante o silêncio
de um vencido que não interessa às multidões.
Apesar
da História ser, afinal, histórias, continuamos a estudar o passado
de modo reverencial nas escolas, porque é importante conhecer o que
veio antes de nós, já que compreendê-lo é entender o porquê de
estarmos nesta linha atual e seria, também, fulcral para precaver
futuros (embora isso talvez seja já esperar demais, pois raramente a
História ensina algo ao Homem; a Humanidade é bicho que,
coletivamente, não aprende muito com a experiência).
Teria
eu uns 14 anos quando, pela primeira vez, me dei conta de que a
História que eu aprendia não era a mesma que se aprendia noutros
lugares. Isto é, o assunto era igual mas a narrativa era bem
diversa. Tinha uma amiga dinamarquesa, que frequentava o mesmo ano
que eu mas no seu país. Em certo momento, disse-lhe que sabia que os
Vikings eram os antepassados dos Dinamarqueses, e, o mais
delicadamente que me foi possível, acrescentei “um povo guerreiro,
bárbaro, que pilhava tudo à sua passagem, grandes marinheiros mas
destruidores e rudes.” Ela admirou-se com sinceridade: “Os
Vikings?! Foram a nossa maior glória! Os maiores descobridores de
terras, os melhores marinheiros do mundo, os exímios construtores de
barcos! Sem eles, os restantes povos nunca saberiam que existem
mundos mais além!” Felizmente, éramos ambas de temperamento
flexível, mas ficámos bastante confusas quanto ao que tínhamos
aprendido nas nossas escolas, e rapidamente nos demos conta que o que
na minha cultura era relembrado como “barbárico” na dela era
exaltado como “glorioso”. Isso não deixou de nos fazer rir, bem
como desconfiar dos manuais que tínhamos…
Hoje
em dia, verifico uma história semelhante relativamente aos
Descobrimentos portugueses e ao modo como são ensinados noutros
países. Em Portugal, é a grande epopeia, o dar novos mundos ao
mundo, os heróis das caravelas, enfim, todo um imaginário mítico
sob um qual repousa um país que olha para o mar como se esperasse
que do horizonte renascessem as suas glórias passadas, mas que no
presente vive continuamente na cauda da Europa e sob esse espírito
messiânico do que há de vir.
No entanto, noutros locais, a História
portuguesa não é vista com esse glamour.
Verifico pelos manuais escolares dos meus filhos que Portugal é
visto como um descobridor relevante, sim, mas ávido de dinheiro,
brutal e primitivo, sem respeito por outras culturas e pelo ser
humano em geral, tão sôfrego que tomou más decisões contínuas e
assim perdeu o império, tão falho de bons sentimentos que os
melhores de entre os portugueses se revoltaram contra a nação e
preferiram ficar para sempre fora ou contra ela.
O
que é, então, a História quando traduzida de cultura para cultura?
Talvez a História não passe, como disse Napoleão, de uma fábula
na qual concordamos.