... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 18, 2019

Falar é Fácil


“Falar (inglês) é fácil” é o título de um livro escrito recentemente pela apresentadora Cristina Ferreira, agora tão na moda devido ao telefonema do nosso Presidente. Com o respeito devido, admito que não li o livro, mas a minha curiosidade foi desperta, não só porque o assunto diz respeito à minha formação mas também porque vi um curioso vídeo de publicidade à obra.
O livro, segundo a editora, tem a seguinte caracterização temática “Escrito em Português; Desenvolvimento Pessoal e Espiritual; Autoajuda; Guia de Conversação.” É uma caracterização infeliz para um livro que pretende, segundo a autora, ensinar a falar inglês, explicitando o método que a própria usou para aprender a língua! Um guia de conversação é o tipo de livro que carregamos numa viagem como “pronto socorro”, com estruturas básicas e vocabulário a serem usados em várias ocasiões. Não é, pois, um método consequente e gradual para aprender uma língua. Um guia é um auxiliar muito específico. De resto, um guia seria escrito em duas línguas. Quanto às etiquetas “desenvolvimento pessoal e espiritual; autoajuda”, tenho dificuldade em enquadrar métodos de aprendizagem de uma língua junto a livros que são enquadrados nestas categorias como sejam “Aprende a ser feliz”, “Meditação para todos” ou “Comunicação com o Além”. Embora se trate aqui de um método sem professor, a classificação é irrealista, quiçá perigosa, mesmo considerando que aprender uma língua torna todos mais realizados (vide observação da autora “este era o meu calcanhar de Aquiles”, sentindo-se, agora, muito mais realizada).
O vídeo em que a apresentadora fala do livro não é de bom augúrio. Primeiro, porque dura mais de 8 minutos e, durante todo este tempo, Cristina Ferreira fala apenas uns segundos em inglês. É certo que nos diz que muda de registo porque o vídeo se destina a portugueses... mas creio que eles gostariam de perceber que o método funciona?! Depois, porque ficamos a saber que a apresentadora teve aulas com um professor da Cambridge Assessment English Portugal e que passou num dos (vários) exames dos (vários) níveis que este centro tem. Não confundir, por favor, com a Cambridge University. Não são sinónimos. A Cambridge Assessment existe em vários países, funciona em centros que dão aulas e passam certificados que atestam os níveis de inglês dos alunos. Não são institutos universitários, nem é necessário sequer ter formação para se inscrever. Crianças de 7 anos podem fazer um Cambridge Assessment. Com isto, não pretendo menosprezar os certificados, mas sim esclarecer que a ideia que é passada no vídeo – de chapéu universitário na cabeça, falando em universidade – é uma ideia errada. Não se trata de uma certificação com este grau, nem pouco mais ou menos.
Se Cristina Ferreira quis fazer um livro sobre como “Falar (inglês) é fácil”, está no seu direito. Prevejo, aliás, bastante sucesso, porque se trata de uma figura pública muito conhecida e acarinhada – é o que interessa para ter razão em tudo, mesmo que não tenha.
O facto é que, às vezes, não tem. Nisto da informação que não é real, Portugal tem um problema e Cristina Ferreira ajuda. A informação não real (ou, se quisermos, falseada) acontece. Há que ter cuidado. Por exemplo, no (não tão ido) ano de 2016, Cristina Ferreira aparecia num programa com o psicólogo Quintino Aires, seu convidado, em que analisavam casos mediáticos e julgavam, a seu belo prazer e sem fundamento, a veracidade e “psicologia” dos mesmos. Nesse mesmo ano, Quintino Aires foi suspenso pela Ordem dos Psicólogos por má conduta profissional – aconselhou mães a desobedecer a um pedopsiquiatra, deixando de dar aos filhos os medicamentos receitados por este, fez afirmações públicas de racismo, entre outras, pouco ortodoxas, de natureza sexual. Isto em conversa(s) com Cristina.
Claro que a apresentadora não é responsável por isto; “apenas” conduz as questões, mete ou não lenha na fogueira, concorda, etc. Vale só o que vale a (ir)responsabilidade de um entrevistador em temas delicados.Regresso ao livro. Uma apresentadora pop escreveu um livro onde ensina (?) a falar inglês.
Há coisas que uma figura pública faz com desenvoltura e savoir faire, nomeadamente agradar às multidões. Outros assuntos devem ser ignorados ou tornam-se tiros no pé: cai-se num descrédito que prejudica a imagem, essa prenda que a vida raramente oferta consecutivamente.
Melhor seria deixar o inglês sossegado, que, em troca, os “estrangeiros” também não incomodariam...


Tuesday, January 15, 2019

Breve recordação da eterna Amiga



A nossa Amizade (à falta de melhor e mais sólida palavra) durou 24 anos. Conheceu-me adolescente, e antes de eu ver em mim a pessoa que sou, já ela me via. Leu-me, como se eu fosse um livro aberto, antes de eu conhecer bem as minhas páginas.

Nada fazia pensar que nos tornaríamos tão próximas, porque um grande fosso etário nos afastava. Mas corria, subterrâneo, aquele fio de intuição rara que liga duas pessoas predestinadas a entenderem-se e a criarem laços fortes, apesar das suas diferenças condicionais.

Por conta dessa predestinação inexplicável, um dia deixei escapar na sua presença algo que vinha guardando na minha reserva habitual e que era de partilha dolorosa e difícil. Quando a encarei de frente, encontrei-a comovida para lá do expectável. Apercebi-me, então, de um mundo invisível de experiências comuns, no seu passado e no meu (então) presente, que nos unia e que nenhuma confessava de ânimo leve. “Se há coisa que não faço com frequência é abrir a arca destas memórias” dizia ela. Desde então, a sua personalidade resiliente e fibrosa, que passava por orgulho aos olhos de tantos, passou a ser minha confidente.

Tudo nela era firmeza de valores, pensamento claro, lógica dedutiva. “Não me desqualifiquem como ser pensante” dizia quando alguém a contestava com abstrações ocas e vazias, sem ligação à realidade. A sua inteligência singular era rara, porque conhecedora dos seus pontos mais fortes e menos fortes, anímica, viva, plural, com fome do que não conhecia ainda, sem tempo para o que sabia ser inútil e admiradora fervorosa do que considerava belo e grande.

Não se retraía em explicar os seus ideais a alguém: “Não tento converter ninguém; só explico. Quem quer pensar, use a cabeça.”

No seu coração enorme não cabiam todos, ao contrário dessa vazia frase popular. Confessava: “Nem todos merecem. Mas cultivo as sementinhas dos que são importantes, sempre.”

Tinha aquela força magnética das pessoas que transformaram as muitas dores e adversidades em criação, dos que nunca se derrubam, porque a sua energia corajosa a movia como uma mola para enfrentar fosse o que fosse, contra injustiças e crueldades, sobretudo em se tratando de crianças, cujas injustiças que sofriam sempre a tocavam particularmente.

Nunca lhe pedi ajuda, mas ela sempre se ofereceu para me auxiliar. Recordo a sua postura, como uma árvore, à minha frente. Não tinha receio de enfrentar perigos, mas mesmo assim não se julgava corajosa. “Sou só menos borboleta do que tu” dizia, referindo-se à minha fragilidade física.

Tinha por hábito discutir certos assuntos da actualidade comigo e fazia-o de forma muito peculiar. Começava por apresentar o assunto que tinha lido ou ouvido nos media. Depois, perguntava a minha opinião (fundamentada e não simplesmente uma opinião “porque sim” ou um capricho pessoal). Só em seguida dava a sua. Como tínhamos sempre ideias muito parecidas, não havia grande discussão. Mas não era raro que uma dissesse um pormenor em que a outra não tinha pensado.

Outro entretenimento eram os seus esquemas escritos. Não era adepta das novas tecnologias, das quais até troçava um pouco. Mas não desistia do papel e da caneta. “Queres ouvir uma coisa?” Tinha ideias originais, era contrária a seguir a carneirada das multidões, e, sobretudo, era sagaz a ler pessoas. Por isso mesmo, retorquia, frontal, a certas hipocrisias sociais. Creio bem que era, secretamente, temida por isso. Ouvi certa pessoa de nomeada dizer que a “Prof. Maria Simas era uma instituição!” Quando lho contei, ela riu-se muito alto e contestou: “Mais acção e menos palavreado, isso é que sim!”

Muitas vezes lhe disse que ela podia ter feito uma carreira académica, mas a todos os elogios respondia “Não me carregues de adjectivos!” De resto, importavam-na mais o grande carinho dos ex-alunos, crianças que tornou em adultos, sonhos que ajudou a construir.

Falava sempre do filho, netos e nora no superlativo. Mas não era adepta da família tradicional, como fardo e obrigação. Quanto a companheiros, era firme: “não uses a palavra para nomear quem nunca acompanhou.” De progenitores, tinha a mesma visão directa: “Há pais e mães dos quais duvidamos se os filhos terão nascidos deles ou de uma flor, tal é a falta de afecto... Olha que até as ratazanas defendem os filhos quando são atacados!”

Tive a sorte de ela copiar para mim (ou antes, para o meu filho) as suas dicas de como ensinar uma criança a ler, bem como as primeiras noções de matemática, isto quando ele ainda tinha três anos. Achei prematuro, mas ela disse-me que já tinha visto muitas crianças e que tinha a certeza que ele era muitíssimo precoce, o que se veio a confirmar. “Nunca me enganei!...” disse-me, sem esconder o seu orgulho de mestra.

Fiel à sua veia de pedagoga, ouvi dela das melhores frases de orientação, das quais destaco: “Não ouças conselhos de ninguém, olha antes para as suas vidas. Se forem exemplo para ti, podes aprender alguma coisa. De contrário, segue a tua cabeça.”; “Se te desapontares com A ou com B, lembra-te que a natureza do burro é dar coices.”; “Não tenhas problemas em que certas pessoas te considerem diferente deles; isso é uma grande distinção.”; “As pessoas são como os alimentos: um pouco de todos é bom, de alguns guarda muita distância; e nunca devemos recriminar-nos por uma indigestão, porque a embalagem, geralmente, é apelativa.”; “Certos seres não têm emenda, pois sabes que o direito do anzol é ser torto.”

Porém, ultimamente, dizia-se exausta. Confidenciou um dia: “Este mundo tornou-se tão incompreensível e feio que já vou tendo menos pena de o deixar.” Deixou-o, e assim ficou um fosso onde antes estava a sua presença, a sua voz, o seu amor.

Querida Maria, jamais nos esquecemos, apenas nos habituamos à perda definitiva de alguém. O nosso encontro continua, continuará... sempre.

Thursday, January 3, 2019

Cegueira de Escolha



Suspeito que 2019 seja ano de eleições para algo, pois raro é o ano que não o é, já que há uma multiplicidade de cargos (não sei o que alguns trazem de novo, mas isso seria outra crónica).

Como tal, quero falar-vos de uma experiência da Universidade de Lund – a universidade mais bem cotada da Suécia, entre as melhores do mundo – que se intitula “Choice Blindness”. Lá, existe um laboratório de Ciência Cognitiva onde, desde 2005 até hoje, Peter Johansson, Lars Hall e outros estudam este fenómeno de cegueira de escolha e mudanças de atitude transformativas. Trata-se de perceber o fenómeno da escolha individual: até que ponto o indivíduo tem consciência plena da sua escolha e, segundo esse plano racional, porque a defende. Naturalmente isto aplica-se a todos os campos da vida, não somente à política, mas à vida pessoal, profissional, etc.

As primeiras experiências foram simples. Apresentaram-se aos sujeitos duas fotografias, para que escolhessem o rosto mais atraente. Escolhido um, tinham de justificar a sua escolha. Posteriormente, foi feito um truque, acabando os sujeitos por ficar com o rosto que tinham rejeitado. Surpreendentemente, quase ninguém reclamou (e raros deram por isso). Em seguida, foi pedido aos sujeitos para justificarem porque gostavam mais do rosto que tinham à frente. De notar que todos justificavam muito bem. Por ex: “Escolhi este porque gosto mais de morenas” (sendo que, na verdade, tinham inicialmente escolhido o rosto de uma loira que lhes tinha sido retirado!) Os resultados mostraram que, em 75% dos casos, as pessoas fantasiaram razões para os rostos que lhes calharam e que, recordo, na verdade não tinham escolhido. Tão bem o fizeram que acreditaram terem sido eles a escolher este resultado! Para “picar” os sujeitos, foi-lhes perguntado se seriam capazes de notar algum tipo de manipulação indevida na experiência. 84% responderam que sim. Finalmente, quando confrontados com a sua escolha correcta (i.e. a inicial) rejeitaram-na. 

Isto é “choice blindness”, ou, se quisermos, manipulação das nossas escolhas e a nossa própria fantasia justificativa de que estamos a escolher o que, na verdade, nunca escolhemos. Parece incrível mas raras são as pessoas que escapam a isto, por pura pressão social.

Claro que experiências posteriores incluiram questões bem mais complexas do que rostos. Uma experiência interessante intitulava-se “Levantando o Véu da Moralidade” e jogava com questões éticas. As pessoas são capazes de mudar as suas opiniões sobre questões morais, com o mesmo simples “truque de cartas” usado na experiência dos rostos, e fazem-no com a mesma rapidez e de forma assumidamente descomprometida (quanto à escolha inicial, a sua) e ferozmente defensora (quanto à segunda escolha, que passam a ver como sua).

O mesmo se passa quanto a opções de natureza política, comprovado com outra experiência, que mostrou que estas opções não são construídas mas sim assumidas, sem qualquer argumento racional, e sim por simples persuasão íntima, cuja natureza é rápida e variável, embora não tida como tal pelo indivíduo.

Mais se comprovou que os efeitos desta “cegueira de escolha” podem não raro influenciar futuras escolhas e julgamentos. Quanto mais justificativas os sujeitos davam para as escolhas finais das experiências (que não tinham sido as suas, mas que agora assumiam, inequivocamente, como tal) mais hipóteses tinham de para sempre assumir estas “novas” hipóteses como sendo mesmo suas futuramente e, assim, agarrar-se a elas. Esta ideia, denominada auto-feedback, cria raizes no facto dos indivíduos terem tendência a continuar a assumir o que já disseram publicamente (isto piora na proporção de quanto mais publicamente um assunto foi dito ou quanto mais pública determinada figura é, como se calcula).

Claro que certas questões paralelas são interessantes aqui, como seja a questão do debate. No fundo, e de acordo com estes resultados, notamos que a generalidade das pessoas não debate para discutir a sua ideia ou convicção mas tão só para fervorosamente “ficar por cima” pois, quantas vezes, nem tão pouco estará certo de qual é a “sua” ideia! Podia ser outra qualquer que a defenderia da mesma forma, desde que ganhasse!

Porém, Johansson e Hall admitem que há excepções à “cegueira de escolha”. Existem indivíduos que resistem à pressão. Para tal, basta-lhes usar de senso comum e da coragem de manter a sua individualidade.

Tenhamos, todos, um 2019 de olhos bem abertos.