Este
mês li artigos de promoção turística dos Açores em diferentes
publicações cujo título variava à roda desta ideia: “Açores,
as Caraíbas do Atlântico”. Em amigável discussão com um
açoriano do ramo do Turismo sobre este tópico, não conseguimos
acordo, já que para o meu amigo é crucial a venda do produto (por
óbvias razões) enquanto que para mim os artigos, pelo próprio
título, são publicidade enganadora e, ademais, provocam o riso.
Atente-se,
primeiro, num certo pauperismo dos conhecimentos geográficos do
construtor da ideia “Açores, Caraíbas do Atlântico”. O
problema é que as Caraíbas (as originais!) situam-se... no
Atlântico. Para os que de mim duvidam, consultem um mapa. O mar das
Caraíbas é no Oceano Atlântico. Não existe um oceano Caribenho
dentro do Oceano Atlântico, como decerto aprendemos todos na
instrução primária. Portanto, repare-se no nonsense que
isto é.
Diz-me
o meu amigo que o jornalista que concebeu esta ideia é um americano
de New York. Se foi o caso, trata-se de um idiota sem par, dado que
New York é na Costa Leste dos E.U.A. , estando as Caraíbas mais ou
menos em frente dos E.U.A. (um pouco mais abaixo). Ou seja, o senhor
tinha obrigação de saber. Tanto mais que Cristovão Colombo –
historicamente, o descobridor do continente americano – descobriu
as ditas Caraíbas, na verdade, e não a parte continental da
América. Por este simples facto se atesta a proximidade. No entanto,
como é que o dito jornalista veio aos Açores? Terá sido parte de
uma daquelas viagens promocionais para jornalistas que, depois, são
pagas com artigos? Se assim foi e se o artigo passou, primeiramente,
pela aprovação do Turismo dos Açores, então... por amor à minha
liberdade não comento, e até sublinho que tudo isto são perguntas
apenas.
Outras
questões sobre este conceito. As Caraíbas têm um clima tropical.
São a imagem de ilhas tropicais com que estamos habituados a sonhar:
mar turquesa, sol abrasador, calor de derreter. Além disso, há duas
estações: a seca e a chuvosa, sendo que uma delas implica furacões
que não são brincadeira – na zona, os furacões são
categorizados numa escala até 5, e não é raro obterem a escala
máxima. Isto é minimamente parecido com os Açores?…
Alguém
que não conheça os Açores, lê estes artigos, mune-se de fato de
banho, calção e chapéu de palhinha para passar um Verão tropical
nos Açores... Aí vem ele de rede de estender... e depara-se com um
Verão mais ao estilo do de Londres, em que chove quase de certeza
metade dos dias. O turista pensava que se ia estender em praias de
areia branca e fina... mas nada disso. Vê praias vulcânicas, claro,
e paisagens ao estilo irlandês, verdes e luxuriantes, um bocado
nevoentas quase sempre, sobretudo se se aventurar para Ocidente.
Então o hino não oficial dos Açores não é “Ilhas de Bruma”?
Brumas e nevoeiros não faltam! Quais “Caraíbas”?!
Tenho,
pois, sincera dúvida sobre a eficácia e legitimidade desta
publicidade em forma de artigo. Mas reitero com cuidado: esta é uma
opinião baseada em questões, e não pretende ofender. É que todos
sabemos que Ricardo Araújo Pereira, por exemplo, pode dizer à
vontade o que entende, mas uma mulher quando se expressa publicamente
tem destinos como o de Maria de Lurdes Rodrigues (uma académica que
foi efectivamente presa por 3 anos por bloggar na internet certas
opiniões – presa por difamação desses dois irmãos, o Estado e a
Justiça, embora ela não tenha dito nada de mais grave do que diz,
por exemplo, Miguel Sousa Tavares, sendo que a amplitude de quem o
ouve ou lê é, no caso, muito maior). Sim, isto é Portugal. Um
Portugal de quem ninguém fala – não lhes vá acontecer o mesmo.
Enfim,
reservo o direito de não concordar com o meu respeitável amigo.
Talvez as nossas visões não mais sejam iguais desde o dia em que
um de nós escolheu ficar nas ilhas e a outra escolheu sair. Já o
disse Vitorino Nemésio que, ao regressar às ilhas de passagem, se
interrogou: “Será que começamos a ser estrangeiros onde
nascemos?”. Já tantos escritores escreveram magistralmente sobre
as ilhas sem não mais as pisarem senão na escrita que só isto é
prova que as ilhas pouco mudam mas o ser humano sim, e que certos
desejos são melhor sonhados ao longe que desapontadoramente
realizados in loco.
Sendo certo que há desilusões que não
conseguimos evitar, esta deste artigo pub é certamente
evitável: não enganemos a fauna turística com vãs promessas - os
Açores não são as Caraíbas. E, já agora, não passemos por
idiotas: estamos todos no Atlântico, my friend.