... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, February 1, 2019

Açores: Caraíbas ma non troppo


Este mês li artigos de promoção turística dos Açores em diferentes publicações cujo título variava à roda desta ideia: “Açores, as Caraíbas do Atlântico”. Em amigável discussão com um açoriano do ramo do Turismo sobre este tópico, não conseguimos acordo, já que para o meu amigo é crucial a venda do produto (por óbvias razões) enquanto que para mim os artigos, pelo próprio título, são publicidade enganadora e, ademais, provocam o riso.

Atente-se, primeiro, num certo pauperismo dos conhecimentos geográficos do construtor da ideia “Açores, Caraíbas do Atlântico”. O problema é que as Caraíbas (as originais!) situam-se... no Atlântico. Para os que de mim duvidam, consultem um mapa. O mar das Caraíbas é no Oceano Atlântico. Não existe um oceano Caribenho dentro do Oceano Atlântico, como decerto aprendemos todos na instrução primária. Portanto, repare-se no nonsense que isto é.

Diz-me o meu amigo que o jornalista que concebeu esta ideia é um americano de New York. Se foi o caso, trata-se de um idiota sem par, dado que New York é na Costa Leste dos E.U.A. , estando as Caraíbas mais ou menos em frente dos E.U.A. (um pouco mais abaixo). Ou seja, o senhor tinha obrigação de saber. Tanto mais que Cristovão Colombo – historicamente, o descobridor do continente americano – descobriu as ditas Caraíbas, na verdade, e não a parte continental da América. Por este simples facto se atesta a proximidade. No entanto, como é que o dito jornalista veio aos Açores? Terá sido parte de uma daquelas viagens promocionais para jornalistas que, depois, são pagas com artigos? Se assim foi e se o artigo passou, primeiramente, pela aprovação do Turismo dos Açores, então... por amor à minha liberdade não comento, e até sublinho que tudo isto são perguntas apenas.

Outras questões sobre este conceito. As Caraíbas têm um clima tropical. São a imagem de ilhas tropicais com que estamos habituados a sonhar: mar turquesa, sol abrasador, calor de derreter. Além disso, há duas estações: a seca e a chuvosa, sendo que uma delas implica furacões que não são brincadeira – na zona, os furacões são categorizados numa escala até 5, e não é raro obterem a escala máxima. Isto é minimamente parecido com os Açores?…

Alguém que não conheça os Açores, lê estes artigos, mune-se de fato de banho, calção e chapéu de palhinha para passar um Verão tropical nos Açores... Aí vem ele de rede de estender... e depara-se com um Verão mais ao estilo do de Londres, em que chove quase de certeza metade dos dias. O turista pensava que se ia estender em praias de areia branca e fina... mas nada disso. Vê praias vulcânicas, claro, e paisagens ao estilo irlandês, verdes e luxuriantes, um bocado nevoentas quase sempre, sobretudo se se aventurar para Ocidente. Então o hino não oficial dos Açores não é “Ilhas de Bruma”? Brumas e nevoeiros não faltam! Quais “Caraíbas”?!

Tenho, pois, sincera dúvida sobre a eficácia e legitimidade desta publicidade em forma de artigo. Mas reitero com cuidado: esta é uma opinião baseada em questões, e não pretende ofender. É que todos sabemos que Ricardo Araújo Pereira, por exemplo, pode dizer à vontade o que entende, mas uma mulher quando se expressa publicamente tem destinos como o de Maria de Lurdes Rodrigues (uma académica que foi efectivamente presa por 3 anos por bloggar na internet certas opiniões – presa por difamação desses dois irmãos, o Estado e a Justiça, embora ela não tenha dito nada de mais grave do que diz, por exemplo, Miguel Sousa Tavares, sendo que a amplitude de quem o ouve ou lê é, no caso, muito maior). Sim, isto é Portugal. Um Portugal de quem ninguém fala – não lhes vá acontecer o mesmo.

Enfim, reservo o direito de não concordar com o meu respeitável amigo. Talvez as nossas visões não mais sejam iguais desde o dia em que um de nós escolheu ficar nas ilhas e a outra escolheu sair. Já o disse Vitorino Nemésio que, ao regressar às ilhas de passagem, se interrogou: “Será que começamos a ser estrangeiros onde nascemos?”. Já tantos escritores escreveram magistralmente sobre as ilhas sem não mais as pisarem senão na escrita que só isto é prova que as ilhas pouco mudam mas o ser humano sim, e que certos desejos são melhor sonhados ao longe que desapontadoramente realizados in loco

Sendo certo que há desilusões que não conseguimos evitar, esta deste artigo pub é certamente evitável: não enganemos a fauna turística com vãs promessas - os Açores não são as Caraíbas. E, já agora, não passemos por idiotas: estamos todos no Atlântico, my friend.