Recentemente, li crónicas preocupadas
com homens “públicos” constituídos arguidos, opinando como isso os poderia
prejudicar. Nada mais errado! Noutra cultura, seria expectável que suspeitas
legais fundadas em provas suficientes para julgamento beliscassem a imagem dos
ditos. Mas em Portugal passa-se o oposto. Um homem arguido é envolvido por uma
aura de compaixão, como se não fosse suspeito de crime mas sim vítima de
armadilha social ou de desgraça do destino, trapaças que merecem a
identificação do próximo que logo se solidariza com fervor.
Exemplos? Começo por Isaltino Morais.
Todos conhecem o Presidente da Câmara de Oeiras que se tornou Ministro do
Ambiente e se demitiu do Governo por suspeitas de rendimentos não declarados. “Calúnias!”
Voltou à CM de Oeiras e seguiram-se processos de branqueamento de capitais,
fraude fiscal, corrupção e abuso de poder. Isaltino saíu do PSD e foi
constituído arguido. Que lhe aconteceu? Ficou mal visto aos olhos do povo? Pelo
contrário! “Isaltino, o melhor presidente que a câmara já teve, digam o que
disserem!”; “Este homem ficou órfão de pai e mãe antes dos 18 anos e soube
fazer-se à vida!”; “É um ex combatente da Guerra, merece respeito!” e outras
coisas que pouco tinham a ver com o caso em apreço mas tudo desculpavam segundo
o vulgo. Isaltino perdeu a carreira política? Não só concorreu como ganhou,
ironicamente tornando-se Presidente da Câmara quando estava detido. As figuras
públicas desistiram de o apoiar? Não; mesmo o venerado Mário Soares, não
obstante ser de “outra cor”, afirmou que “Isaltino foi um grande presidente e
um homem muito injustiçado.” Conclusão: Isaltino arguido mais viu disparar o
apreço que lhe manifestavam do que Isaltino a quem nada se apontava!
José Sócrates. Só há pouco se
tornou persona non grata junto dos
seus correligionários e, consequentemente, caíu no esquecimento. Actualmente, já
não se vê um socialista seu apoiante depois de anos e anos de processos
mediáticos (Marquês, Independente, Freeport) e de outras questões que, não
sendo ilegais, demonstraram ética discutível, como as obras por si assinadas
serem, afinal, escritas por outrem a quem pagou para abdicar dos direitos
intelectuais. Porém, durante os anos de tempestade, foi fervorosamente
defendido quando estava detido em Évora - havia uma comissão de centenas de
pessoas para sua defesa e até “um hino socrático” escrito para o efeito. Deram-se
“n” entrevistas de figuras do partido em sua defesa. Quando mudou para prisão
domiciliária tornou-se meu vizinho, pelo que posso testemunhar que nunca o
bairro foi tão movimentado numa romaria de suporte, havendo mesmo povo que lá
ia na esperança de o ver à janela: “Coitado…é um homem muito bonito!” Esta
simpatia hormonal mexia com imensas senhoras (e senhores). A verdade é que o
Sr. Engenheiro, mesmo sem ter completado a Licenciatura em Portugal, conseguiu
fazer um Mestrado no Institut d'Études
Politiques de Paris após ser arguido e ter de ir para França! Há que
admitir que, ao menos academicamente, a condição de arguido permitiu que
subisse muito na vida!
Carlos Cruz, o conhecido apresentador
condenado a sete anos de prisão por abusos sexuais de menores. Fizeram-se mil
entrevistas ao próprio e seus familiares, onde se falava da “tristeza da filha”
(das crianças vitimadas não rezavam estas entrevistas lacrimosas), “da
dificuldade da vida prisional” e da “infância de Carlos Cruz”, tudo numa clara
tentativa de vitimizar o criminoso, e fazer esquecer as reais vítimas da
história, o que resulta muito bem. Não só Carlos Cruz escreveu 4 best-sellers, mas muitos “alguéns”(a
julgar pelo estilo de escrita) se encarregaram de manter sites na internet
sobre o seu “drama” com reflexões de apoiantes famosos deste país, que não
deixaram de se manifestar. Em casos desta natureza, interrogo-me o que ganham
com tal fervoroso apoio pois só me ocorre que seja um silêncio vantajoso do arguido/condenado.
Ronaldo. Quando foi constituído arguido,
li que isso “acabaria com a sua carreira!” Oh tristes cidadãos, que cegueira do
mundo onde habitais! A carreira do abusador é impulsionada quando não condenado,
porque fica automaticamente conotado como mais viril e mais poderoso do que
antes era – sobretudo se não tinha antes uma imagem que primava por estes
adjectivos Reparem que apesar da admissão do email em que CR diz que,
efectivamente, a senhora não consentiu (perfazendo, assim, o crime!), nem a
justiça avança nem as pessoas se convencem. Pelo contrário, defende-se que “ela
só queria ser conhecida”. É sabido que uma mulher não tem talento próprio e,
para ser conhecida, apela logo para histórias destas que, aliás, é o que dá
mais gosto contar.
Assim, não há que temer. Um homem
arguido, mormente na cultura portuguesa, não cai em desgraça. O português tem
um gosto faducho e popular que “guarda no coração o lugar do vilão.”