... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 19, 2019

A popularidade dos arguidos


Recentemente, li crónicas preocupadas com homens “públicos” constituídos arguidos, opinando como isso os poderia prejudicar. Nada mais errado! Noutra cultura, seria expectável que suspeitas legais fundadas em provas suficientes para julgamento beliscassem a imagem dos ditos. Mas em Portugal passa-se o oposto. Um homem arguido é envolvido por uma aura de compaixão, como se não fosse suspeito de crime mas sim vítima de armadilha social ou de desgraça do destino, trapaças que merecem a identificação do próximo que logo se solidariza com fervor.

Exemplos? Começo por Isaltino Morais. Todos conhecem o Presidente da Câmara de Oeiras que se tornou Ministro do Ambiente e se demitiu do Governo por suspeitas de rendimentos não declarados. “Calúnias!” Voltou à CM de Oeiras e seguiram-se processos de branqueamento de capitais, fraude fiscal, corrupção e abuso de poder. Isaltino saíu do PSD e foi constituído arguido. Que lhe aconteceu? Ficou mal visto aos olhos do povo? Pelo contrário! “Isaltino, o melhor presidente que a câmara já teve, digam o que disserem!”; “Este homem ficou órfão de pai e mãe antes dos 18 anos e soube fazer-se à vida!”; “É um ex combatente da Guerra, merece respeito!” e outras coisas que pouco tinham a ver com o caso em apreço mas tudo desculpavam segundo o vulgo. Isaltino perdeu a carreira política? Não só concorreu como ganhou, ironicamente tornando-se Presidente da Câmara quando estava detido. As figuras públicas desistiram de o apoiar? Não; mesmo o venerado Mário Soares, não obstante ser de “outra cor”, afirmou que “Isaltino foi um grande presidente e um homem muito injustiçado.” Conclusão: Isaltino arguido mais viu disparar o apreço que lhe manifestavam do que Isaltino a quem nada se apontava!

José Sócrates. Só há pouco se tornou persona non grata junto dos seus correligionários e, consequentemente, caíu no esquecimento. Actualmente, já não se vê um socialista seu apoiante depois de anos e anos de processos mediáticos (Marquês, Independente, Freeport) e de outras questões que, não sendo ilegais, demonstraram ética discutível, como as obras por si assinadas serem, afinal, escritas por outrem a quem pagou para abdicar dos direitos intelectuais. Porém, durante os anos de tempestade, foi fervorosamente defendido quando estava detido em Évora - havia uma comissão de centenas de pessoas para sua defesa e até “um hino socrático” escrito para o efeito. Deram-se “n” entrevistas de figuras do partido em sua defesa. Quando mudou para prisão domiciliária tornou-se meu vizinho, pelo que posso testemunhar que nunca o bairro foi tão movimentado numa romaria de suporte, havendo mesmo povo que lá ia na esperança de o ver à janela: “Coitado…é um homem muito bonito!” Esta simpatia hormonal mexia com imensas senhoras (e senhores). A verdade é que o Sr. Engenheiro, mesmo sem ter completado a Licenciatura em Portugal, conseguiu fazer um Mestrado no Institut d'Études Politiques de Paris após ser arguido e ter de ir para França! Há que admitir que, ao menos academicamente, a condição de arguido permitiu que subisse muito na vida!

Carlos Cruz, o conhecido apresentador condenado a sete anos de prisão por abusos sexuais de menores. Fizeram-se mil entrevistas ao próprio e seus familiares, onde se falava da “tristeza da filha” (das crianças vitimadas não rezavam estas entrevistas lacrimosas), “da dificuldade da vida prisional” e da “infância de Carlos Cruz”, tudo numa clara tentativa de vitimizar o criminoso, e fazer esquecer as reais vítimas da história, o que resulta muito bem. Não só Carlos Cruz escreveu 4 best-sellers, mas muitos “alguéns”(a julgar pelo estilo de escrita) se encarregaram de manter sites na internet sobre o seu “drama” com reflexões de apoiantes famosos deste país, que não deixaram de se manifestar. Em casos desta natureza, interrogo-me o que ganham com tal fervoroso apoio pois só me ocorre que seja um silêncio vantajoso do arguido/condenado.

Ronaldo. Quando foi constituído arguido, li que isso “acabaria com a sua carreira!” Oh tristes cidadãos, que cegueira do mundo onde habitais! A carreira do abusador é impulsionada quando não condenado, porque fica automaticamente conotado como mais viril e mais poderoso do que antes era – sobretudo se não tinha antes uma imagem que primava por estes adjectivos Reparem que apesar da admissão do email em que CR diz que, efectivamente, a senhora não consentiu (perfazendo, assim, o crime!), nem a justiça avança nem as pessoas se convencem. Pelo contrário, defende-se que “ela só queria ser conhecida”. É sabido que uma mulher não tem talento próprio e, para ser conhecida, apela logo para histórias destas que, aliás, é o que dá mais gosto contar.

Assim, não há que temer. Um homem arguido, mormente na cultura portuguesa, não cai em desgraça. O português tem um gosto faducho e popular que “guarda no coração o lugar do vilão.”