... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 30, 2020

Lexicologia das relações modernas


Na época da minha avó, as pessoas namoravam-se à janela. A minha avó conheceu o meu avô quando ele passou na rua e ela estava à janela. Eu costumava fazer troça deste evento, dizendo que, caso eu ficasse uma tarde à janela, jamais conheceria alguém. Continuo convicta disto. Porquê? Porque o mundo tinha mudado e, dentro do paradigma socio-cultural vigente, já não fazia sentido ir para a janela esperando encontrar um amor, porque ele não passaria – o mais certo era o amor estar ocupado no café, no ginásio, etc.

Posteriormente ao fulgurante raio que os fulminou naquele cruzar de olhos na rua, a minha avó e o meu avô namoraram vários anos por carta, sem se verem, mas trocando fotos, palavras e promessas incandescentes. Não encontro grandes diferenças entre isto e os namoros virtuais de hoje em dia, onde se mandam mensagens, fotos (de estilo certamente mais ousado!) e colmata-se a implacável distância geográfica com vídeo-calls, onde se faz tudo o que passa pela cabeça. Não é a cartinha perfumada do antigamente, mas o resultado eufórico nos participantes e a promessa do “estou aqui para ti, espero o dia em que te possa voltar a ver” mantem-se.

O ser humano vive de objectivos. Antigamente, as pessoas tinham como finalidade o casamento. Qual é o objectivo hoje? Não vou responder, porque há sociólogos que escreveram sobre o desnorte das relações amorosas actuais (por exemplo a icónica Eva Illouz). Vou apenas debruçar-me sobre terminologias que apareceram na minha geração e não existiam antes para falar de situações que acontecem nos relacionamentos, e que “viraram moda”.

A primeira palavrinha é “ghosting”. “Ghosting” designa o acto de desaparecer subitamente da vida do ser amado. No sábado estava tudo bem, no domingo o tipo foi raptado por extraterrestres, ou seja, desaparece sem explicação. A parte do “sem justificativa” é importante, pois quem dá explicação não se qualifica como “ghosting”. O “ghosting” implica que o ser amado deixa de aparecer, telefonar, mandar mensagens, enfim, evapora sem dizer o porquê. Nem “adeus”. Esta atitude, que é cada vez mais comum, tão comum que já ninguém estranha, pode ser final ou durar meses. Passados meses, o tipo aparece como se nada fosse (a isto chama-se “submarining”), e caso lhe perguntem o porquê do desaparecimento, ele, natural, diz que necessitou de fazer um retiro espiritual no qual jamais deixou de pensar em vocês. Como vocês são telepatas, deviam ter percebido. Na geração da minha avó, isto chamava-se “despedida à francesa”, portanto não é novo. Cobardes sempre existiram (com o devido respeito aos franceses, por quem tenho apreço e linha familiar).

Outra palavra é “breadcrumbing”, que significa não dar muita atenção a um parceiro, mas lá o ir alimentando com mensagem ali e beijo acolá, tudo muito ocasional e leve. Nada que dê azo a grandes coisas, mas o suficiente para que o dito fique com o interesse em alta, e continue a ser um contactinho que não caia, porque sabe-se lá o futuro. É necessário ter a agenda cheia, caso se venha a necessitar de uma almofada, sobretudo se cairmos da cama onde estamos. Portanto, esta é a jogada do egoísta.

Depois existe o “orbiting”, que é quando o tipo não tem coragem de falar contigo, nem sequer por telefone, mas põe “likes” e corações em tudo o que publicas nas redes sociais. Ficas assim a pensar o que raio ele quer, mas ele não diz. Ele está sempre presente, mas na verdade está ausente. Novamente, o uso da clarividência é necessário. Ou então, um belo chuto no rabo.

Existe ainda o “cushioning”, que é quando estás a pensar terminar com alguém mas, antes da estocada final, começas a olhar para as outras hipóteses que existem na praça. Ou seja, o cushioning não é almofadar a vida da pessoa com quem vais terminar, não. É amparar a tua saída com um colinho fofo que já esteja pronto para beijinhos. Quem faz isto, faz “roaching”, ou seja, esconde do companheiro que anda a pescar outros.

Podes também ser deixado em “benching”, literalmente “no banco”, o que – como qualquer adepto de futebol compreende – não é situação boa de estar. Não jogas, mas pode ser que venhas a participar caso te chamem. Sabe-se lá quando ou se. Porém, és claramente uma opção.

Existe o “LOR”, que é “Left on Read” – é quando o caramelo leu as tuas mensagens e não respondeu durante dias. Mas leu. O processo cerebral está a pensar se deve responder-te, porque S. Alteza é ocupado. Ou então é para aumentar a tua ansiedade e submissão.

O dicionário continua, mas o meu espaço está a chegar ao fim. Porém, deixo aqui a pérola do “Zombieing”, que não desejo a ninguém: é quando um terrível ex ressurge, qual morto-vivo. Pelas almas! A minha avó não tinha de lidar com estas nomenclaturas!