O Verão apresenta aquelas possibilidades de notícias tontas, antigamente
apelidadas de notícias da silly season. Era um tempo em que não havia nada que
fazer no Verão noticioso porque o mundo ia de férias e era uma época de turismo
e de lazer, longe do rodopio político e económico costumeiro. Hoje em dia, com
a loucura total e o bafiento mundo encarcerante covidiano que nos envolve, o
Verão é quase mais do mesmo e pouco tem de libertador, de novo ou até de silly
porque todo o ano é silly, ou seja, tonto e até quase surreal. Se 2020 fosse um
quadro era Dalí ou Picasso: interessante em termos de observação, mas nenhum
ser humano consegue viver muito tempo naquela paisagem sem que a sua saúde
mental não sofra um bocado. Há quem diga que este cenário do Covid-19 veio para
nos libertar (de quê? eis o debate) mas, novamente pensando em termos
artísticos, a seguir ao Surrealismo veio o Expressionismo Abstracto e até tremo
ao ver os quadros absurdos (embora seguramente cheios de liberdade, tanta que
nada se percebia) que esse movimento gerou. À conta disso, hoje pagamos para
entrar num museu e ver uma maçã meia mordida porque também isso é expressão e
toda a expressão é arte. Enfim…
O Verão é também tempo de cirurgias plásticas, para algumas classes
endinheiradas, que desejam modificar o corpinho que anda mais à mostra. Tenho
as minhas razões pessoais para não apreciar este género de obsessão, que é
demasiado comum no local onde vivo. De facto, modificar a aparência torna-se
passatempo ou até vício de forma quando é fácil. Isto conduz-nos a uma conversa
mais larga sobre identidade e à facilidade com que, hoje em dia, é possível
mudar de pele. Podemos mudar de aparência, de nome, de nacionalidade, de sexo e
de género e (com um pouco mais de trabalho) até podemos mudar de passado.
Focando-me apenas na questão da silly season e das cirurgias (fossem para
mudar de pele ou de género), encontrei um anúncio humorístico que convidava as pessoas
a fazerem uma cirurgia holística para mudarem de signo astrológico. A piada
dizia que a nova cirurgia de mudança de signo utilizava um método de radiação
para reprogramar o dia de nascimento alterando a idade celular do paciente e
recriando um Aniversário Cósmico segundo o dia desejado. O palavreado está bem
alinhavado – aliás, todos os charlatões falam muito bem, as eleições
comprovam-no em numerosos países.
O anúncio avisava ainda que os efeitos da radiação eram imprevisíveis, e
que poderiam ser necessárias umas três a quatro cirurgias até finalmente
acertar com a personalidade do paciente. Ao contrário das cirurgias de Verão de
que falei acima, esta cirurgia de mudança de signo, entendo eu bem. Reparem nas
várias vantagens. Para os do signo de Touro, Carneiro e Capricórnio é a
hipótese de finalmente deixarem de carregar com aquela incómoda e eterna
galhadura que tantos rumores e calúnias mesquinhas levanta. Para os do signo de
Virgem, cá está a almejada oportunidade de quebrarem essa castidade forçada
pelas estrelas. Os do signo de Sagitário têm aqui um momento ideal para se
tornarem pessoas de corpo inteiro e finalmente deixarem aquele incómodo de
pertencerem a duas espécies, cortados a meio do corpo, sem possibilidade de
consumarem as suas vidas como deve ser. Os do signo Gémeos podem, com
claridade, optar por ser apenas um, deixando de lado aquela bipolaridade de
serem dois, ora um, ora outro, ninguém sabe para onde viram. Os do signo de Caranguejo
veem aqui a chance de nunca mais andarem para trás nem de lado – a partir de
agora, será sempre em frente. Os do signo de Balança podem abandonar o incómodo
de terem de aparentar equilíbrio ou (Deus nos livre!) justiça e os do signo de
Leão acabam de vez com as piadinhas sobre serem o rei da selva (até porque
nunca um leão viveu na selva!). Os de Aquário vão poder sair da sua limitação
aquática para algo mais oceânico pois nunca um aquariano gostou de algo tão
pequeno e confinante como um aquário; já os de Peixes talvez fujam, não sei bem
para onde, mas para a segurança cósmica onde não haja dois peixes a nadar em
direcções opostas, boca para um lado e rabinho para o outro. Falta um e é de
propósito: quem quer, na realidade, ser conotado com um Escorpião?
Claro que aqui usei a astrologia tropical, porque se me regesse pela védica
ou pela chinesa, outra história seria contada. De qualquer forma, é o anúncio
mais divertido que encontrei ultimamente. A diversão já vai fazendo falta num
mundo onde toda a gente se anda a levar demasiadamente a sério, carregando
fardos que em nada agregam à vida.