Até há pouco tempo, as pessoas “não me toques” eram escarnecidas e vistas como arrogantes, presumidas e afectadas. As crianças – esses génios da sinceridade trocista – faziam um verdadeiro pagode daqueles que, na escola, fugiam ao toque dos demais e apelidavam-nos com toda a sorte de nomes, bem pouco simpáticos. Os preocupados professores do ensino elementar chamavam a atenção dos pais dessas crianças anti-sociais, prevendo-lhes futuros funestos de solidão e problemas mentais embrionários.
Hoje, por força das circunstâncias, não só toda a gente adoptou o slogan de
fuga ao toque, como somos mesmo forçados pelas autoridades a manter espaços de
segurança de toda a gente, máscaras de protecção e até mesmo usar sprays e géis
desinfectantes para quando acontece um contacto. Hoje, ser sociável não é
apenas visto como loucura. É mesmo contra a lei.
O papel dos governos e dos media nesta revolução quase instantânea de
posicionamento não tem muito que se lhe diga: tem tudo. Já começamos a discutir
se o problema é o Covid 19 ou a atitude perante o mesmo, como diz Yuval Noah
Harari que cedo alertou para a importância do bom senso na resposta a uma crise
na esperança de que não deixássemos que a privacidade e a falta de liberdade
fossem invadidas em nome da fiscalização ditatorial. O mesmo Yuval Noah Harari
que é endeusado pelas suas obras sobre evolução da Humanidade é um homem que
agora todos calam quando fala no estádio actual que o ser humano atravessa.
Entretanto, e porque o ser humano é natural e biologicamente gregário lá
vai arranjando formas de ser social e afectuoso como pode, dentro das
limitações contextuais. Nesta nova forma de relacionamento(s), a internet
adquiriu grande importância – outros dirão que se a internet não existisse não
poderia haver o tal controlo em grande escala, mas há sempre um reverso da
medalha em tudo e, de qualquer forma, jamais se pode deter o progresso. A única
coisa inevitável é a mudança; o que fazemos dela é connosco (isto dava outra
crónica!). Nesta onda do afecto à distância, conhecer pessoas torna-se uma
tarefa só recomendável com ecrã pelo meio. Conclusão: namorar passou a ser mais
frio e distante e menos propício a beijos e amassos do que nos tempos em que a
minha avó namorava à janela.
As pessoas solteiras (ou sozinhas) que antes encontravam parceiros em
contextos forçosamente sociais, como sejam as pausas no trabalho, ginásios,
cafés, bares, concertos, viagens, enfim, hoje estão quase impedidas destas
situações (ou, pelo menos, controladas: não há muito romantismo em certos cenários
destes usando uma máscara). Poderá acontecer esbarrar com alguém no
supermercado ou ter um coup de foudre com o carteiro, mas é preciso uma
grande sorte – e um carteiro excepcional. Portanto, a esmagadora maioria dos
solitários agora opta por relações através da internet.
Se é verdade que existem aplicativos unicamente para encontrar parceiro
(como o Tinder e outros que dependem até das escolhas sexuais de cada um), a
verdade é que muita gente encontra parceiro em outros sites online que
se parecem menos com uma lista de compras com humanos à disposição. Existem
versões ainda mais estranhas, como o “Meet Me”, onde os pretendentes se dispõem
a conhecer outro alguém em frente a uma plateia online que avalia se o primeiro
encontro virtual deles está a correr bem – exibicionismo? Mistura entre
relações pessoais e pressão social de gente que nem se conhece?
Há um sketch muito engraçado dos humoristas brasileiros “Porta dos Fundos”
em que eles explicam que todo o aplicativo da internet não passa de uma forma
de “engatar”, mesmo que seja um aplicativo para pedir comida. Para além disso,
muitos há que conhecem pessoas através de jogos online (“gaming” é outra forma
de conhecer gente… e não é pouco concorrida) ou então em fóruns do estilo
Reddit, um caldeirão onde cabe tudo o que se possa imaginar, espécie de
mercearia do Sr. João que vende pastilhas elásticas, arroz, meias, remédios e
lápis. Mas com ar moderno.