De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 800 000 pessoas morrem por suicídio todos os anos. Isso significa que, a cada 40 segundos, há um ser humano que decide que morrer é melhor do que estar vivo. É importante frisar que estas estatísticas se referem aos casos de morte. Se juntarmos as tentativas de suicídio, os números sobem exponencialmente, sendo que para cada morte há cerca de 20 tentativas.
As estatísticas reduzem os seres humanos a um caldo de não-identidade –
parte do muito que pode levar alguém ao suicídio é não ser sequer reconhecido,
portanto não quero passar tempo a ver números. No entanto, é curioso verificar
como a esmagadora generalidade dos suicidas são homens (numa proporção de 3 em
cada 4). Também seria preciso verificar de quem falamos, já que o suicídio é
uma questão que, de forma geral, é mais comum nos idosos seguidos dos jovens.
Na meia-idade, é bem mais raro encontrar suicidas. Assim, talvez fosse honesto
deixarmos de falar na “crise da meia idade”. O que acontece nesse período da vida
talvez não seja uma crise, mas simplesmente uma mudança em que as pessoas despertam
para o que desejam fazer e aproveitar. Na infância, é também raro encontrar
suicidas: o arrepiante é saber que existem.
Os terapeutas gostam de dizer que o suicídio se revela em presença de
co-morbidez, ou seja, que aquele que se suicida sofre também doutra doença,
como seja depressão, ansiedade extrema, stress pós-traumático, ou mesmo uma
doença incurável como um cancro terminal. Acontece que o suicídio não é uma
doença, portanto não pode ser co-mórbido, nem sequer mórbido; é causa final.
Não fica ali a trabalhar devagar, não tem possibilidade de cura, não existe
volta atrás. É como um raio: termina com tudo. É o fim. Mas a pessoa suicida não
o vê assim. Na realidade, encara o acto como uma espécie de panaceia. O suicida
potencial vê no suicídio um portal de cura. Na verdade, não querem “acabar com
tudo”. Querem “acabar com este tudo que existe agora”, isto é a vida actual
tornou-se impossível de tão horrível que é, mas o que gostavam é que num passe
de mágica tudo se transformasse para melhor. Por não verem solução, o passe de
mágica chama-se suicídio. Não creio que o suicida pretenda morrer com toda a
terminalidade da palavra; o que ele queria era não viver a vida que tem e sim
viver outra, o que se lhe afigura impossível.
Como imaginam, esta reflexão vem a propósito de ter perdido um amigo que se
suicidou. Existe aqui um elevado factor de surpresa e talvez algum “mea culpa”,
que penso ser normal nestas ocasiões. Mas tudo isto pouco importa, pois quem
fica tem algo maravilhoso: o dom da vida que continua, com altos, com baixos,
mas sempre com luz, com energia vital. Ao passo que quem se foi perdeu para
sempre esta oportunidade… com todas as outras que se seguem no amanhã e no
depois, pois o certo é que “tudo passa e isto também passará.”
Por conta desta situação, acabei por encontrar vários grupos de apoio, um
deles que muito me emocionou e que se chama “Please Stay”. Este grupo formou-se
em Singapura, por 4 mães cujos filhos adolescentes (um deles ainda criança) se
suicidaram. Embora o grupo se destine maioritariamente a chamar a atenção dos
pais para os sinais que podem indicar pedidos gritantes de ajuda dos filhos, eu
acho muito útil que pessoas com ideário suicida (nomeadamente jovens) vejam os
vídeos. Na verdade, o grupo acaba também por ser uma forma de processo de cura
destas mães que, a seu modo, dizem aos filhos que já não têm “Não te vás
embora”. É isso que todo o suicida precisa de ouvir. Fazes falta. O que eu quero
é que não o faças.
Quanto a mim, não é justo dizer que as pessoas que têm esta atitude estão
muito doentes, desresponsabilizando a situação envolvente. Recordo sempre uma
entrevista com o actor Keanu Reeves em que lhe perguntaram se ele já estava
recuperado da sua depressão face à morte da namorada e do filho e ele
respondeu: “Acho que as pessoas não têm depressões. As pessoas reagem ao que a
vida lhes dá. Se é bom, fico feliz. Se é muito mau, fico imensamente triste.
Sou humano, não sou um robot. Você tem um nome para a felicidade extrema?
Porque rotula a minha tristeza então?”
As reacções de dor extrema são respeitáveis e normais. Não significam
patologia. O suicídio, porém, é uma escolha fruto do desespero total. É
importante lembrar que “tudo passa”. Incluindo esse desespero. Que ninguém se
vá embora.