Quem já teve um namorado (ou namorada) de outra nacionalidade, sabe a comédia que, volta e meia, está presente nesse tipo de relações. Já escrevi sobre isso numa crónica que intitulei “A Comunicação”, onde conclui que quando nos dizem “o segredo de uma boa relação é a comunicação constante” certamente não estão a contar os casos em que é preciso aprender a gramática e vocabulário de outra língua antes de comunicar com o mínimo de inteligibilidade.
Também é difícil perceber piadas. Quanto mais dúbias são, mais difíceis de
perceber. Um casal que não ri das mesmas coisas tem pouca longevidade na
relação. Claro que há muitas pessoas que falam a mesma língua, mas não riem do
mesmo e jamais sequer se percebem… Porém, o meu ponto é este: quem não fala a
mesma língua, à partida, tem de fazer um esforço adicional para se tentar entender.
Por um lado, é bom, porque logo se percebe quem está disposto a fazer esse
esforço - que deve sempre ser mútuo, a não ser que haja uma língua franca que
aguente as pontas. Mesmo assim, nunca deem valor a quem não se tenta esforçar.
Por outro lado, em última análise, evitam-se discussões, pois não há discussão
do que não tem possibilidade de ser debatido por falta de vocabulário.
No entanto, o meu tema de hoje são aquelas palavras doces que os casais
usam para se chamarem entre si, caso não utilizem apenas os respectivos nomes. Por
exemplo: querido/a, amor, fofo/a, e por aí fora, consoante os devaneios habituais
de cada um. Cuidado quando estiverem a ensinar que “amor” pode ser usado como
adjectivo, porque um estrangeiro imediatamente assumirá que “amora” é a
declinação feminina da palavra. Falo por experiência.
Todos nós conhecemos sobejamente os termos que os anglo-saxónicos usam, ou
não fossemos em todo o lado invadidos pela filmografia hollywoodesca e pela
música pop, que nos bombardeiam com “baby”, “dear”, “darling”, “honey” e
não muito mais porque o inglês também não é, convenhamos, das línguas mais
imaginativas no que toca a afecto.
Na nossa mente, fazem sentido alguns dos termos espanhóis como “cariño”, “mi
alma”, “mi vida”, “mi reina” (minha rainha), “mi cielo” (meu céu), mas outros soam
bem mais estranhos como “gordo” ou pelo contrário “flaco” (magro), “viejo”
(velho), “loco” ou até “pobrecito”. Enfim, os castelhanos têm certa vertente
peculiar…
Do mesmo modo, os italianos. “Amore”, “tesoro”, “piccolina” (pequenina)
soam bem, mas já custa a engolir termos como “cucciola” (cadelinha) e
“topolina” (ratinha!!!) Muito há que dizer sobre as diferenças culturais. Ainda
bem que o Topo Gigio fez parte da nossa tenríssima infância para percebermos
que eles têm dos ratos uma referência muito sentimental!
Os franceses têm um lado romântico com “mon coeur” (meu coração), “ma
belle”, mon bonheur” (minha felicidade), “ma mie” (meu miolo de pão), mon rêve
(meu sonho)… A verdade é que podia ficar aqui todo o dia, porque raras línguas
têm uma multiplicidade de vocabulário tão grande para denominar o ser amado.
Mas quero deixar aqui alguns que desagradam ao portuga, como sejam “ma puce” (minha
pulga), “ma biche” (equivalente ao Bambi, mas não soa bem), “ma crevette” (meu camarão),
“mon chou” (minha couve).
Finalmente, que nomes doces usam os chineses? Em público, nenhum, jamais!
Em privado, geralmente “baobao” (bebé) ou “baobei” (tesouro). Igualmente,
“quin’ai de” (querido/a). Quase todo os restantes nomes carinhosos implicam o
título acoplado de “marido” e “mulher” porque é uma cultura que dá enorme valor
às relações comprometidas assinadas em papel. Tudo o mais são brincadeiras
inconsequentes. Mas fiquem com estas pérolas, alegadamente carinhosas: “xingan”
(meu coração e fígado), “xiao qiu yin” (pequena minhoca) e “ben dan” (tolinho).
Em suma, até para ser carinhoso com alguém, é preciso pensar bem no
vocabulário, não vamos nós ofender o campo semântico interior de cada um. Como
é fácil ofender mesmo quando não se intenciona! Nem quero imaginar a
brutalidade de quando se insulta deliberadamente, dentro da Torre de Babel onde
vivemos. Os intérpretes das Nações Unidas e outros do género devem ter muito
trabalho a evitar confrontos.