... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, March 24, 2022

Dependência: círculos viciosos

Os departamentos de neurociência de Princeton, Columbia e Yale chegaram a uma conclusão que a ninguém espanta: o número de pessoas que confessa sofrer de vícios disparou durante a pandemia de Covid; da mesma forma, as pessoas que já se consideravam dependentes de algo sofreram um aumento do seu nível de dependência durante os últimos dois anos.

Já se sabia que quarentena, isolamento, proibições e tudo isso que se passou a viver como rotina só veio causar dramas à saúde mental de todos de forma geral. Porém, o profundo impacto que tais medidas tiveram no (já de si frágil) equilíbrio que tem um dependente só agora começa a revelar-se.

É impossível num artigo tão curto explorar o tema com a profundidade que merece, a começar pelo facto de que há muitos tipos de vícios (drogas, álcool, jogo, sexo, internet, e até o vício que nos prende a alguém em particular ou a uma sensação tóxica, como o masoquismo). Para arredondar, convenhamos que vício ou dependência é tudo aquilo (ou aquele) que nos tem sob o seu controlo ao invés de sermos nós os mestres; por consequência, cria-se uma relação de escravidão por parte do controlado. É importante ter a frontalidade de aceitar que é mesmo assim, porque, na verdade, rara é a pessoa que não tem, pelo menos, um vício. Quantos de nós não somos escravos do telemóvel, que levamos para a cama como uma chucha? E ele aí está, como primeira coisa ao acordar e última antes de adormecer? Uma dependência, uma escravidão. Nesta óptica, ninguém pode ter a sobranceria de olhar de cima para, por exemplo, um dependente de substâncias. O que varia é tão só o objecto.

Numa época em que se convencionaram cortar estímulos exteriores, as pessoas viveram mais ensimesmadas, trancadas. A falta de relações sociais não beneficiou o soltar dos vícios, primeiro porque a esmagadora generalidade dos dependentes tem relações familiares pouco benéficas, quando não inteiramente tóxicas, e o seu círculo de “amigos” por vezes não passa de gente que ou compartilha do mesmo vício ou se aproveita financeira e até psiquicamente dele. Não são amigos. São outros tantos alienados, por um lado; do outro lado, perigoso, existem os vampiros – o dependente acaba por ser viciado nos vampiros também, mas só mais tarde se apercebe. Porquê? Volto a dizer: ficamos escravos de tudo ou de todos os que nos controlam, seja de que forma for. Quem não for o senhor de si próprio, é um viciado.

Existe uma componente extremamente exacerbada pela quarentena e suas restrições que motiva o aparecimento de vícios: é o tédio do não ter que fazer. Isto é diferente de lazer, que relacionamos com actividades prazeirosas, dinâmicas, interessantes. O tédio advém de estar sem actividades e sem vontade de coisa nenhuma. Quando há uma rotina apertada a seguir, há menos espaço para tédio e para vícios. Não quero com isto dizer que as pessoas dependentes de X ficam assim somente por estarem entediadas… Mas não há como negar que quando temos algo muito urgente ou muito motivador entre mãos, não há espaço para intoxicações. Obviamente que, nos estádios mais avançados do vício, o dependente já não distingue coisa nenhuma, nem degraus de valor, porque na sua escravidão a única coisa importante, única, é precisamente o vício. Mas aí, a pessoa já desceu até ao fundo do poço.

As pessoas ocupadas são mais saudáveis? Podem ser ou não, depende do que fazem. Os japoneses morrem de excesso de trabalho, o que também constitui um vício. Relembremos que a palavra que define vício é “escravidão”. O que eu sei é que as pessoas motivadas são, certamente, mais saudáveis. Todos precisamos de estímulos, de alguma coisa que nos eleve, que nos faça chegar mais além. Algumas pessoas precisam disso mais do que outras, pela sua personalidade, talvez muito sonhadora, talvez muito passional, talvez muito carente, ou talvez com agressividade auto-direcionada. Quando essas pessoas dedicadas encontram um estímulo saudável, podem ser gloriosas: os maiores desportistas, os grandes músicos, os melhores artistas, os mais incomparáveis místicos, foram – a seu modo – todos gente extremamente focada num só ponto, digamos que escrava de um desporto, de uma arte, de uma transcendência que os elevou à glória. Infelizmente, quando pessoas muito necessitadas de estímulos encontram algo não saudável, caem num turbilhão do qual é muito difícil sair.

No fundo, as pessoas dependentes são pessoas com enorme tendência para a devoção. São capazes de se entregar a algo de corpo e alma. Em si, isto é uma qualidade. A questão é que, mal direcionada, pode tornar-se não só um defeito mas um perigo de vida. Se estas pessoas direcionarem a sua enorme capacidade de busca, de entrega, de servir, a uma meta de firme e bom propósito, não só elas como a Humanidade terá um salto qualitativo. O puzzle do mundo fica a ganhar. Se, no entanto, permanecerem no limbo escuro onde são controladas, nunca saberemos, e elas também nunca saberão, o que poderiam ter alcançado.

Saturday, March 19, 2022

This information saves lives

Due to the extremely unfortunate events that I have witnessed, felt and later worked with, helping victims of violent abuse on a NGO, I strongly encourage everyone to educate themselves on abuse, narcisistic personality disorder, malignant narcissism, co-dependent relationships and toxic bonds. These situations last for many years. At their best, they are filled with emotional disorder, psychological imbalance, financial sucking, physical violence, sexual manipulation, humiliation, and a roller coaster of drama. At their worst, they escalate to stalking, depletion, vice, incest, all kinds of torture, house imprisionement, silencing, rape and murder. Yes, murder with a smile. Psychopats are not mean all the time; they are sugar and spice and that’s what makes them so dangerous. They don’t care about you. But they will pretend because they care about what they can get from you. The softer your heart is, the more you will fall for their tricks. They can be family members, “friends” or “lovers”… Whatever they are, you need to cut them out of your life. If you don’t, they will eventually finish you off, once they have sucked all they can from you.

Educate yourself. Start here:

The "dance" with an abusive partner: https://samvak.tripod.com/abusefamily.html

But what actually constitutes abuse? https://samvak.tripod.com/abuse.html

When Parents are the abusers: https://samvak.tripod.com/faq5.html

The dynamics of an abusive family: https://samvak.tripod.com/narcissistfamily.html

Free yourself before it’s too late!

Thursday, March 10, 2022

Paróquias

Segundo os dicionários, uma das definições de paroquialismo é “a tendência a limitar os pensamentos, interesses, actividades e objectivos a uma esfera puramente local”. O adjectivo “paroquial” pode, por isso, designar uma acção ou um pensamento pouco interessantes. Nada contra as paróquias! Uma coisa é o adjectivo “paroquial” quando designando algo relativo às divisões feitas pela Igreja – essas foram importantes, pois muitos dos registos que hoje possuímos acerca do passado das nossas populações existe porque tudo se registava nas paróquias. Mas nesta crónica não me refiro a isso e sim ao adjectivo “paroquial” quando usado para falar de “perspectiva”. Uma perspectiva paroquial acerca seja do que for não é um elogio; é uma visão limitada, localista, mesquinha, e que não passa além da sua rua.

No tempo das Descobertas – esse tempo tão saudoso a Portugal, que volta e meia arranca poemas e é motivo de orgulho nacional – os Europeus, com destaque para os povos marinheiros descobridores, eram tudo menos gente com visão paroquial. Estou em crer que até terá sido o tempo histórico com perspectiva mais global. Claro que na Roma Antiga também havia a fúria de conquistar todos os povos conhecidos para glória e expansão do Império. Na época da Roma Antiga, a perspectiva era também global, sendo certo que território explorado era território aculturado. Por este prisma, podemos adjectivar toda a visão e acção imperialista a “global” pois que o mundo, lato sensu, sempre foi o palco de eleição dos Impérios, quer estejamos a falar de Romanos, de Muçulmanos ou dos Europeus Quinhentistas.

Mas a diferença é esta: os Impérios Antigos conquistavam os territórios que estavam ali ao lado, ao passo que os Descobridores de 500 zarparam nas caravelas e meteram-se mar adentro para irem colidir com terras que ainda não estavam sequer cartografadas nos mapas da altura. Eram sonhadores (pelos critérios de hoje, quem sabe lhes receitariam uns medicamentos para “aterrarem na realidade”) mas o ponto é que de paroquialismo nada tinham. Pensavam e agiam à escala mundial, literalmente. Haverá leitores a dizer “Ah, mas os Antigos Romanos também conquistaram terras bem longe de Roma”. Sem dúvida. Mas para chegarem a essas terras, conquistaram antes as que estavam perto, meticulosamente. De qualquer forma, eram também gente de pensamento global. Como dizem os anglo-saxónicos, Romanos e Descobridores eram ambos “encompassing” - maravilhoso adjectivo, porque vemos a roda do compasso a abarcar tudo. Eram o oposto do pensamento paroquial.

O outro lado da História são todos os povos que, subjugados, conquistados ou “descobertos” (se bem que eles já lá estavam e viviam… “descobertos” na óptica de quem?) foram reduzidos à escravidão e ao extermínio. Dos vencidos pouco se conta. Diz-se, por exemplo, que os Aztecas não opuseram quase nenhuma resistência aos Espanhóis, porque eram gente de boa fé, pacífica, e sobretudo completamente ignorante do exterior; ou seja, sem interesse nenhum pelo global. Já os Gauleses deram fortíssima luta aos Romanos porque estavam imensamente conscientes de quem estes eram e do que costumavam fazer aos conquistados. Com tanta guerra e violência daí resultante, podemos pôr em causa se a visão global será mais nobre do que a paroquial…

Mas porque não se aventuraram outros povos a conquistar o mundo? Na época das Descobertas, os povos da Ásia tinham poderio económico e militar para o fazerem e não o fizeram. Gostamos de dizer que é porque nós somos melhores a navegar. Mas acredito que a razão pela qual os Europeus foram senhores da conquista desde a América à Oceânia, passando pela África, durante 300 anos, é outra: é que a Ásia, com excepção do Japão, vive virada para si. Não tem curiosidade fervente pelo resto do mundo. Ainda hoje pouco lhes interessam as opiniões, costumes e negociatas dos outros continentes. Há uma certa reserva distante, aos nossos olhos europeus um absurdo, mas para eles é simplesmente a superioridade e a leveza do desinteresse. Irrelevante. Todos os outros são irrelevantes. Alguns dirão que esta atitude é de snobismo. Talvez seja. Seja como for, nirvânica ou paroquialista, garantidamente este sentimento e atitude é bem um traço cultural do extremo Leste.

O que tem isto a ver com o momento histórico que atravessamos? Tem tudo. Vão lá ver o mapa, vejam bem onde se situa toda a esgrima, tanto silenciosa como activa. É por isso que Estudos Culturais é uma disciplina maravilhosa, embora absurdamente generalista. É importante relembrar que, tal como os portugueses não são todos iguais, as pessoas de Leste, tanto umas como outras, também não o são. Não podemos olhar para a árvore e classificar a floresta.