... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, March 10, 2022

Paróquias

Segundo os dicionários, uma das definições de paroquialismo é “a tendência a limitar os pensamentos, interesses, actividades e objectivos a uma esfera puramente local”. O adjectivo “paroquial” pode, por isso, designar uma acção ou um pensamento pouco interessantes. Nada contra as paróquias! Uma coisa é o adjectivo “paroquial” quando designando algo relativo às divisões feitas pela Igreja – essas foram importantes, pois muitos dos registos que hoje possuímos acerca do passado das nossas populações existe porque tudo se registava nas paróquias. Mas nesta crónica não me refiro a isso e sim ao adjectivo “paroquial” quando usado para falar de “perspectiva”. Uma perspectiva paroquial acerca seja do que for não é um elogio; é uma visão limitada, localista, mesquinha, e que não passa além da sua rua.

No tempo das Descobertas – esse tempo tão saudoso a Portugal, que volta e meia arranca poemas e é motivo de orgulho nacional – os Europeus, com destaque para os povos marinheiros descobridores, eram tudo menos gente com visão paroquial. Estou em crer que até terá sido o tempo histórico com perspectiva mais global. Claro que na Roma Antiga também havia a fúria de conquistar todos os povos conhecidos para glória e expansão do Império. Na época da Roma Antiga, a perspectiva era também global, sendo certo que território explorado era território aculturado. Por este prisma, podemos adjectivar toda a visão e acção imperialista a “global” pois que o mundo, lato sensu, sempre foi o palco de eleição dos Impérios, quer estejamos a falar de Romanos, de Muçulmanos ou dos Europeus Quinhentistas.

Mas a diferença é esta: os Impérios Antigos conquistavam os territórios que estavam ali ao lado, ao passo que os Descobridores de 500 zarparam nas caravelas e meteram-se mar adentro para irem colidir com terras que ainda não estavam sequer cartografadas nos mapas da altura. Eram sonhadores (pelos critérios de hoje, quem sabe lhes receitariam uns medicamentos para “aterrarem na realidade”) mas o ponto é que de paroquialismo nada tinham. Pensavam e agiam à escala mundial, literalmente. Haverá leitores a dizer “Ah, mas os Antigos Romanos também conquistaram terras bem longe de Roma”. Sem dúvida. Mas para chegarem a essas terras, conquistaram antes as que estavam perto, meticulosamente. De qualquer forma, eram também gente de pensamento global. Como dizem os anglo-saxónicos, Romanos e Descobridores eram ambos “encompassing” - maravilhoso adjectivo, porque vemos a roda do compasso a abarcar tudo. Eram o oposto do pensamento paroquial.

O outro lado da História são todos os povos que, subjugados, conquistados ou “descobertos” (se bem que eles já lá estavam e viviam… “descobertos” na óptica de quem?) foram reduzidos à escravidão e ao extermínio. Dos vencidos pouco se conta. Diz-se, por exemplo, que os Aztecas não opuseram quase nenhuma resistência aos Espanhóis, porque eram gente de boa fé, pacífica, e sobretudo completamente ignorante do exterior; ou seja, sem interesse nenhum pelo global. Já os Gauleses deram fortíssima luta aos Romanos porque estavam imensamente conscientes de quem estes eram e do que costumavam fazer aos conquistados. Com tanta guerra e violência daí resultante, podemos pôr em causa se a visão global será mais nobre do que a paroquial…

Mas porque não se aventuraram outros povos a conquistar o mundo? Na época das Descobertas, os povos da Ásia tinham poderio económico e militar para o fazerem e não o fizeram. Gostamos de dizer que é porque nós somos melhores a navegar. Mas acredito que a razão pela qual os Europeus foram senhores da conquista desde a América à Oceânia, passando pela África, durante 300 anos, é outra: é que a Ásia, com excepção do Japão, vive virada para si. Não tem curiosidade fervente pelo resto do mundo. Ainda hoje pouco lhes interessam as opiniões, costumes e negociatas dos outros continentes. Há uma certa reserva distante, aos nossos olhos europeus um absurdo, mas para eles é simplesmente a superioridade e a leveza do desinteresse. Irrelevante. Todos os outros são irrelevantes. Alguns dirão que esta atitude é de snobismo. Talvez seja. Seja como for, nirvânica ou paroquialista, garantidamente este sentimento e atitude é bem um traço cultural do extremo Leste.

O que tem isto a ver com o momento histórico que atravessamos? Tem tudo. Vão lá ver o mapa, vejam bem onde se situa toda a esgrima, tanto silenciosa como activa. É por isso que Estudos Culturais é uma disciplina maravilhosa, embora absurdamente generalista. É importante relembrar que, tal como os portugueses não são todos iguais, as pessoas de Leste, tanto umas como outras, também não o são. Não podemos olhar para a árvore e classificar a floresta.