Segundo os dicionários, uma das definições de paroquialismo é “a tendência a limitar os pensamentos, interesses, actividades e objectivos a uma esfera puramente local”. O adjectivo “paroquial” pode, por isso, designar uma acção ou um pensamento pouco interessantes. Nada contra as paróquias! Uma coisa é o adjectivo “paroquial” quando designando algo relativo às divisões feitas pela Igreja – essas foram importantes, pois muitos dos registos que hoje possuímos acerca do passado das nossas populações existe porque tudo se registava nas paróquias. Mas nesta crónica não me refiro a isso e sim ao adjectivo “paroquial” quando usado para falar de “perspectiva”. Uma perspectiva paroquial acerca seja do que for não é um elogio; é uma visão limitada, localista, mesquinha, e que não passa além da sua rua.
No tempo das Descobertas – esse tempo tão saudoso a Portugal, que volta e
meia arranca poemas e é motivo de orgulho nacional – os Europeus, com destaque
para os povos marinheiros descobridores, eram tudo menos gente com visão
paroquial. Estou em crer que até terá sido o tempo histórico com perspectiva
mais global. Claro que na Roma Antiga também havia a fúria de conquistar todos
os povos conhecidos para glória e expansão do Império. Na época da Roma Antiga,
a perspectiva era também global, sendo certo que território explorado era
território aculturado. Por este prisma, podemos adjectivar toda a visão e acção
imperialista a “global” pois que o mundo, lato sensu, sempre foi o palco
de eleição dos Impérios, quer estejamos a falar de Romanos, de Muçulmanos ou
dos Europeus Quinhentistas.
Mas a diferença é esta: os Impérios Antigos conquistavam os territórios que
estavam ali ao lado, ao passo que os Descobridores de 500 zarparam nas
caravelas e meteram-se mar adentro para irem colidir com terras que ainda não
estavam sequer cartografadas nos mapas da altura. Eram sonhadores (pelos
critérios de hoje, quem sabe lhes receitariam uns medicamentos para “aterrarem
na realidade”) mas o ponto é que de paroquialismo nada tinham. Pensavam e agiam
à escala mundial, literalmente. Haverá leitores a dizer “Ah, mas os Antigos
Romanos também conquistaram terras bem longe de Roma”. Sem dúvida. Mas para
chegarem a essas terras, conquistaram antes as que estavam perto,
meticulosamente. De qualquer forma, eram também gente de pensamento global.
Como dizem os anglo-saxónicos, Romanos e Descobridores eram ambos
“encompassing” - maravilhoso adjectivo, porque vemos a roda do compasso a
abarcar tudo. Eram o oposto do pensamento paroquial.
O outro lado da História são todos os povos que, subjugados, conquistados
ou “descobertos” (se bem que eles já lá estavam e viviam… “descobertos” na
óptica de quem?) foram reduzidos à escravidão e ao extermínio. Dos vencidos pouco
se conta. Diz-se, por exemplo, que os Aztecas não opuseram quase nenhuma
resistência aos Espanhóis, porque eram gente de boa fé, pacífica, e sobretudo
completamente ignorante do exterior; ou seja, sem interesse nenhum pelo global.
Já os Gauleses deram fortíssima luta aos Romanos porque estavam imensamente
conscientes de quem estes eram e do que costumavam fazer aos conquistados. Com
tanta guerra e violência daí resultante, podemos pôr em causa se a visão global
será mais nobre do que a paroquial…
Mas porque não se aventuraram outros povos a conquistar o mundo? Na época
das Descobertas, os povos da Ásia tinham poderio económico e militar para o
fazerem e não o fizeram. Gostamos de dizer que é porque nós somos melhores a
navegar. Mas acredito que a razão pela qual os Europeus foram senhores da
conquista desde a América à Oceânia, passando pela África, durante 300 anos, é
outra: é que a Ásia, com excepção do Japão, vive virada para si. Não tem
curiosidade fervente pelo resto do mundo. Ainda hoje pouco lhes interessam as
opiniões, costumes e negociatas dos outros continentes. Há uma certa reserva
distante, aos nossos olhos europeus um absurdo, mas para eles é simplesmente a superioridade
e a leveza do desinteresse. Irrelevante. Todos os outros são irrelevantes.
Alguns dirão que esta atitude é de snobismo. Talvez seja. Seja como for,
nirvânica ou paroquialista, garantidamente este sentimento e atitude é bem um
traço cultural do extremo Leste.
O que tem isto a ver com o momento histórico que atravessamos? Tem tudo.
Vão lá ver o mapa, vejam bem onde se situa toda a esgrima, tanto silenciosa como
activa. É por isso que Estudos Culturais é uma disciplina maravilhosa, embora
absurdamente generalista. É importante relembrar que, tal como os portugueses
não são todos iguais, as pessoas de Leste, tanto umas como outras, também não o
são. Não podemos olhar para a árvore e classificar a floresta.