Neste preciso momento, encontro-me a trabalhar numa cidade onde há vários anos atrás fiquei muito triste por esta altura do ano – estávamos em família, quando deparámos com um mendigo, gelado e só, com um cartaz que dizia “C’est dur d’être seul pendant Nöel” (é duro estar sozinho no Natal). Talvez seja. O certo é que, este ano, depois de falar com uma colega de trabalho, tenho uma impressão diferente: estar só no Natal pode ser muito bom. Desde que seja uma escolha nossa.
Não sei se sabem que a esmagadora maioria das companhias aéreas baixa escandalosamente os preços no dia 25 de Dezembro. A razão? Qual é o doido que quer viajar no dia de Natal? A maior parte está no quentinho do lar e ai dele se sai para ir dar uma volta, o sacrílego! Era engolido. Parêntesis para referir os que não são cristãos e, logo, não fazendo o Natal parte das suas convenções, digo prazeres, podem perfeitamente meter-se num avião nesse dia. Também há os que trabalham no Natal, por força das circunstâncias – assim de repente, recordo-me do taxista que nos pode levar ao aeroporto, do piloto de avião, do homem do bar, dos senhores da ambulância, da polícia e dos jornalistas.
Porque é que é tão duro passar o Natal só? Porque se convencionou que há que estar acompanhado. Experimentem dizer que vão passar sós o Natal. As famílias dos vossos amigos, com um misto de compaixão e da melhor intenção samaritana, convidar-vos-ão logo lá para casa. Há sites internet sobre como sobreviver ao Natal sozinho (sobretudo dirigidos a divorciados, embora eu cá ache que se deviam dirigir a idosos fechados em lares, onde a solidão é muito mais pesada do que se, efectivamente, estivessem livres para irem para onde bem entendessem). Quando, finalmente, uma pessoa consegue tempo para estar só em sua casa – após declinar os amáveis convites – liga a televisão e o que é que aparece? Famílias inteiras trinchando animais, presentes, presentes, presentes e festas. Uma pessoa está, praticamente, jantada de Ferreros e inundada de brinquedos sem sair do sofá.
Eu gosto sinceramente do Natal, sobretudo pelos sentimentos de generosidade, fraternidade e alegria que provoca na maior parte das pessoas que o celebram. Também gosto – talvez até infantilmente – da sua luz, do seu calor, da paz (ainda que efémera e talvez falsa) que traz com ele. Mas abomino obrigações. E é esse paradoxo que me constrange, sobretudo quando aliado ao materialismo e à hipocrisia.
Natal sozinho não tem de ser sinónimo de Natal solitário – pode ser um Natal solidário, como o da minha colega que é voluntária num abrigo e passa o Natal a servir comida a quem come mal o resto do ano. Tem um Natal melhor que o meu, porque é, sem dúvida, muito mais útil ao mundo. Não sei se se sente mais feliz. Mas é a única que vive o Natal – afinal, é a única que vê e faz milagres acontecerem. E, para falar a verdade, até me dá vontade de rir quando ouço dizer que ela está só.